Por Sergio Morales Inga
Publicado na Cultura y Evolución
Tradução de Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira
Quando você pensa em psicologia evolutiva ou psicologia evolucionista (PE), você pensa em Charles Darwin, Steven Pinker, adaptações psicológicas ou módulos mentais. Embora não estejamos errados, essas categorias referem-se antes a uma proposta específica. Existem outras que não apenas usam outras categorias, mas também postulam diferentes teorias sobre a mente humana. Apesar dessa pluralidade, muitos acadêmicos (e não acadêmicos) acreditam que existe apenas uma única PE. No entanto, se pesquisarmos a literatura, encontraremos mais psicologias evolutivas (PEs) que compartilham o nome, apesar de formularem diferentes teorias. Quais são? Quantas são? O que elas têm em comum? Qual a diferença entre elas?
Geralmente, se você critica autores como Leda Cosmides, John Tooby ou Steven Pinker, qualquer fã responderá dizendo que você está fazendo isso porque é contra Charles Darwin e a evolução. Embora essa resposta esteja errada, muitos consideram que se você critica a PE, você é contra a aplicação de princípios evolutivos ao estudo da mente porque você acredita que ela não evoluiu. Embora a expressão “evolução da mente” seja terminologicamente discutível, podemos concordar que o que chamamos de mente passou por um processo de evolução. Todas as PEs concordam com essa ideia básica. No entanto, elas se diferem em outros aspectos que necessitam de reconhecimento.
Uma breve revisão da literatura revela que existem, pelo menos, 3 tipos de PE que entendem a mente e explicam sua evolução de diferentes maneiras (ou seja, elas usam diferentes categorias, referenciais teóricos, métodos e técnicas). Por compartilharem o mesmo objetivo (entender a evolução da mente), essas escolas podem concordar em certos aspectos. No entanto, estaremos cometendo um erro se acreditarmos que essas propostas são a mesma coisa. Para evitar críticas fracas, essa texto citará textualmente as passagens em que os mesmos autores mostram concordância (ou discordância) com as propostas de seus colegas. Esclarecendo isso, então, quantas PEs existem?
1) Escola de Santa Bárbara
Nomeada assim porque seus fundadores pertencem à Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, EUA, essa escola é a mais difundida e geralmente referida como um sinônimo de PE. Foi fundada pelos antropólogos Jerome Barkow e John Tooby e pela psicóloga Leda Cosmides no livro The adapted mind: Evolutionary psychology and the generation of culture, publicado em 1992.
Entre seus principais representantes estão os fundadores Leda Cosmides, John Tooby e Jerome Barkow, além de David Buss, Robert Kurzban, Max Krasnow, Laith Al-Shawaf ou Steven Pinker (este último, embora não pertencente à escola, defendeu o campo e disseminou ativamente suas propostas em livros como The language instinct de 1994, How the mind works de 1997 ou The blank slate de 2002).
“A premissa central de The adapted mind é que existe uma natureza humana universal, mas que essa universalidade existe principalmente no nível dos mecanismos psicológicos evoluídos, não em comportamentos culturais expressos. Para essa perspectiva, a variabilidade cultural não é um desafio à chamada universalidade, mas sim dados que podem nos dar alguns insights sobre a estrutura dos mecanismos psicológicos que ajudaram a gerá-la. Uma segunda premissa é que esses mecanismos psicológicos evoluídos são adaptações construídas pela seleção natural ao longo do tempo. Uma terceira premissa […] é que a estrutura evoluída da mente humana está adaptada ao modo de vida dos caçadores-coletores do Pleistoceno, e não necessariamente às nossas circunstâncias atuais”. (Barkow, Cosmides and Tooby, 1992, p. 5).
Sua proposta geral sobre a evolução da mente pode ser chamada de hipótese modular da mente, que postula que a mente humana evoluiu, organizando-se em pequenos módulos especializados na resolução de múltiplos problemas: há um módulo de reconhecimento facial, um módulo de relações espaciais, um módulo para o uso de ferramentas, um módulo para o medo, um módulo para o intercâmbio social, um módulo para a percepção de emoções, um módulo para cuidar da criança, um módulo para a amizade, um módulo para a gramática, etc. (Ibid., P. 113).
