Pular para o conteúdo

Quais as causas da riqueza das nações?

Quase todos nós nos perguntamos, vez ou outra na vida, as razões que explicam o fato de uns países serem “mais ricos”¹ do que outros. Neste texto vemos duas formas de explicar as causas das riquezas das nações: uma geográfica, outra, institucional. Trata-se de uma resenha do livro “Por que as Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza“, do economista Daron Acemoglu e do cientista político James Robinson, publicado em 2012.

Nesta resenha, o biólogo, geógrafo e antropólogo americano Jared Diamond defende o ponto de vista geográfico. Em síntese, sua abordagem enfoca as causas primeiras que explicariam as razões pelas quais certas sociedades prosperaram muito mais em relação a outras. Estas causas seriam, geralmente, geográficas, tese defendida pelo autor em seu livro, vencedor do prêmio Pulitzer de 1997, “Armas, Germes e Aço“. Passados quinze anos da publicação de seu livro (dado que a resenha foi escrita em 2012), Diamond retoma sua argumentação ao resenhar a obra de Acemoglu e Robinson, com quem organizou um livro na mesma temática.

¹ Por mais ricos me refiro a riqueza material do ponto de vista ocidental-moderno, e.g. riqueza medida principalmente – mas não somente – em termos monetários. A discussão sobre o que significa “ser rico” é ampla e não deve ser assumida como auto-evidente. Esta noção certamente foi criticada, problematizada e relativizada por estudos antropológicos que evidenciam como diversos povos entendem o conceito de riqueza de modo distinto. Pense, por exemplo, como os os povos indígenas pré-colombianos não utilizavam o ouro e a prata que possuíam da mesma maneira que os povos europeus.


 

O que faz países ricos ou pobres?

Resenha do livro “Por que as Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, de Daron Acemoglu e James A. Robinson (2012)

Jared Diamond (2012)

A cerca que divide a cidade de Nogales é parte de um experimento natural na organização de sociedades humanas. Ao norte da cerca, fica a cidade estadunidense de Nogales, no estado do Arizona; ao sul, fica a cidade mexicana de Nogales, no estado de Sonora. Do lado americano, a renda média e a expectativa de vida são maiores, o crime e a corrupção são menores, a saúde e as estradas são melhores e as eleições são mais democráticas. No entanto, o ambiente geográfico é idêntico em ambos os lados da cerca, e a composição étnica da população humana é semelhante. As razões para essas diferenças entre as duas Nogales são as diferenças entre as atuais instituições políticas e econômicas dos EUA e do México.

Este exemplo, que introduz “Why Nations Fail”, de Daron Acemoglu e James Robinson, ilustra em pequena escala o tema do livro. Poder, prosperidade e pobreza variam muito em todo o mundo. A Noruega, o país mais rico do mundo, é 496 vezes mais rica que Burundi, o país mais pobre do mundo (renda média per capita de US$ 84.290 e US$ 170, respectivamente, segundo o Banco Mundial). Por quê? Essa é uma questão central da ciência econômica.

Diferentes economistas têm diferentes visões sobre a importância relativa das condições e fatores que tornam os países mais ricos ou mais pobres. Os fatores que mais discutem são as chamadas “boas instituições”, que podem ser definidas como leis e práticas que motivam as pessoas a trabalhar duro, tornarem-se economicamente produtivas e, assim, enriquecerem a si mesmas e a seus países. Eles são a base da história de Nogales e o foco de “Why Nations Fail”. Nas palavras dos autores:

A razão pela qual Nogales, no Arizona, é muito mais rica que Nogales, em Sonora, é simples: é por causa das instituições muito diferentes nos dois lados da fronteira, que criam incentivos muito diferentes para os habitantes de Nogales, Arizona, versus Nogales, Sonora.

Nogales: duas cidades com o mesmo nome, uma no México e outra nos EUA.

Entre as boas instituições econômicas que motivam as pessoas a se tornarem produtivas estão a proteção de seus direitos de propriedade privada, execução previsível de seus contratos, oportunidades de investir e manter o controle de seu dinheiro, o controle da inflação e troca aberta de moeda. Por exemplo, as pessoas são motivadas a trabalhar arduamente se tiverem oportunidades de investir seus lucros de maneira lucrativa, mas não se tiverem poucas oportunidades desse tipo, ou se seus ganhos ou lucros provavelmente forem confiscados.

