Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
Quem tem filhos ou se lembra da infância também lembra das dificuldades para entender por que a matemática é importante.
“Quem se importa com tabuadas, frações, triângulos e álgebra? Por que eu preciso saber essas coisas?”
O problema da matemática é que se você não olhar do jeito certo, você não percebe quão difundida e abrangente ela realmente é. De algum modo, nos afastamos dos inúmeros padrões que nos cercam, dentro ou fora do nosso corpo. Não contamos as batidas do coração (fazer isso deixaria a maior parte das pessoas loucas, como você pode ver no programa incrível do Radiolab, The Heartbeat). Também não associamos pinheiros com pinhas ou temos a tendência de ficar analisando a simetria no rosto das pessoas – pelo menos conscientemente. Ainda assim, todas as nossas máquinas e acessórios eletrônicos dependem do nosso entendimento e habilidade de aplicar a matemática à diferentes materiais.
Em um nível mais complexo, muito das ciências naturais trata de identificar padrões na natureza que, então, chamamos de “leis”. Essas leis normalmente possuem alguma expressão matemática, como as Leis de Newton relacionadas ao movimento e gravidade, ou a lei da conservação da energia. De fato, tais leis são tão essenciais para nosso entendimento do universo que diversos cientistas acreditam que a matemática vai além da invenção humana, sendo a linguagem fundamental da natureza.
Outros não estão tão convencidos e consideram a matemática uma invenção da mente humana, e, até certo ponto, da mente de alguns poucos animais capazes de realizarem operações matemáticas básicas. A questão aí, que vem sendo discutido há milênios, é se a matemática foi descoberta (parte de uma linguagem universal) ou inventada (uma linguagem da própria mente humana).
Essa pode ser uma dessas questões sem respostas. Um belíssimo documentário produzido pela NOVA falando sobre esses assuntos, “The Great Math Mystery” (“O Grande Mistério da Matemática”, em português), vai passar de novo hoje à noite. Qualquer um interessado nessa pergunta ou em por que a matemática é importante deve assistir, e deve assistir com seus filhos.
Se você segue Pitágoras, Platão e grande parte dos matemáticos de fato, a matemática está em todo lugar: A natureza é, de fato, uma rede gigante de expressões e padrões matemáticos, mais ou menos como o programa que roda em um vídeo game. O físico ganhador do Prêmio Nobel, Eugene Wigner, chamou isso de “a efetividade irracional da matemática”.
Outros não têm tanta certeza, e chegam até ao ponto de chamar todo esse conceito de algum tipo de fé religiosa descabida (um livro maravilhoso do astrofísico Mario Livio sobre o tópico se chama “Is God a Mathematician”, “Seria Deus um Matemático?” em português). Há diversos tipos de matemática, e aquelas escolhidas para descrever os padrões na natureza ou usadas para construir máquinas são apenas uma pequena parte. Podemos inventar todo tipo de mundos matemáticos abstratos, como espaços em oito dimensões e suas propriedades, que não são relacionadas à realidade.
O linguista George Lakoff da Universidade da Califórnia em Berkeley e seu colega Rafael Nuñez propõe que a ideia de uma matemática universal é uma falácia: A matemática está implantada na mente humana e é um produto resultado diretamente de como ele evoluiu em um conjunto bem específico de circunstâncias. Cérebros similares, como extraterrestres evoluindo em um planeta como a Terra, podem repetir algumas das descobertas matemáticas – mas isso é devido a sua estrutura cerebral e não por causa de algum tipo de verdade universal sendo tirada de um mundo divino.
Sendo assim, o debate continua. Não há dúvidas de que existem padrões matemáticos na natureza, de espirais em furacões e girassóis às simetrias parecidas e movimentos periódicos até às partículas elementares e galáxias. O número pi aparece em todos os lugares, de estatísticas a movimentos de ondas e equações de relatividade gerais descrevendo o universo em expansão e buracos negros. Nossos cérebros estão excepcionalmente atentos a identificar tais padrões, uma habilidade que, sem sombra de dúvidas, ajudou nossos ancestrais a sobreviverem em ambientes perigosos. Poderia nosso cérebro estar nos enganando para acreditar que essa habilidade é maior do que nós?
Talvez a necessidade de associar a matemática com uma linguagem universal vem da forte ressonância entre nossa habilidade de encontrar padrões e nossa propensão a acreditar em algo maior que nós mesmos. Há uma catarse enorme em descobrir leis atemporais que são maiores que nós. O fato de que algumas dessas leis descrevem a realidade incrivelmente bem deve ser celebrado, mas o fato de que muitas das nossas tentativas falham ou não têm relação nenhuma com o mundo também deve ser considerado.
Seja qual for a resposta, assim que passamos a ver a matemática como uma linguagem da natureza, o modo como olhamos para ela deve mudar completamente. Não se trata mais de tabuadas ou frações, mas de algo maior do que nós; de algo que construímos em nossas cabeças. O que poderia ser mais incrível do que isso?