De todas, essa tem sido a escola mais debatida e criticada, especialmente por seu adaptacionismo, seu modularismo, sua aplicação dogmática da seleção sexual e por negligenciar a influência da cultura na evolução humana (Gould, 1997; Fodor, 2000; Woodward e Cowie, 2004; Buller, 2005; Richardson, 2007; Bolhuis, Brown, Richardson e Laland, 2017; Laland, 2017; Smith, 2020). Da mesma forma, tem sido associada à pseudociência devido ao caráter infalseável de suas afirmações (Pigliucci, 2006, 2008). Por causa dessa atitude, essa escola foi apelidada de “Igreja de Santa Bárbara” (Laland e Brown, 2002, p. 154).
Por causa dessa má reputação, existem outras PEs que não compartilham dos postulados dessa escola (razão pela qual não foram tão criticadas como essa). É preciso reconhecer a diversidade existente entre as PEs como um fato dado e não como algo passível de interpretação. As diferenças entre as escolas não são apenas destacadas pelos críticos da escola de Santa Bárbara (como se pode suspeitar com alguma má-fé), mas também por seus próprios representantes. Na verdade, a escola de Santa Bárbara foi fundada em relação às limitações de outras correntes evolutivas da época.
“[D]iferentes pesquisadores usam o termo ‘psicologia evolutiva’ de uma forma divergente. De forma confusa, alguns antropólogos ou arqueólogos se descrevem fazendo ‘psicologia evolutiva’ porque se identificam com a perspectiva de Santa Bárbara. Em contraste, psicólogos proeminentes de mentalidade evolucionista, como Henry Plotkin (1994, 1997), discordam da escola de pensamento modular e adaptacionista defendida em Santa Bárbara. Muitos pesquisadores se esforçaram para estender a psicologia evolutiva para abranger todas as abordagens de desenvolvimento para o estudo da mente e do comportamento humano (Daly e Wilson, 1999; Buss, 1999; Barrett et al., 2001; Heyes e Huber, 2000), mas outros, incluindo Cosmides e Tooby, veem distinções importantes entre as várias escolas. Além disso, muitos antropólogos evolucionistas, ecologistas do comportamento humano e sociobiólogos humanos têm se empenhado em se diferenciar da psicologia evolutiva e reconhecer as principais distinções teóricas e metodológicas entre as abordagens (Smith et al., 2000)”. (Laland e Brown, 2002, pp. 156-157)
Precisamente, esse livro escrito por Kevin Laland e Gillian Brown (2002) expõe as semelhanças e diferenças entre a escola de Santa Bárbara e outras abordagens evolutivas, como memética, ecologia comportamental ou coevolução gene-cultura. Além disso, como se verá mais adiante, durante vários anos, vários estudos expuseram essa pluralidade disciplinar em resposta a certas confusões. Dito isso, quais outras escolas de PE existem na comunidade científica?
2) Escola britânica
Assim denominada porque seus fundadores pertencem a universidades do Reino Unido, embora também possa ser chamada de escola de Oxford devido à origem de seu fundador Robin Dunbar. É a escola de PE menos conhecida, apesar de ter realizado estudos importantes para a compreensão da mente humana. É desenvolvida pelo antropólogo Robin Dunbar (Universidade de Oxford) e por pesquisadores como Louise Barrett, John Lycett, Camilla Power, Chris Knight, John Gowlett ou Clive Gamble.
Algumas das muitas publicações que essa escola alcançou são: The evolution of culture (Dunbar, Knight and Power, 1999), Evolutionary psychology (Dunbar, Barrett e Lycett, 2007), The Oxford handbook of evolutionary psychology (Dunbar e Barrett, 2007) ), How many friends does one person need? (Dunbar, 2010), Human evolution (Dunbar, 2014) ou Thinking big: How the evolution of social life shaped the human mind (Gamble, Gowlett e Dunbar, 2014). Como podemos ver, trata-se de uma PE intimamente ligada à evolução e à cultura humana.
Sua proposta geral é a hipótese do cérebro social, segundo a qual a mente humana foi determinada pela evolução de nossa intensa vida social e cooperativa, manifestada em fenômenos como a caça, a religião, a linguagem ou a constituição de grandes grupos sociais. Para essa escola, exatamente esses traços são aqueles que caracterizam a evolução humana. Por causa dessa ênfase na dinâmica social, também podemos identificar essa abordagem como PE social.