As evidências mais fortes que sustentam essa visão vêm de experimentos naturais envolvendo fronteiras: isto é, a divisão de um ambiente e de uma população inicialmente uniformes por uma fronteira política que eventualmente separe diferentes instituições econômicas e políticas, estas que criam diferenças de riqueza. Além de Nogales, os exemplos incluem os contrastes entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, e entre a antiga Alemanha Ocidental e Oriental. Muitos, ou a maioria, dos economistas, incluindo Acemoglu e Robinson, generalizam a partir desses exemplos de países fronteiriços e deduzem que boas instituições também explicam as diferenças de riqueza entre nações que não são vizinhas e que diferem muito em seus ambientes geográficos e populações humanas.

As duas Coreias: um exemplo da eficiência de certas instituições?

Não há dúvida de que boas instituições são importantes para determinar a riqueza de um país. Mas por que alguns países acabaram por ter boas instituições, enquanto outros não conseguiram tê-las? O fator mais importante por trás do surgimento das instituições é a duração histórica do governo centralizado. Até o surgimento dos primeiros estados do mundo, começando por volta de 3400 A.C., todas as sociedades humanas eram bandos, tribos ou chefaturas, sem nenhuma das complexas instituições econômicas dos governos. Uma longa história de governo não garante boas instituições, mas, pelo menos, as permite; um breve histórico as torna muito improváveis. Não se pode de repente apresentar instituições governamentais e esperar que as pessoas as adotem, desaprendendo sua longa história de organização tribal.

Essa realidade cruel está subjacente à tragédia das nações modernas, como Papua Nova Guiné, cujas sociedades eram até recentemente tribais. As empresas de petróleo e mineração pagam royalties destinados aos proprietários de terras locais por meio de líderes de aldeias, mas os líderes muitas vezes mantêm os royalties por si mesmos. Isso é porque eles internalizaram a prática de sua sociedade pela qual os líderes de clã buscam seus interesses pessoais e os de seus próprios clãs, em vez de representarem os interesses de todos. As várias durações do governo em todo o mundo estão ligadas às várias durações e produtividades da agricultura, que era o pré-requisito para a ascensão dos governos. Por exemplo, a Europa começou a adquirir agricultura altamente produtiva há 9.000 anos, e o governo estatal em pelo menos 4.000 anos atrás, mas a África subequatorial adquiriu agricultura menos produtiva apenas entre 2.000 e 1.800 anos atrás, e o governo estatal ainda mais recentemente. Essas diferenças históricas provam ter enormes efeitos na distribuição moderna da riqueza.

Ola Olsson e Douglas Hibbs (2005)¹ mostraram que, em média, as nações em que a agricultura surgiu há muitos milênios – por exemplo, nações européias – tendem a ser mais ricas hoje do que nações com um menor histórico de agricultura (por exemplo, nações africanas subequatoriais), e que este fator explica cerca de metade de toda a variação nacional moderna da riqueza. Valerie Bockstette, Areendam Chanda e Louis Putterman (2002) mostraram ainda que, se compararmos países que eram igualmente pobres cinquenta anos atrás (por exemplo, Coréia do Sul e Gana), os países com uma longa história de governo estatal (por exemplo, Coréia do Sul) tem em média se tornado ricos mais rápido do que aqueles com uma história curta de governos estatais (por exemplo, Gana).

Um fator adicional por trás da origem das boas instituições que eu discuti acima é denominado “a reversão da fortuna”, o assunto do Capítulo 9 de Por que as Nações Fracassam. Entre os países não europeus colonizados pelos europeus durante os últimos quinhentos anos, os que eram inicialmente mais ricos e avançados tendem, paradoxalmente, a ser mais pobres hoje. Isso porque, em países anteriormente ricos e com densas populações nativas, como Peru, Indonésia e Índia, os europeus introduziram instituições econômicas “extrativas” corruptas, como trabalho forçado e confisco de produtos, para drenar a riqueza e o trabalho dos nativos. (Por instituições econômicas extrativas, Acemoglu e Robinson denotam práticas e políticas “destinadas a extrair renda e riqueza de um subgrupo da sociedade [as massas] para beneficiar um subgrupo diferente [a elite governante]”.

