Um dos grandes desafios enfrentados pelos jornalistas que escrevem sobre ciência é resumir um tema científico de forma precisa, clara e sucinta. Às vezes, um dos três requisitos é sacrificado, e, infelizmente, muitas vezes é o primeiro.
Então aqui é a minha mais recente tentativa (mas não certamente a última) em um sucinto, preciso, e talvez claro resumo sobre o porquê o Higgs é tão importante.
Declarações Verdadeiras sobre o Higgs:
Verdadeiro significa: “tão verdadeiro quanto qualquer coisa comprimida em quatro linhas pode, eventualmente, ser” – ou seja, muito próximo do verdadeiro. Para aqueles que querem saber onde eu estou “aparando as arestas”, há uma lista de advertências no final do texto.
A nossa existência depende do campo de Higgs, que permeia o universo e dá a partículas elementares, incluindo elétrons, suas massas. Sem massa, os elétrons não poderiam formar os átomos, os blocos de construção de nossos corpos e de toda a matéria comum.
A descoberta, de julho passado, da partícula de Higgs é emocionante porque confirma que o campo de Higgs realmente existe. Os cientistas esperam aprender muito mais sobre esse campo ainda misterioso, através de um estudo mais aprofundado da partícula de Higgs.
Foi difícil? Estas linhas tem QUASE 100% de precisão … eu tenho certeza que um jornalista experiente pode cortar, ajustar e alterar para fazê-las soar melhor e mais excitante, ou elas são realmente muito longas e nebulosa para serem utilizáveis?
Algumas Declarações Falsas Sobre o Higgs:
Enquanto isso, eu gostaria de sugerir que fossem evitadas as seguintes declarações, ou algo semelhante:
– “O campo de Higgs e/ou a partícula Higgs foram cruciais para o Big Bang.“
[Ao contrário, não há provas de que o Big Bang teria sido barrado na ausência do campo ou partícula de Higgs, ou de nada diretamente relacionado a eles. .. apesar do que o Professor Michio Kaku ter dito no início da semana na CBS News, para o constrangimento e aborrecimento da comunidade da física].
– “Toda a massa no universo vem do campo de Higgs e/ou partícula de Higgs.“
[Há muitas coisas no universo que não recebem sua massa a partir do campo de Higgs, incluindo os núcleos atômicos, os buracos negros no centro das galáxias, e (provavelmente) a matéria escura. E, por sua vez, a partícula de Higgs não pode dar massa a nada].
– “O campo de Higgs e/ou partícula de Higgs dá massa a matéria comum.“
[Não. Embora o campo Higgs, dando a massa aos elétrons faça com que a matéria comum seja possível, ele não fornece a maior parte da massa da matéria. A maior parte da massa de um átomo está em seu núcleo, que é composto por prótons e nêutrons (partículas que não são elementares), não obtêm a maior parte de sua massa a partir do campo de Higgs. Prótons e nêutrons obtêm as suas massas a partir de efeitos que envolvem a força nuclear forte, ou seja, eles ainda teriam massa se não houvesse o campo de Higgs. E,novamente, nada obtém sua massa a partir da partícula de Higgs].
– “A existência da partícula de Higgs confirma teorias de Einstein.”
[Einstein não tinha nada a ver com essas idéias, que foram desenvolvidos após sua morte].
Ah, e por favor, vamos parar de usar “partícula de Deus”. Além do fato de que é o campo, não a partícula, que é tão importante, o termo faz parecer como se importantes questões religiosas pudessem ser respondidas pela ciência, através de experimentos. A ciência é uma ferramenta poderosa, mas tem suas limitações, e não pode resolver questões desse tipo. Ninguém se beneficia quando os cientistas e/ou meios de comunicação confundem a população leiga.
Adendos, Sutilezas e Advertências:
Agora, no interesse da exatidão e precisão, e para que os jornalistas e outros não-cientistas que lêem este texto entendam exatamente onde eu estou simplificando, aqui estão algumas ressalvas e adendos para as duas declarações quase precisas que eu dei acima.
Um primeiro e pequeno alerta: eu disse que o campo de Higgs “dá massa a partículas elementares”, eu evitei dizer “dá massa a TODAS as partículas elementares”, porque é provável que haja partículas elementares que ainda não foram descobertas que não recebem a sua massa a partir do campo de Higgs. Isto é provavelmente verdade por causa das partículas de matéria escura, assumindo que a matéria escura seja feita de partículas.