“Uma hipótese alternativa oferecida no final dos anos 1980 era que os grandes cérebros dos primatas refletem as demandas computacionais dos sistemas sociais complexos que caracterizam a ordem. Prima facie, essa sugestão parece plausível: há ampla evidência de que os sistemas sociais dos primatas são mais complexos do que os de outras espécies. Pode-se demonstrar que esses sistemas envolvem processos como engano tático e formação de coalizões, que são raros ou ocorrem apenas em formas mais simples em outros grupos taxonômicos. Por causa disso, a sugestão foi rapidamente apelidada de hipótese da inteligência maquiavélica, embora haja uma preferência crescente por chamá-la de hipótese do cérebro social”. (Dunbar, 1998, p. 178)
Embora seu objetivo seja estudar a evolução da mente humana, essa escola discorda da hipótese modular (escola de Santa Bárbara), a qual descreveu como “muito rigidamente racional” (Gamble et al., 2014). Isso é algo que pode ser apreciado não só nos trabalhos da escola britânica (mais orientada para a evolução dos sistemas sociais), mas também nos argumentos de seu próprio fundador – que alegou estar no extremo oposto da escola de Santa Bárbara.
“A psicologia evolutiva está realmente dividida em dois grupos de pessoas que não concordam inteiramente. Você tem o extremo da ecologia comportamental, onde me encontro, que está interessado nas diferenças individuais. A maioria de nós saiu da zoologia ou antropologia por meio da ecologia comportamental. Depois, há a clássica escola de Santa Bárbara, da qual a maior parte veio da psicologia. Ela naturalmente tende a desenvolver uma visão modular e tende a se concentrar nos universais humanos”. (Workman e Dunbar, 2015, p. 126)
Ao contrário da escola de Santa Bárbara, a escola britânica tem uma postura mais voltada para o meio ambiente (devido ao seu caráter sociológico). Da mesma forma, ela tem criticado o determinismo genético ao qual a escola de Santa Bárbara geralmente deriva.
“Creio que isso tornou os psicólogos evolutivos mais pseudogeneticistas do que deveriam ser. Sempre me desviei disso porque minha experiência em ecologia comportamental indica que existe uma suposição de que os animais fazem coisas para melhorar sua aptidão, mas isso não pressupõe que o comportamento animal seja geneticamente determinado. O objetivo de ter um grande cérebro é que você pode adaptar seu comportamento e ajustá-lo às circunstâncias. Tudo o que a genética do sistema faz é fornecer a você o objetivo final”. (Ibid., P. 127)
Como podemos ver, entre as duas escolas não existem apenas diferenças importantes, mas também a escola britânica é crítica com a de Santa Bárbara. No entanto, não é apenas isso. Há uma última escola de PE que repensou os argumentos das duas anteriores.
3) Escola cultural
Nomeada por sua ênfase na influência da cultura, essa escola é baseada na teoria da dupla herança (também chamada de teoria da coevolução gene-cultura), fundada pelo antropólogo Robert Boyd e pelo biólogo Peter Richerson em Culture and the evolutionary process de 1985 (Morales, 2020). Essa teoria (atualmente promovida pelo antropólogo Joseph Henrich) postula que a cultura coevoluiu com os genes até constituir a primeira força que produziu a evolução humana. Essa perspectiva, além disso, é caracterizada por criticar outras abordagens evolutivas.
“Essa visão contrasta fortemente com a visão canônica da evolução da cooperação humana. Por décadas, pesquisadores evolucionistas, de Richard Dawkins a Steven Pinker, argumentaram que os seres humanos são capazes de se organizar e cooperar de forma tão eficaz porque nossa psicologia foi moldada pelas forças evolutivas da seleção de parentesco e do altruísmo recíproco (reciprocidade). […] No que está por vir, eu vou aumentar e corrigir substancialmente esse ponto de vista canônico”. (Henrich, 2016, p. 142)
Para essa escola, a mente humana resulta da coevolução que ocorre entre genes e cultura. Portanto, também pode ser identificada como PE cultural. Sua proposta é a chamada hipótese do cérebro cultural, que argumenta que o tamanho do cérebro humano aumentou após a coevolução com estratégias de aprendizagem, tamanho do grupo social, estrutura de acasalamento e duração do período juvenil. Esse modelo não apenas explica, mas também prevê o rápido crescimento do cérebro e de outros aspectos da mente. É desenvolvida por pesquisadores como Kevin Laland, Joseph Henrich, Michael Muthukrishna ou Andrew Whiten.