Mas em países anteriormente pobres, com populações nativas escassas, como a Costa Rica e a Austrália, os colonos europeus tiveram que trabalhar por conta própria e desenvolveram incentivos institucionais para recompensar o trabalho. Quando as ex-colônias conquistaram a independência, herdaram de diversas formas as instituições extrativistas que coagiam as massas para produzir riqueza para os ditadores e a elite, ou então instituições pelas quais o governo compartilhava o poder e dava incentivos às pessoas. As instituições extrativistas retardaram o desenvolvimento econômico, mas as instituições incentivadoras o promoveram.

O fator remanescente que contribui para as boas instituições, das quais Acemoglu e Robinson mencionam alguns exemplos, envolve outro paradoxo, denominado “a maldição dos recursos naturais”. Poder-se-ia ingenuamente esperar que países generosamente dotados de recursos naturais (como minerais, petróleo e madeiras tropicais) fossem mais ricos que os países mais pobres em recursos naturais. De fato, a tendência é oposta, resultado das muitas maneiras pelas quais a dependência nacional de certos tipos de recursos naturais (como diamantes e petróleo) tende a promover más instituições, como corrupção, guerras civis, inflação e negligência na educação.

Um exemplo, mencionado no capítulo 12, é o boom de diamantes em Serra Leoa, que contribuiu para o empobrecimento do país. Outros exemplos são os da pobreza de Nigéria e Congo, apesar da riqueza em petróleo e minerais, respectivamente. Em todos esses três casos, ditadores ou elites egoístas descobriram que eles próprios poderiam se tornar mais ricos, tirando os lucros dos recursos naturais para seu ganho pessoal, em vez de investir os lucros para o bem de sua nação. Mas alguns países com líderes ou cidadãos prescientes evitaram a maldição dos recursos naturais investindo os recursos em desenvolvimento econômico e educação. Como resultado, a Noruega, produtora de petróleo, é hoje o país mais rico do mundo, e Trinidad e Tobago, produtora de petróleo, desfruta agora de uma renda semelhante à da Grã-Bretanha, seu antigo governante colonial.

Esses são os principais conjuntos de fatores institucionais que promovem o poder, a prosperidade, ou a pobreza, e suas raízes. O outro grande conjunto consiste em fatores geográficos com consequências econômicas diretas não mediadas por instituições. Um desses fatores geográficos salta de um mapa do mundo em Por que as Nações Fracassam, que retrata as rendas nacionais. Nesse mapa, tanto a África quanto as Américas se parecem com sanduíches de manteiga de amendoim, com núcleos densos de países tropicais pobres espremidos entre duas fatias finas de países mais ricos nas zonas temperadas do norte e do sul.

No Novo Mundo, os dois países temperados do norte (EUA e Canadá, rendimentos médios respectivamente $47.390 e $43.270) e os três países temperados do sul (Uruguai, Chile e Argentina, respectivamente $10.590, $10.120 e $8.620) são mais ricos – em média, cinco vezes mais ricos – do que quase todos os dezessete países tropicais continentais da América Central e do Sul (a renda varia entre US$ 1.110 e US$ 6.970). Da mesma forma, a África continental é um sanduíche de trinta e sete países tropicais, na maioria desesperadamente pobres, ladeados por duas fatias finas cada uma composta por cinco países modestamente afluentes ou menos pobres nas zonas temperadas do norte e sul da África (ver mapa).

Embora as instituições sejam, indubitavelmente, parte da explicação, elas deixam muito sem explicação: alguns desses países temperados mais ricos são notórios por suas histórias de instituições ruins (pense na Argélia, na Argentina, no Egito e na Líbia), enquanto alguns dos países tropicais (por exemplo, Costa Rica e Tanzânia) tiveram governos relativamente mais honestos. Quais são as desvantagens econômicas de um local tropical?

