O Pavillon des Sources, de Marie Curie, abandonado e anteriormente radioativo, em Paris, será reconstruído nas proximidades, na sequência de um acordo entre cientistas e o Ministério da Cultura francês.

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Uma disputa sobre um edifício outrora usado pela química Marie Skłodowska-Curie foi resolvida na sequência de negociações entre o Ministério da Cultura francês e um grupo de cientistas que pretendem demolir o local para construir um importante centro de investigação sobre o câncer.

A resolução, anunciada em 31 de Janeiro, permitirá aos cientistas do Instituto Curie em Paris, um dos principais institutos de investigação biomédica da França, construir no local o seu centro oncológico de 13 milhões de euros. O Pavillon des Sources – um dos três edifícios do histórico Instituto do Rádio, e onde Curie e outros prepararam amostras – será desmontado, descontaminado e reconstruído nas proximidades.

“É uma notícia maravilhosa, pois seremos capazes de avançar com o desenvolvimento da biologia química no Instituto Curie, preservando ao mesmo tempo a rica herança de Marie Curie”, diz Raphaël Rodriguez, biólogo químico do Instituto Curie que deverá co-dirigir o novo centro.

A disputa sobre o futuro do Pavillon des Sources, no elegante 5º distrito de Paris, atraiu a atenção da mídia global no mês passado, depois que uma campanha nas redes sociais feita por protetores do patrimônio disse que o “laboratório de Marie Curie” seria destruído. A campanha chamou a atenção do Ministério da Cultura francês, que interrompeu abruptamente a demolição em 5 de Janeiro.

Não é o laboratório de Curie

Os cientistas do Instituto Curie, que obtiveram das autoridades parisienses a permissão de planejamento para o novo centro de investigação, dizem que a campanha midiática deturpou o significado científico do antigo edifício. Curie e outros usaram o Pavillon des Sources para armazenar fontes radioativas e preparar amostras para pesquisa. Foi construído entre 1911 e 1914, depois que Curie ganhou os prêmios Nobel de física em 1903 e de química em 1911, e não era um laboratório experimental quando ela fez essa pesquisa fundamental. Embora seja improvável que ainda seja radioativo, o Pavillon des Sources está fechado há muito tempo pela autoridade francesa de segurança atômica e as pessoas não são autorizadas a entrar.

Curie fundou o Radium Institute, que mais tarde evoluiu para o Curie Institute, para usar a química e o conhecimento da radioatividade no tratamento de pacientes. Os outros dois edifícios do Instituto do Rádio, incluindo o antigo laboratório químico, o Pavillon Curie – que é um museu – e o Pavillon Pasteur, permanecem intocados.

Marie Curie
O Pavillon des Sources, em Paris, abrigava fontes radioativas para pesquisa e há muito tempo está fechado pela autoridade francesa de segurança atômica. Crédito: Abdullah Firas/ABACA/Shutterstock

“O laboratório dela ainda está lá, está mantido, não vamos mexer nele”, diz Rodriguez. “Portanto, afirmar que o laboratório de Marie Curie será destruído é apenas uma informação falsa.”

Num comunicado de imprensa anunciando o compromisso, a ministra da cultura francesa, Rachida Dati, disse: “O Pavillon des Sources será preservado. Será desmontado e remontado pedra por pedra a algumas dezenas de metros de distância, adjacente ao museu, que será posteriormente ampliado.”

“Apoiar a investigação de amanhã significa respeitar os grandes investigadores e esforçar-se constantemente para ampliar as suas abordagens de investigação”, afirma a declaração de Dati.

Biologia química crucial

O proposto Centro de Biologia Química do Câncer está em planejamento há cinco anos e segue o modelo do proeminente Memorial Sloan Kettering Cancer Center, na cidade de Nova York, que possui laboratórios de pesquisa e instalações de tratamento de pacientes. Os pesquisadores do instituto aproveitarão a biologia química – a solução de problemas biológicos por meios químicos – para tratar o câncer.

É uma notícia fantástica que cientistas e autoridades tenham encontrado uma solução para construir o centro, afirma Ángela Nieto, bióloga celular e oncológica do Instituto de Neurociências da Universidade Miguel Hernandez, em Elche, Espanha. “Concordo plenamente com a importância e a oportunidade de estabelecer um novo instituto de biologia química em Curie. Não tenho dúvidas de que isso fortalecerá um aspecto crucial da pesquisa.”

A proximidade do centro com o Instituto Curie, onde existe um hospital e um instituto de investigação básica, é essencial para o seu sucesso, diz Rodriguez, que pensa que será o primeiro do gênero na Europa. “Você mistura no mesmo edifício químicos, biólogos celulares e médicos e isso faz uma enorme diferença quando você toma café da manhã, almoça e janta com seus colegas”, diz ele. “É aqui que você troca ideias. E essa é uma forma de preencher a lacuna entre as disciplinas.”

Por exemplo, os oncologistas que tratam de pacientes podem consultar químicos no local, que podem colher imediatamente amostras do tumor de um paciente e verificar se um composto que sintetizaram mata as células cancerígenas no laboratório. A biologia química moderna é uma evolução natural do trabalho de Curie, diz Rodriguez. O novo instituto preenche a lacuna para a biologia celular.

“Ao realizar pesquisas de ponta, estamos mantendo o rico legado da excelência de Marie Curie em pesquisa e medicina”, afirma Rodriguez.

Publicado na Nature