“Nosso modelo fornece um mecanismo evolutivo potencial que pode explicar uma variedade de padrões empíricos envolvendo relações entre tamanho do cérebro, tamanho do grupo, inovação, aprendizagem social, estruturas de acasalamento e trajetória de desenvolvimento, bem como diferenças na evolução do cérebro entre as espécies. Ele também pode iluminar as diferentes taxas de evolução e tamanho total do cérebro que foram encontrados em diferentes táxons e ajudar a explicar por que o tamanho do cérebro se correlaciona com o tamanho do grupo em alguns táxons, mas não em outros. […] A mensagem principal da hipótese do cérebro cultural (CBH) é que os cérebros são principalmente para a aquisição, armazenamento e gerenciamento de conhecimento adaptativo e que esse conhecimento adaptativo pode ser adquirido por meio de aprendizagem social ou associal. Os aprendizes sociais prosperam em um ambiente rico em conhecimento (como aqueles encontrados em grupos maiores e aqueles descendentes de ancestrais mais inteligentes), enquanto os aprendizes sociais prosperam em ambientes onde o conhecimento é socialmente escasso ou caro, mas que pode ser obtido por meio de esforços individuais”. (Muthukrishna, Doebeli, Chudek e Henrich, 2018, p. 29)
Como se pode ver, essa escola está relacionada à escola britânica sobre a natureza sociológica da mente humana:
“Nossa abordagem é diferente, mas está relacionada à hipótese do cérebro social [SBH; 31], que argumenta que os cérebros evoluíram principalmente para lidar com as complexidades da vida social em grupos maiores (por exemplo, manter o controle de indivíduos, raciocínio maquiavélico, etc.)”. (Ibid., P. 3)
No entanto, como os autores também apontam, existem diferenças importantes entre as duas escolas que devem ser reconhecidas:
“[E]mbora muitas descrições verbais da SBH [hipótese do cérebro social] sejam gerais o suficiente para abranger a maioria dos aspectos da CBH [hipótese do cérebro cultural], cada instância formal da SBH concentra-se em mecanismos evolutivos bastante diferentes: (1) engano e cooperação, (2) coordenação entre os membros do grupo, (3) cooperação entre a competição e contra os desafios ecológicos, e (4) aprendizagem de estratégias sociais. Seguindo em frente, argumentamos que é crucial distinguir os vários mecanismos evolutivos que muitas vezes foram agrupados sob a rubrica de ‘cérebro social’ e, então, testar a ação desses vários mecanismos (que não precisam ser mutuamente exclusivos).
CBH e CCHB fazem uma mudança deliberada no foco do “social” para “aprendizagem”; uma mudança com precedência em outras teorias, expressa de forma mais informal […]. No entanto, existem alguns desvios claros da maioria das abordagens acima. Em primeiro lugar, crucial para essa mudança do social para o aprendizado é que o tamanho do grupo evolui endogenamente, e não como um produto de externalidades (como evitar predadores). Em segundo lugar, presume-se que a aprendizagem seja mais geral do que as habilidades e cognição necessárias para a vida social. Os indivíduos podem aprender habilidades e conhecimentos para coordenação social, cooperação e competição, como estratégias sociais para melhorar o acasalamento…” (Ibid., Pp. 3-4)
Embora existam diferenças entre as escolas cultural e britânica, há algo em que ambas coincidem: um olhar crítico sobre a escola de Santa Bárbara. Nem a escola britânica nem a cultural adotaram abordagens modularistas ou adaptacionistas como a escola de Santa Bárbara. Pelo contrário, a escola cultural reconhece o caráter ativo da evolução humana, bem como a capacidade humana de se adaptar a vários ambientes (precisamente graças às suas elevadas capacidades sociais e culturais). Assim, essa escola também se refere ao conceito de construção de nicho.
“Essa imagem da evolução da mente humana é radicalmente diferente daquela apresentada por psicólogos evolutivos e muitos divulgadores científicos populares. Esses autores frequentemente afirmam que os humanos que andam pelas ruas das metrópoles urbanas de hoje são deixados lutando para lidar com o mundo moderno pelo legado de cérebros adaptados aos primatas ancestrais ou às condições da Idade da Pedra. […] Os seres humanos não modificam seu ambiente de forma aleatória. Em vez disso, como outros animais que constroem ninhos, montes, redes e presas que ajudam eles e seus descendentes a sobreviverem, os humanos constroem estruturas e têm outros impactos em seu mundo que aumentam enormemente sua aptidão evolutiva”. (Laland, 2017, p. 231)
Como vimos, embora existam alguns elementos em comum entre as 3 escolas de PE, as diferenças são mais profundas. Da mesma forma, independentemente de quem seja, é possível encontrar mais ligações entre a escola britânica e a cultural do que elas com a tão criticada escola de Santa Bárbara.