Dois fatores principais contribuem para a pobreza dos países tropicais em comparação com os países temperados: doenças e produtividade agrícola. Os trópicos são notoriamente insalubres. As doenças tropicais diferem em média das doenças temperadas, em vários aspectos. Primeiro, há muito mais doenças parasitárias (como elefantíase e esquistossomose) em áreas tropicais, porque invernos frios e temperados matam estágios de parasitas fora de nossos corpos, mas os parasitas tropicais podem prosperar fora de nossos corpos o ano todo. Em segundo lugar, vetores de doenças, como mosquitos e carrapatos, são muito mais diversificados em áreas tropicais do que em áreas temperadas.

Finalmente, as características biológicas dos micróbios responsáveis facilitaram o desenvolvimento de vacinas contra as principais doenças infecciosas das áreas temperadas do que contra doenças tropicais; ainda não estamos perto de uma vacina contra a malária, apesar dos bilhões de dólares investidos. Portanto, as doenças tropicais impõem um enorme ônus às economias dos países tropicais. A qualquer momento, grande parte da população está doente e incapaz de trabalhar de forma eficiente. Muitas mulheres em áreas tropicais não podem se juntar à força de trabalho porque estão constantemente cuidando de bebês concebidos como um seguro contra a morte esperada de alguns de seus filhos mais velhos devido à malária.

Quanto à produtividade agrícola, a média é mais baixa nas regiões tropicais do que nas temperadas, novamente por várias razões. Primeiro, as plantas temperadas armazenam mais energia em partes comestíveis para nós humanos (como sementes e tubérculos) do que as plantas tropicais. Em segundo lugar, as doenças causadas por insetos e outras pragas reduzem os rendimentos das culturas mais nos trópicos do que nas zonas temperadas, porque as pragas são mais diversificadas e sobrevivem melhor durante todo o ano nas regiões tropicais do que nas temperadas. Terceiro, as geleiras avançaram repetidamente e recuaram sobre áreas temperadas, criando solos ricos em nutrientes jovens. Áreas de planícies tropicais não foram glaciadas e, portanto, tendem a ter solos mais antigos, lixiviados de seus nutrientes pela chuva por milhares de anos. (Os solos vulcânicos e aluviais férteis jovens são exceções). Em quarto lugar, a maior precipitação média de áreas tropicais que de temperadas resulta em mais nutrientes sendo lixiviados do solo pela chuva.

Finalmente, temperaturas tropicais mais altas fazem com que as folhas mortas e outras matérias orgânicas que caem no solo sejam quebradas rapidamente por micróbios e outros organismos, liberando seus nutrientes para serem lixiviados. Assim, em áreas temperadas, a fertilidade do solo é, em média, mais alta, as perdas de colheitas para pragas menores e a produtividade agrícola é maior do que nas áreas tropicais. É por isso que a Argentina na zona sul temperada da América do Sul, apesar de sua evidente falta (na maior parte de sua história) das boas instituições elogiadas pelos economistas, é a principal exportadora de alimentos da América Latina e uma das líderes no mundo.

Assim, a latitude geográfica agindo independentemente das instituições é um importante fator geográfico que afeta poder, prosperidade e pobreza. O outro fator geográfico importante é se uma área é acessível a navios oceânicos, porque fica na costa do mar ou em um rio navegável. Custa cerca de sete vezes mais para enviar uma tonelada de carga por terra do que por mar. Isso coloca os países sem acesso ao mar em desvantagem econômica e ajuda a explicar por que a Bolívia, sem litoral, e o Paraguai parcialmente sem acesso ao mar, são os países mais pobres da América do Sul. Também ajuda a explicar por que a África, sem rio navegável para o mar por centenas de quilômetros, exceto o Nilo, e com quinze nações sem litoral, é o continente mais pobre. Onze desses quinze países africanos sem litoral têm renda média de US$ 600 ou menos; apenas dois países fora da África (Afeganistão e Nepal, ambos também sem litoral) são tão pobres.

