Por Javier Salas
Publicado no El País
“Muitas pessoas razoáveis acreditam em fenômenos psíquicos e muitos céticos razoáveis descartam essas crenças. Estávamos interessados em saber por que há diferenças de opinião tão grandes entre pessoas igualmente racionais”. Essa foi a dúvida que o psicólogo David Gallo quis sanar, junto a seu colega de profissão na Universidade de Chicago Stephen Gray. O que distingue quem acredita no sobrenatural dos demais? Não é uma pergunta nada fácil de responder, por mais que a intuição nos faça acreditar que a resposta é simples.
E, em se tratando de ciência, é preciso chegar a conclusões que estejam comprovadas. Através de uma série de estudos múltiplos, Gallo e Gray encontraram uma correlação: quem acredita na parapsicologia é um pouco pior em pensamento analítico do que aqueles que desconfiam da existência da paranormalidade. Pode parecer óbvio, mas, até hoje, os estudos que trataram de explicar o fenômeno não tinham apresentado uma conclusão tão nítida.
Gallo explica que, muitas vezes, foram propostas teorias sobre a existência de diferenças cognitivas entre os que acreditam em ciências ocultas e os céticos, que seriam responsáveis por essa crença no sobrenatural. “Mas, ao olhar através da literatura científica, nos demos conta de que havia poucas pesquisas que comprovassem essa hipótese” tão popular, ressaltou o psicólogo. Outros pesquisadores que tentaram encontrar uma correlação entre crenças esotéricas e o nível de inteligência e o desempenho acadêmico fracassaram: as pessoas que acreditam em médiuns ou em telepatia não são mais burras nem obtêm piores notas.
Os dois psicólogos desenvolveram um estudo, o mais completo possível, para tratar de esclarecer algumas incógnitas da equação, utilizando grupos de pessoas – com alto nível de escolaridade – que estavam convencidas da existência de poderes parapsicológicos e que eram especialmente céticas sobre tais fenômenos. Eles compararam seus desempenhos em numerosas tarefas cognitivas: provas de lógica, memória, linguagem, associação… sem encontrar grandes diferenças.
Em primeiro lugar, estudaram, detalhadamente, a memória episódica (lembrança precisa de experiências do passado), um ponto em que não encontraram diferenças entre os dois grupos. Gallo e Gray, especializados nessa área, pensavam – por engano – que a memória poderia ser a origem das distorções que geravam uma visão, como a que médiuns costumam ter, graças a lembranças mal selecionadas ou posteriormente manipuladas, por exemplo.
A principal descoberta foi o fato de que os que acreditam em atividades paranormais tiveram um pior desempenho em testes de pensamento analítico e lógica. Apesar de a diferença em relação ao resultado dos céticos não ter sido grande, constitui uma sólida evidência. Para Gallo, isso pode significar que tendem a processar a informação de uma forma menos analítica e mais intuitiva que os céticos. “Isso poderia fazer com que eles tenham um pior desempenho nesse tipo de provas, e também poderia apoiar suas crenças sobrenaturais”, explicou.
Curiosamente, o estudo também demonstrou que aqueles que acreditam na parapsicologia tendem a estar mais satisfeitos com suas vidas do que os céticos. Gallo lembra que esse é um fator que já havia sido observado em estudos prévios e que “poderia indicar que processar a informação de forma mais intuitiva tem vantagens, e que, talvez, faça com que as pessoas sejam mais felizes, de uma maneira geral”.
A psicóloga Helena Matute, da Universidade de Deusto (Espanha), defende que isso é algo habitual e que determinadas superstições, em um nível adequado, podem ter aspectos positivos. Matute publicou, recentemente, um estudo cujos resultados se encaixam muito bem com os obtidos por Gallo e Gray, já que mostra que aqueles que acreditam na paranormalidade tendem a criar ilusões causais. “Tem muito a ver com o que nós estamos vendo, parecem ter menos pensamentos críticos e distorcem a informação que recebem”.
Através dos experimentos realizados por Matute e sua equipe, foi possível concluir que quem acredita no sobrenatural tende a encontrar uma relação de causa e efeito em situações aleatórias. “São suscetíveis a esse tipo de ilusões causais, como detectar padrões a partir de informações ambíguas. É como quando olhamos o formato de certas nuvens e identificamos rostos ou figuras, mas elevado ao extremo: ver uma cara em uma torrada e dar a isso um significado real”, explica Matute, diretora do Labpsico da Deusto.
Esse princípio explicaria outra das descobertas do trabalho de Gallo, publicado pela Memory & Cognition: o grupo que acredita no sobrenatural também abraçava com mais naturalidade as teorias da conspiração, que oferecem explicações extraordinárias e esotéricas a feitos notáveis (um dos exemplos utilizados no estudo é que o presidente norte-americano Barack Obama, na realidade, não teria nascido nos EUA).
Embora o estudo proporcione uma das melhores provas da hipótese de diferenças cognitivas, também ressalta outros fatores que, sem dúvidas, influenciam as crenças de forma decisiva: 70% dos que acreditam na existência da paranormalidade afirmaram que sua forma de pensar coincide com a de amigos e parentes próximos. Gallo reconhece que não há evidências suficientes para garantir o que é mais determinante: “Há muitos fatores que impulsionam as crenças das pessoas, e eles poderiam interagir de maneiras desconhecidas”.
Além disso, na maioria dos casos, essas pessoas afirmavam ter vivido experiências que as levavam a acreditar na paranormalidade, o que se encaixaria bem na hipótese desses estudos: possivelmente analisaram mal o ocorrido ou geraram uma explicação ilusória. Não obstante, chama a atenção o fato de que a maioria dos céticos também respondeu que não acreditava no sobrenatural porque nunca havia tido nenhuma experiência desse tipo.
Gallo adverte que não se deve tirar conclusões exageradas de seu estudo e afirma que, para ele, o resultado mais surpreendente de seu trabalho foram as reações à sua publicação. “Alguns céticos disseram que, finalmente, ‘foi provado’ que os que acreditam na paranormalidade são cognitivamente inferiores, e alguns desses crentes disseram que nossos resultados estavam ao contrário. Acredito que nenhuma dessas reações se justifica”, defendeu Gallo. O pesquisador explicou que seu trabalho nega a ideia generalizada de que céticos e partidários do sobrenatural possuem grandes diferenças relacionadas à inteligência ou à cognição. “Muito pelo contrário, (os resultados) indicam que é necessária uma compreensão mais matizada de como os diferentes estilos de processamento de informação e habilidades cognitivas podem estar interagindo com as crenças”.