O que essas escolas têm em comum e como elas se diferenciam?
Uma vez que todas as 3 escolas empregam princípios evolutivos (darwinianos) para explicar a evolução da mente humana, elas podem ser reconhecidas a grosso modo como 3 formas de PE. No entanto, assim como elas têm pontos em comum, elas têm divergências significativas. Suas respectivas propostas (hipótese da mente modular, hipótese do cérebro social e hipótese do cérebro cultural) são diferentes a nível teórico, especialmente pela instância que enfatizam: módulos mentais, complexidade social ou aprendizagem cultural. Isso faz com que elas não apenas formulem diferentes explicações, mas também cheguem a diferentes conclusões.
Toda essa literatura nos envia uma mensagem clara: nem todo artigo ou livro intitulado “psicologia evolutiva” se referirá à mesma escola ou hipótese. Como eu disse, as 3 escolas de PE compartilham o mesmo objetivo: entender a evolução da mente humana. Isso é o que elas têm em comum. Porém, diferem na forma como entendem essa evolução, ou seja, na explicação que elaboram sobre esse processo. Promover diferentes explicações implica desenvolver diferentes teorias, o que implica apelar a diferentes conceitos que, por sua vez, remetem a diferentes métodos e técnicas. A tabela a seguir resume as semelhanças e diferenças entre as 3 escolas de PE:
O fato de várias PEs compartilharem um objetivo pode nos confundir. Para alguns, esse objetivo comum é um sinal de que todas as escolas são apenas uma coisa só. Além disso, alguns consideram que a proposta da escola britânica precisa da proposta da escola de Santa Bárbara (ou seja, que o cérebro social repousa sobre uma mente modular). No entanto, essa atribuição é um erro. Como vimos, as 3 escolas refletem 3 diferentes posições. Embora possam compartilhar alguns pontos em comum, as diferenças aparecem à medida que se aprofunda na literatura. Para evitar erros, devemos ler os livros de PE e não apenas ficar com os títulos das capas.
Agora, essa confusão que leva a crer que a escola de Santa Bárbara é a única de PE não é nova. Curiosamente, esse erro está presente, pelo menos, desde os anos 1990. Em um artigo publicado na revista Animal Behavior, Martin Daly e Margo Wilson (1999) agruparam várias abordagens evolutivas (como antropologia evolutiva, sociobiologia ou ecologia comportamental) sob o rótulo “psicologia evolutiva humana” (ou HEP para human evolutionary psychology). A justificativa dada pelos autores foi a seguinte:
“Todas essas abordagens são ‘evolutivas’ em virtude de seu marco conceitual adaptacionista e selecionista, e todas são ‘psicológicas’ na medida em que se concentram em como as pessoas adquirem e avaliam as informações e como usam essas informações na tomada de decisões comportamentais”. (p. 509)
No entanto, para Eric Smith, Monique Mulder e Kim Hill (2000) esse agrupamento é “deficiente” por 3 razões: essas abordagens têm uma “história consideravelmente mais longa” do que a PE de Santa Bárbara; as distinções entre essa e outras foram estabelecidas pelos mesmos acadêmicos da escola de Santa Bárbara; e porque existem diferenças importantes entre elas. Para os autores, a escola de Santa Bárbara é “uma parte e não o todo” (Ibid., P. F21). No ano seguinte, Smith e colegas (2001) reiteraram que embora haja alguma complementaridade em tais abordagens, “por trás dessa aparente unidade encontram-se sérias divergências teóricas e metodológicas” (p. 128).
Ainda sobre isso, embora não tenha estabelecido uma escola, também vale a pena mencionar o trabalho realizado por Henry Plotkin (1998), que pode ser visto como uma posição ímpar e relativamente ligada às escolas britânica e cultural. Ainda assim, para nós, fica claro que ter um objetivo comum não é razão suficiente para dizer que as 3 escolas de PE formam um projeto único. Se alguém revisar a literatura, descobrirá que muitos críticos distinguem entre uma PE como campo de estudo e uma PE como paradigma (escola de Santa Bárbara). Sob a mesma ideia, outros diferenciam entre Psicologia Evolutiva (em letras maiúsculas, referindo-se à hipótese modular) e psicologia evolutiva (em letras minúsculas, referindo-se ao campo de estudo) (Smith, 2020).