O principal fator subjacente à riqueza e à pobreza é o estado do ambiente natural. Todas as populações humanas dependem em graus variados dos recursos naturais renováveis – especialmente em florestas, água, solos e frutos do mar. É complicado gerenciar esses recursos de forma sustentável. Os países que esgotam excessivamente seus recursos – seja inadvertida ou intencionalmente – tendem a se empobrecer, embora a dificuldade de estimar com precisão os custos da destruição de recursos faça com que os economistas a ignorem. Isso ajuda a explicar por que países notoriamente desmatados – como Haiti, Ruanda, Burundi, Madagascar e Nepal – tendem a ser notoriamente pobres e politicamente instáveis.

Esses, então, são os principais fatores invocados para entender por que as nações diferem em riqueza. Os fatores são múltiplos e diversos. Todos sabemos, pela nossa experiência pessoal, que não há uma resposta simples para a pergunta “por que cada um de nós se torna mais rico ou mais pobre?”: depende da herança, educação, ambição, talento, saúde, conexões pessoais, oportunidades e sorte, só para mencionar alguns fatores. Portanto, não devemos nos surpreender que a questão “por que sociedades inteiras se tornam mais ricas ou mais pobres?” também não possa receber uma resposta simples.

Dentro desse quadro, Acemoglu e Robinson enfocam fatores institucionais: inicialmente em instituições econômicas e, depois, nas instituições políticas que as criam. Em suas palavras,

“enquanto as instituições econômicas são críticas para determinar se um país é pobre ou próspero, é a política e as instituições políticas que determinam quais instituições econômicas um país possui”

Em particular, eles enfatizam o que denominam instituições econômicas e políticas inclusivas:

“Instituições econômicas inclusivas […] são aquelas que permitem e incentivam a participação da grande massa de pessoas em atividades econômicas que fazem o melhor uso de seus talentos e habilidades e que permitem que os indivíduos façam as escolhas que desejam”

Por exemplo, na Coreia do Sul, mas não na Coreia do Norte, as pessoas podem obter uma boa educação, propriedade própria, abrir um negócio, vender produtos e serviços, acumular e investir capital, gastar dinheiro em mercados abertos, fazer uma hipoteca para comprar uma casa, e, assim, esperar que, trabalhando mais arduamente, possam desfrutar de uma boa vida.

Essas instituições econômicas inclusivas, por sua vez, surgem de

“instituições políticas que distribuem o poder amplamente na sociedade e o sujeitam a restrições […] Ao invés de serem investidas em um único indivíduo ou grupo restrito, o poder político [inclusivo] repousa em uma ampla coalizão ou uma pluralidade de grupos”

A Coreia do Sul, recentemente, e a Grã-Bretanha e os EUA, começaram muito antes, têm ampla participação dos cidadãos nas decisões políticas; A Coreia do Norte não. Instituições econômicas e políticas inclusivas proporcionam aos indivíduos incentivos para aumentar sua produtividade econômica da forma que acharem melhor. Tais instituições inclusivas devem ser contrastadas com instituições políticas absolutistas que concentram estreitamente o poder político e com instituições econômicas extrativistas que forçam as pessoas a trabalhar em grande parte em benefício dos ditadores. O maior desenvolvimento de instituições políticas inclusivas até hoje está nas democracias escandinavas modernas com sufrágio universal e sociedades relativamente igualitárias. No entanto, comparadas às ditaduras modernas (como a Coreia do Norte) e às monarquias absolutas generalizadas no passado, sociedades (como a Grã-Bretanha do século XVIII) nas quais apenas uma minoria de cidadãos podia votar ou participar de decisões políticas ainda representavam um grande avanço em direção à inclusão.

Dessa impressionante dicotomia, os autores extraem conclusões instigantes. Enquanto regimes absolutistas com instituições econômicas extrativistas podem às vezes alcançar crescimento econômico, esse crescimento é baseado na tecnologia existente, não é sustentável e está propenso a entrar em colapso, considerando que as instituições inclusivas são necessárias para um crescimento contínuo baseado na mudança tecnológica. Pode-se ingenuamente esperar que ditadores promovam o crescimento econômico a longo prazo, porque esse crescimento geraria mais riqueza para eles extraírem. Mas seus esforços são distorcidos, porque o que é economicamente bom para os cidadãos individuais pode ser ruim para a elite política, e porque o crescimento econômico pode ser melhor promovido por instituições políticas que abalariam a hegemonia da elite.

