Publicado por Michael Shermer em seu Blog Oficial
Traduzido por Rodrigo Aben-Athar
A alma é o padrão de informação que lhe representa – seus pensamentos, memórias e personalidade – seu próprio eu. Não há evidência científica que algo como a alma exista além das próprias conexões neurais, então fiquei curioso para visitar os laboratórios de Medicina do Século XXI, em Fontana, Calif, para ver com meus próprios olhos a tentativa de preservar o conectoma de um cérebro – um diagrama que abrange todas as conexões sinápticas neurais.
Essa empresa de pesquisa médica é especializada na criopreservação de órgãos e tecidos humanos usando crioprotetores (anticongelantes). Em 2009, por exemplo, o cientista chefe de pesquisa da companhia, Gregory M. Fahy, publicou um artigo na revista especializada Organogenesis, documentando como sua equipe conseguiu transplantar com sucesso um rim reaquecido de um coelho após ter sido crioprotegido e congelado a -135 graus Celsius, através do processo de vitrificação, “no qual líquidos de um sistema vivo são convertidos a um estado vítreo em baixas temperaturas”.
Cérebros poderiam então ser preservados dessa maneira? Fahy e seu colega Robert L. McIntyre agora estão desenvolvendo técnicas com as quais esperam ganhar o Prêmio de Tecnologia de Preservação Cerebral, um invento do neurocientista Kenneth Hayworth (sou um dos conselheiros, como o advogado do diabo). Enquanto escrevo esse artigo, o prêmio está avaliado em mais de 106 mil dólares; os primeiros 25 por cento do prêmio vão para a completa preservação da estrutura sináptica do cérebro de um rato e os outros 75 por cento para a primeira equipe que “preservar com sucesso o cérebro de um animal de grande porte de uma maneira que também possa ser adotada em humanos num hospital, imediatamente após a morte clínica”.
Eu testemunhei a infusão no cérebro de um rato, através das artérias carótidas, de um agente fixador chamado glutaraldeído, que liga as proteínas em um gel sólido. Então, o cérebro foi removido e saturado com etilenoglicol, um agente crioprotetor que elimina a formação de gelo e permite um armazenamento seguro a -130 graus Celsius, como um sólido inerte, similar a um vidro. A essa temperatura, reações químicas são tão atenuadas que permitiria a conservação por milênios. Se bem-sucedido, isso provaria o conceito da técnica?
Pense num livro com resina epóxi, endurecido ao ponto de um bloco sólido de plástico, me disse McIntyre. “Você nunca mais poderá abrir o livro novamente, mas se puder provar que a epóxi não dissolve a tinta com a qual o livro foi escrito, você pode demonstrar que todas as palavras ainda estão lá… e você talvez seja capaz de cuidadosamente separá-las, escanear todas as páginas e imprimir um novo livro com as mesmas palavras.” Hayworth contou que o circuito do cérebro do coelho, cujo escaneamento 3D ele examinou através de um microscópio eletrônico, “parecia bem preservado, sem danos; e seria fácil rastrear as sinapses entre neurônios”.
Isso parece promissor, mas tenho minhas dúvidas. Seria o conectoma precisamente análogo a um programa, que pode ser carregado, num formato legível por máquinas, em um computador? E um conectoma preservado e carregado em um computador, seria o mesmo que acordar após o sono ou inconsciência? Além disso, há mais de 86 bilhões de neurônios no cérebro humano, com 1.000 sinapses ou mais para cada um, num total de 100 trilhões de conexões a serem precisamente preservadas e replicadas. A complexidade é estarrecedora e nem inclui o restante do sistema nervoso, exterior ao cérebro, que também é parte do “eu próprio” que queremos ressuscitar.
Hayworth admitiu para mim que “um futuro de pós-humanos por upload está séculos adiante”. Mesmo assim, ele completa, “como um neurocientista ateu e materialista convicto, estou virtualmente certo que a transferência da mente é possível”. Por que? Porque “nossos melhores modelos de neurociência nos dizem que todas as memórias perceptuais e sensório-motoras são arquivadas como mudanças estáticas nas sinapses entre os neurônios”, que é o que o conectoma é projetado para armazenar e preservar, nos permitindo pressionar pause por alguns séculos, se precisarmos”. Imagine um mundo em que “o medo da morte, doenças e envelhecimento seria quase totalmente removido”, diz ele.
Soa utópico, mas há algo profundamente comovente nesse meliorismo. “Eu me recuso a aceitar que a raça humana vai cessar o progresso científico e tecnológico”, disse Hayworth. “Nós estamos destinados a eventualmente substituir nossos corpos e mentes por versões sintéticas melhor projetadas e o resultado será pós-humanos muito mais saudáveis, espertos e felizes, prontos para explorar e colonizar o universo”.
Per audacia ad astra.