Concluindo, se alguma pessoa critica os argumentos de Cosmides, Buss, Pinker, Dunbar, Laland ou Plotkin, não significa que ela seja contra a aplicação da teoria evolutiva ao estudo da mente e nem que negue que a mente evolui; esse alguém só discorda de certas propostas de alguma escola específica. Quanto mais cedo soubermos disso, melhor.
Referências
- Barkow, J., Cosmides, L. y Tooby, J. (1992). The adapted mind: Evolutionary psychology and the generation of culture. NY: Oxford University Press.
- Bolhuis, J., Brown, G., Richardson, R. y Laland, K. (2011). Darwin in mind: New opportunities for evolutionary psychology. PLoS Biology, 9(7): e1001109.
- Boyd, R. y Richerson, P. (1985). Culture and the evolutionary process. USA: University of Chicago Press.
- Buller, D. (2005). Adapting minds: Evolutionary psychology and the persistent quest for human nature. USA: The MIT Press.
- Daly, M. y Wilson, M. (1999). Human evolutionary psychology and animal behaviour. Animal Behaviour, 57(3), 509-519.
- Dunbar, R. (1998). The social brain hypothesis. Evolutionary Anthropology, 6(5): 178-190.
- Dunbar, R. (2010). How many friends does one person need? USA: Harvard University Press.
- Dunbar, R. (2014). Human evolution. NY: Penguin Group.
- Dunbar, R., Barrett, L. y Lycett, J. (2007). Evolutionary psychology. England: Oneworld.
- Dunbar, R., Knight, C. y Power, C. (1999). The evolution of culture. NJ: Rutgers University Press.
- Dunbar, R. y Barrett, L. (Eds.). (2007). The Oxford handbook of evolutionary psychology. NY: Oxford University Press.
- Fodor, J. (2000). The mind doesn’t work that way: The scope and limits of computational psychology. Cambridge: The MIT Press.
- Gamble, C., Gowlett, J. y Dunbar, R. (2014). Thinking big: How the evolution of social life shaped the human mind. NY: Thames & Hudson.
- Henrich, J. (2016). The secret of our success: How culture is driving human evolution, domesticating our species, and making us smarter. NJ: Princeton University Press.
- Laland, K. (2017). Darwin’s unfinished symphony: How culture made the human mind. NJ: Princeton University Press.
- Laland, K. y Brown, G. (2002). Sense and nonsense: Evolutionary perspectives on human behaviour. NY: Oxford University Press.
- Morales, S. (2020). ¿Cómo influye la cultura en la evolución humana? https://cienciasdelsur.com/2020/09/13/como-influye-cultura-evolucion-humana/
- Muthukrishna, M., Doebeli, M., Chudek, M. y Henrich, J. (2018). The cultural brain hypothesis: How culture drives brain expansion, sociality, and life history. PLoS Computational Biology, 14(11): e1006504.
- Pigliucci, M. (2006). Is evolutionary psychology a pseudoscience? Skeptical Inquirer, 30(2): 23-24.
- Pigliucci, M. (2008). Chess, psychoanalysis, evolutionary psychology and the nature of pseudoscience. https://www.science20.com/rationally_speaking/chess_psychoanalysis_evolutionary_psychology_and_nature_pseudoscience-28494
- Plotkin, H. (1998). Evolution in mind: An introduction to evolutionary psychology. Cambridge: Harvard University Press.
- Richardson, R. (2007). Evolutionary psychology as maladapted psychology. Cambridge: The MIT Press.
- Smith, E., Borgerhoff, M. y Hill, K. (2000). Evolutionary analysis of human behaviour: A commentary on Daly & Wilson. Animal Behaviour, 60, F1-F6.
- Smith, E., Borgerhoff, M. y Hill, K. (2001). Controversies in the evolutionary social sciences: A guide for the perplexed. Trends in Ecology & Evolution, 16(3): 128-135.
- Smith, S. (2020). Is evolutionary psychology possible? Biological Theory, 15, 39-49.
- Woodward, J. y Cowie, F. (2004). The mind is not (just) a system of modules shaped (just) by natural selection, en C. Hitchcock (ed.), Contemporary debates in philosophy of science (pp. 312-334). UK: Blackwell.
- Workman, L. y Dunbar, R. (2015). ‘We are not islands, there is such a thing as society’. The Psychologist, 28(2): 126-127.