Por que as Nações Fracassam oferece estudos de caso para ilustrar esses pontos: os aumentos econômicos e subsequentes declínios da União Soviética e do Império Otomano; a resistência da Rússia czarista e do Império Habsburgo à construção de ferrovias, com medo de minar o poder da aristocracia rural e promover a revolução; e, especialmente relevante hoje, a provável trajetória futura da China comunista, cujas perspectivas de crescimento parecem ilimitadas para muitos observadores ocidentais – mas não para Acemoglu e Robinson, que escrevem que o crescimento da China “deve ficar sem energia”.

Em seu foco estreito nas instituições inclusivas, no entanto, os autores ignoram ou descartam outros fatores. Mencionei anteriormente os efeitos de uma área estar sem acesso a mares e rios ou de danos ambientais, fatores que eles não discutem. Mesmo dentro do foco nas instituições, a concentração especificamente em instituições inclusivas faz com que os autores forneçam relatos inadequados das maneiras pelas quais os recursos naturais podem ser uma maldição. É verdade que o livro fornece anedotas sobre a maldição dos recursos (a Serra Leoa é amaldiçoada por diamantes) e como a maldição foi evitada com sucesso (em Botsuana). Mas o livro não explica quais recursos se prestam especialmente à maldição (diamantes sim, ferro não) e por quê. O livro também não mostra como alguns grandes produtores de recursos como os EUA e a Austrália evitam a maldição (são democracias cujas economias dependem de muito mais além das exportações de recursos), e que outros países dependentes de recursos além de Serra Leoa e Botsuana sucumbiram ou superaram a maldição. O capítulo sobre a reversão da fortuna surpreendentemente não menciona as próprias descobertas interessantes dos autores sobre como o grau de reversão depende da riqueza anterior e das ameaças à saúde para os europeus (ACEMOGLU; JOHNSON; ROBINSON, 2003).

Dois principais fatores que Acemoglu e Robinson mencionam, apenas para descartá-los em poucas frases, são as doenças tropicais e a produtividade agrícola tropical:

As doenças tropicais obviamente causam muito sofrimento e altas taxas de mortalidade infantil na África, mas não são a razão pela qual a África é pobre. A doença é em grande parte consequência da pobreza e dos governos incapazes ou não dispostos a tomar as medidas de saúde pública necessárias para erradicá-las […] O principal determinante do porquê a produtividade agrícola – produção agrícola por acre – é tão baixa em muitos países pobres, particularmente na África Subsaariana, pouco tem a ver com a qualidade do solo. Pelo contrário, é uma consequência da estrutura de propriedade da terra e dos incentivos que são criados para os agricultores pelos governos e instituições sob as quais eles vivem. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012)

Essas declarações arrebatadoras, que surpreenderão qualquer pessoa com conhecimento sobre os assuntos, eliminarão dois campos inteiros da ciência, a medicina tropical e a ciência agrícola. Como resumi acima, os fatos bem conhecidos da biologia tropical, geologia e climatologia sobrecarregam os países tropicais com problemas muito maiores do que os países temperados.

Uma segunda fraqueza envolve as origens históricas do que Acemoglu e Robinson identificam como instituições econômicas e políticas inclusivas, com suas consequências para a riqueza. Alguns países, como a Grã-Bretanha e o Japão, possuem essas instituições, enquanto outros países, como a Etiópia e o Congo, não têm. Para explicar o por que, os autores apresentam uma história justa de cada país, que conclui que essa história explica por que tal país desenvolveu ou não boas instituições. Por exemplo, a Inglaterra adotou instituições inclusivas, como nos dizem, como resultado da Revolução Gloriosa de 1688 e eventos anteriores; e o Japão reformou suas instituições depois de 1868; mas a Etiópia permaneceu absolutista. A visão de história de Acemoglu e Robinson é a de que pequenos efeitos em momentos críticos têm efeitos duradouros, por isso é difícil fazer previsões. Embora eles não digam de forma tão explícita, essa visão sugere que boas instituições deveriam ter surgido aleatoriamente em todo o mundo, dependendo de quem decidisse o que aconteceria em determinado lugar e horário.