A sutileza mais importante deixada de fora das duas afirmações acima é que não apenas o campo de Higgs existe, mas ele está “Ligado”, em certo sentido. Se você pudesse medir o campo de Higgs em qualquer ponto do espaço (o que não podemos fazer diretamente), você teria que encontrar um valor diferente de zero, porque ele está “ligado”. O campo de Higgs possui quase o mesmo valor em todos os lugares todo o universo (pelo menos naquela parte que podemos observar). Por outro lado, se o campo de Higgs estivesse “Desligado”, você mediria o valor do campo como sendo zero praticamente em todos os lugares. O campo de Higgs é semelhante (embora diferentes em outros aspectos importantes) a um campo que você pode ser familiar para você, o campo elétrico, que também pode estar “Ligado” ou “Desligado”. Se um campo elétrico estivesse “Ligado” em sua vizinhança, seu cabelo iria ficar em pé, assim como quando um raio cai perto de você. Por outro lado, o campo elétrico existe (ou seja, é algo real, que pode ser medido), mesmo quando está “Desligado”, como provavelmente é o lugar onde você está sentado agora, com o cabelo bem comportado.
E assim um adendo importante para a segunda afirmação é que a descoberta de uma partícula de Higgs semelhante a do modelo padrão não apenas confirma que o campo de Higgs existe, mas também confirma que o campo está “ligado” – o que é crucial, uma vez que se estivesse “desligado”, ele não iria ser capaz de fornecer a massa de determinadas partículas elementares.
Também devemos agora acrescentar um asterisco para a afirmação de que os elétrons não teriam massa se não houvesse o campo de Higgs. Se o campo de Higgs não existisse, a afirmação seria correta: os elétrons não teriam massa. No entanto, se o campo de Higgs existisse, mas fosse simplesmente desligado de alguma forma e nada mais fosse alterado, os elétrons ainda teriam uma massa muito, mas muito pequena, devido a uma interação quântica da força nuclear forte e pequenas interações entre os elétrons e o campo de Higgs desligado.
Outro adendo: se o campo de Higgs estivesse “desligado”, e não apenas a massa do elétron, mas em muitos outros aspectos, o mundo seria muito, muito diferente. Não está claro exatamente o que iria acontecer, na verdade… verifica-se que, por razões sutis, é bastante difícil calcular o impacto. (Professor Chris Quigg recentemente me disse que ele e seus colegas tentaram calcular os efeitos principais, mas encontrou algumas questões importantes estão muito perto de publicar). Parece provável que não haveria núcleos atômicos, e/ou o próton seria instável, e/ou as estrelas não poderiam brilhar. O que é certo é que o mundo seria irreconhecível, mesmo que os elétrons conseguissem através de alguma mágica manter sua massa. Assim, a massa do elétron é apenas uma parte da história – a parte que é mais fácil de entender, mas não a única parte – de por que o campo de Higgs é crucial.
Isso é importante porque ainda há um asterisco a mais sobre o elétron e o Higgs. No assim chamado modelo Padrão (as equações que usamos para descrever as partículas conhecidas e forças ) há apenas um campo de Higgs e uma partícula Higgs, do tipo mais simples possível, e, para esse caso específico, as minhas afirmações sobre a massa do elétron são verdadeiras. Mas se o modelo padrão não estiver correto, pode haver mais de um campo de Higgs e mais de uma partícula de Higgs. Se este for o caso (e os físicos experimentais no Large Hadron Collider estão tentando descobrir), então nós realmente não sabemos ainda se o campo de Higgs associado à partícula de Higgs recentemente descoberta – que dá as partículas Z e W, grande parte ou toda a sua grande massa- é realmente o mesmo o campo de Higgs que dá a massa relativamente pequena do elétron. Assim, a advertência aqui é que, deve haver pelo menos um dos campos de Higgs na natureza que é responsável pela massa do elétron, ainda que não saibamos se a partícula de Higgs que acabou de ser descoberta está associada a esse campo. (O campo associado à partícula de Higgs recém-descoberta ainda seria crucial para nossas vidas, no entanto, por causa de seus outros papéis importantes mencionados no parágrafo anterior. Além disso, a prova já está aumentando de que este campo interage com o primo mais pesado do elétron , uma partícula chamada de “tau”, que, por razões técnicas, é mais provável que ele interage com o elétron também. Ainda assim, estritamente falando, não podemos tirar conclusões precipitadas).
Apesar dessas ressalvas e adendos, eu ainda acho que as duas declarações anteriores são tão precisas quanto se pode obter, sem se tornar técnico e prolixo. E, novamente, elas são muito mais precisas do que muitas vezes aparece na imprensa!
Tradução do texto “Why the Higgs Matters, In A Few Sentences” do Professor Matt Strassler, Physicist.