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Por que a humanidade não está mais – nem menos – violenta do que no passado

Publicado em Science
Autor: Michael Price
Traduzido por Elan Marinho

As pessoas das grandes sociedades modernas são menos ou mais violentas do que nossos antepassados? A resposta é nem mais e nem menos, de acordo com um novo estudo controverso: Pessoas que viviam em pequenos bandos no passado tinham não mais tendência para a violência do que nós temos atualmente. O achado – baseado em estimativas de mortes em guerra ao longo da história – diverge-se em relação ao argumento popular de que os humanos têm sido uma espécie mais pacífica do que antigamente, graças a avanços tecnológicos e governamentais. Mas alguns críticos não estão convencidos disso.

Isso inclui o homem que mais recentemente popularizou essa ideia, o psicólogo Steven Pinker da Universidade de Harvard, que se refere ao novo achado como “um truque estatístico”. Ele defende, em seu livro The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined de 2011, que o aparecimento de instituições que têm os estados-nações como fortes centros de poder governamental, redes comerciais e ampla comunicação aumentaram a interdependência e reduziram as mortes por violência. Ele citou dados sugerindo que menos pessoas morrem em guerras atualmente, em relação ao total da população de uma sociedade, do que em relação às pequenas tribos de caçadores-coletores, pastores e horticultores – que é como a humanidade se organizou na maior parte de sua história.

Mas uma equipe liderada pelo antropólogo Rahul Oka da Universidade de Notre Dame em Indiana questionou se existia uma explicação matemática para o porquê de cada vez menos pessoas, proporcionalmente, serem perdidas por meio da violência nos dias de hoje. Eles defendem que, ao passo em que a população aumenta, seus exércitos não necessariamente crescem na mesma proporção. Em um pequeno grupo de 100 adultos, por exemplo, seria perfeitamente razoável haver 25 guerreiros, diz o antropólogo; e investiga o coautor Mark Golitko, também em Notre Dame. Mas, em uma população de 100 milhões, apoiar e coordenar um exército de 25 milhões de soldados – para não falar da efetividade do exército – é logisticamente impossível. Pesquisadores chamam essa incongruência de efeito escala (scaling effect).

Os cientistas vasculharam em volumes empoeirados e em arquivos digitais para reunir uma lista de 295 sociedades e 430 batalhas, grandes e pequenas, datadas de 2500 a. C. até hoje. Eles traçaram dois conjuntos de dados: um, que compara o tamanho geral da população ao tamanho da força de combate dessa sociedade; e outro, que compara o tamanho do exército à taxa de acidentes.

Por exemplo, uma batalha de 1771, entre facções em guerra do povo maori da Nova Zelândia, envolveu 60 guerreiros – cerca de 1% de sua população total. Quando 10 pessoas morreram nesse conflito, os maori perderam cerca de 1 décimo do percentual da sua população. Em comparação, durante a Guerra Civil Americana, na Batalha de Gettysburg na Pennsylvania, em 1863, cerca de 150.000 soldados lutaram (um recorte de menos de 0,5% da população nacional). Cerca de 5.745 morreram nessa batalha, resultando na perda de apenas uma minúscula fração da população geral.

Ressaltando essas batalhas e centenas como elas, Oka e sua equipe acharam que quanto maior a população, menor o número proporcional de pessoas lutando e morrendo em batalha, que é aquilo que os pesquisadores relataram essa semana em Proceedings of the National Academy of Sciences. Em conjunto, os resultados sugerem que, enquanto que a população aumenta, as mortes per capita provocadas pela violência se reduzem, independentemente do governo, do comércio compartilhado ou da tecnologia.

Uma vez que pesquisadores como Pinker atribuem a tendência da não-violência a instituições como governo e ao comércio, em vez de simplesmente a escalas, Golitko diz que eles superestimaram as tendências à violência em sociedades menores. O paper surge um mês após outro artigo parecido denunciar as afirmações de Pinker de que a sociedade moderna é menos violenta do que no passado.

Pinker, entretanto, não está convencido. Ajustar os números dessa maneira em uma equação apenas fornece um olhar sobre um tipo de violência – a das mortes em batalha – e falha em examinar a violência de maneira mais ampla, o que inclui os massacres a civilizações que ocorrem durante batalhas ou ataques. “Na maior parte da sociedade… nem todos os homens são guerreiros, e nem todas as pessoas estão vulneráveis a ataques ou batalhas, então vocês estão mais protegidos da violência”, diz ele em uma afirmação na Science. “[Os achados da pesquisa] não são uma alternativa para esse tipo de explicação; eles não explicam nada”.

Mas tais críticas perdem o foco, diz Oka. Os pesquisadores nunca se voltaram para as motivações da violência, diz ele. Em vez disso, eles estabeleceriam uma mostra de que, usando a escala populacional, os pesquisadores poderiam colocar a violência histórica e a moderna em contexto. “Alguns podem pegar isso e interpretar que nossa espécie sempre foi violenta”, diz ele. “Mas o outro lado é o de que somos pacíficos como sempre fomos”.

Elan Marinho

Elan Marinho

Academicamente, entrei em filosofia em 2016. Desde então, desenvolvi uma pesquisa sobre como intuições funcionam. Nessa pesquisa, me baseio na filosofia analítica e nas ciências cognitivas. Também trabalho com divulgação de filosofia, sendo redator (2016-) do portal Universo Racionalista e produtor de conteúdo (2020-) para o Youtube no canal “Filosofia Acadêmica”.