Mas é óbvio que boas instituições e a riqueza e o poder que geraram não surgiram aleatoriamente. Por exemplo, todos os países da Europa Ocidental terminaram mais ricos e com melhores instituições do que qualquer país africano tropical. Grandes diferenças subjacentes levaram a essa divergência de resultados. A Europa tem uma longa história (de até nove mil anos) de agricultura baseada nas lavouras e animais domésticos mais produtivos do mundo, ambos domesticados e introduzidos na Europa a partir do Crescente Fértil, a região em forma de meia-lua que vai do Golfo Pérsico através do sudeste da Turquia para o Alto Egito. A agricultura na África tropical tem apenas entre 1.800 e 5.000 anos de idade e é baseada em culturas domesticadas menos produtivas e animais importados.

Como resultado, a Europa teve até quatro mil anos de experiência de governo, instituições complexas e identidades nacionais crescentes, em comparação com alguns séculos ou menos para toda a África subsaariana. A Europa tem solos férteis glaciados, chuvas de verão confiáveis e poucas doenças tropicais; a África tropical tem solos desérticos e extensivamente inférteis, chuvas menos confiáveis e muitas doenças tropicais. Dentro da Europa, a Grã-Bretanha tinha as vantagens adicionais de ser uma ilha raramente em risco de exércitos estrangeiros, e de enfrentar o Oceano Atlântico, que se tornou aberto depois de 1492 para o comércio exterior.

Não deve ser surpresa que países com essas vantagens tenham ficado ricos e com boas instituições, enquanto países com essas desvantagens não tenham. A cadeia de causalidade que levava lentamente da agricultura produtiva ao governo, a formação do Estado, instituições complexas e riqueza, envolvia explosões populacionais conduzidas pela agricultura e acumulações de excedentes de alimentos, levando à necessidade de tomada de decisão centralizada em sociedades muito populosas para a tomada de decisões através de discussões face a face envolvendo todos os cidadãos, e a possibilidade de usar os excedentes alimentares para apoiar os reis e seus burocratas. Esse processo se desenrolou independentemente, começando por volta de 3400 A.C., em muitas partes diferentes do mundo antigo com agricultura produtiva, incluindo o Crescente Fértil, o Egito, a China, o Vale do Indo, Creta, o Vale do México, os Andes e o Havaí Polinésio.

A fraqueza restante dos autores é recorrer à afirmações sem fundamento ou contrariadas pelos fatos. Um exemplo é sua tentativa de expandir seu foco nas instituições para explicar as origens da agricultura. Todos os humanos eram originalmente caçadores-coletores que se tornaram agricultores em apenas cerca de nove pequenas áreas espalhadas pelo mundo. Um século de pesquisas feitas por botânicos e arqueólogos mostrou que o que tornou essas áreas excepcionais foi a riqueza de espécies de plantas e animais selvagens adequadas para a domesticação (como trigos e milho silvestres).

Embora o padrão habitual fosse o de caçadores-coletores nômades se tornarem agricultores sedentários, havia exceções: alguns caçadores-coletores nômades inicialmente se tornavam agricultores nômades (México e Nova Guiné), enquanto outros nunca se tornavam agricultores (Austrália aborígene); alguns caçadores-coletores sedentários se tornaram agricultores sedentários (o Crescente Fértil), enquanto outros nunca se tornaram agricultores (Índios do Noroeste Pacífico); e alguns fazendeiros sedentários voltaram a ser caçadores-coletores nômades (no sul da Suécia, há cerca de quatro mil anos).

No Capítulo 5, Acemoglu e Robinson (2012) usam um desses padrões excepcionais (o do Crescente Fértil) para afirmar, na completa ausência de evidência, que aqueles caçadores-coletores em particular se tornaram sedentários, por razões desconhecidas, porque eles desenvolveram instituições inovadoras através de uma revolução política hipotética. Eles afirmam, ainda, que as origens da agricultura dependiam de sua explicação preferida de inovação institucional, e não da disponibilidade local de espécies silvestres domesticáveis identificadas por botânicos e arqueólogos.

Entre os argumentos para refutar essa interpretação amplamente compartilhada, Acemoglu e Robinson redesenharam em seu Mapa 5, na página 562, os mapas nas páginas 56 e 66 do livro dos arqueobotânicos Daniel Zohary e Maria Hopf, Domestication of Plants in the Old World (2012), descrevendo as distribuições de cevada selvagem e de um dos dois ancestrais híbridos de um dos três trigos (que Acemoglu e Robinson identificam erroneamente apenas como “trigo”). Eles tomam esses mapas para dizer que “os ancestrais da cevada e do trigo foram distribuídos ao longo de um longo arco” além do Crescente Fértil, daí que o papel único do Crescente Fértil nas origens da agricultura “não foi determinado pela disponibilidade de espécies vegetais e animais”.

O que Zohary e Hopf (2012) realmente mostraram foi que o trigo selvagem está confinado ao Crescente Fértil, e que as áreas de propagação extensiva de cevada selvagem e trigo selvagem estão confinadas ao Crescente Fértil, e que os ancestrais selvagens de todos as outras culturas selvagens originais do Crescente Fértil também estão confinadas ou centradas no Crescente Fértil, e que, portanto, o Crescente Fértil foi a única área em que a agricultura local poderia ter surgido. Acemoglu e Robinson fazem a si mesmos um desserviço ao interpretar erroneamente esses achados.

Minha avaliação geral do argumento dos autores é que as instituições inclusivas, embora não sejam o determinante esmagador da prosperidade que afirmam, são um fator importante. Talvez eles forneçam 50% da explicação para diferenças nacionais em prosperidade. Isso é suficiente para estabelecer essas instituições como uma das principais forças do mundo moderno. Por que as Nações Fracassam oferece uma excelente maneira para qualquer leitor interessado aprender sobre elas e suas consequências. Enquanto a maioria dos escritos de economistas acadêmicos é incompreensível para o público leigo, Acemoglu e Robinson escreveram este livro para que ele possa ser entendido e apreciado por todos nós que não somos economistas.

Por que as Nações Fracassam deve ser leitura obrigatória para políticos e qualquer um preocupado com o desenvolvimento econômico. As discussões dos autores sobre o que pode e o que não pode ser feito hoje para melhorar as condições nos países pobres são instigantes e estimularão o debate. Doadores e agências internacionais tentam “engendrar a prosperidade”, seja por meio de ajuda externa, seja exortando os países pobres a adotarem boas políticas econômicas. Mas existe desapontamento generalizado com os resultados desses esforços bem-intencionados. Acemoglu e Robinson diagnosticam com cuidado a causa desses resultados decepcionantes em seu capítulo final: “É improvável que a tentativa de projetar prosperidade sem confrontar a causa raiz dos problemas – instituições extrativistas e políticas que os mantêm no lugar – dê frutos”.

Referências

  • ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James. Disease and Development in Historical Perspective. Journal of the European Economic Association, v. 1, n. 2–3, p. 397–405, 5 abr. 2003.
  • ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as Nações Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza. [S.l.]: Elsevier Editora Ltda., 2012.
  • BOCKSTETTE, Valerie; CHANDA, Areendam; PUTTERMAN, Louis. States and Markets: The Advantage of an Early Start. Journal of Economic Growth, v. 7, n. 4, p. 347–369, 1 dez. 2002.
  • OLSSON, Ola; HIBBS, Douglas A. Biogeography and long-run economic development. European Economic Review, v. 49, n. 4, p. 909–938, 1 maio 2005.
  • ZOHARY, Daniel; HOPF, Maria; WEISS, Ehud. Domestication of Plants in the Old World: The Origin and Spread of Domesticated Plants in Southwest Asia, Europe, and the Mediterranean Basin. [S.l.]: OUP Oxford, 2012.

¹ No texto original, Diamond não cita em regras de formatação formais a quais estudos se refere, pois este texto se trata de uma resenha com um tom mais informal, menos acadêmico. As referências colocadas foram pesquisadas pelo tradutor e, por isso, podem não refletir exatamente o estudo a qual o autor do texto realmente se referia. O intento desta inclusão se fez para enriquecer as fontes que subsidiam os argumentos do autor. (N.T.)

² Da versão original do livro, em inglês. O mesmo mapa pode figurar em outra página na versão brasileira [N.T.]

Lucas Walmrath

Lucas Walmrath