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Quimeras filosóficas – É impossível defender a ciência, ler Nietzsche e levar ambos a sério

Eu não consigo entender como uma pessoa pode afirmar-se defensora e amante da ciência e da tecnologia – que são frutos da racionalidade e do pensamento rigoroso -, e vir a gostar tanto do pensamento de Friedrich Nietzsche. Um de meus palpites é o fato reconhecível de que sua escrita era clara e esteticamente bonita, embora do tipo que não se pode levar a sério em matéria de pensamento racionalista e rigoroso. Isto porque o pensamento nietzscheano é o expoente do irracionalismo e do “pensamento fraco” (pensiero debole) típico do ideário da pós-modernidade.

Vou fazer uma breve análise do porquê este frankenstein filosófico, esta quimera filosófica de senso comum, que é misturar racionalidade com irracionalismo, é algo absurdamente anedótico.

Todos os filósofos são tiranizados pela lógica.

Friedrich Nietzsche, Humano, Demasiado Humano

E os filósofos da lógica e da matemática? Que são duas ferramentas vitais para se fazer ciência? Eles discutem – e resolvem – os problemas que esses campos trazem e sempre trouxeram para determinadas áreas. Como por exemplo, as divergências entre realistas matemáticos e pragmatistas matemáticos. Ou seja, a grande maioria dos matemáticos toma a matemática por um fato descoberto e que ela não é mera construção mental humana. E assim, a matemática estuda a si mesma (sim), porém conceitualmente e dizendo respeito a propriedades emergentes de objetos estudados (exemplo, a área de um círculo). Com a lógica também é parecido, porém, diferentemente da matemática, a lógica não possui componente ontológico. Ou seja, ela é vazia, porém instrumental, e esta tese encontra divergência entre os holistas lógicos (quineanos) que consideram que a discussão lógica de qualquer coisa vem sempre em primeiro lugar, pois a lógica existiria fora da mente humana, tendo ela, componente ontológico. Esses problemas persistem na investigação filosófica, e não são uma “tirania”. Então, pode-se inferir que com tal indagação, Nietzsche era um irracionalista, anticientífico.

Não há fatos, apenas interpretações (ou “não há fatos eternos assim como não há verdades absolutas”).

Isto dito a um biólogo evolutivo, o fará pensar que filosofia é algo realmente inútil para a ciência (como fazem lamentavelmente os popstars da ciência ao estilo Tyson e Krauss que defendem posturas filosóficas como o ceticismo e o racionalismo). A biologia evolutiva é fato porque qualquer pessoa que entenda o mínimo de ciência, sabe muito bem que a evolução sempre acompanhou a geologia (a história natural da Terra) e suas lacunas e processos imperceptíveis a olho nu são estudados por teorias, que quando científicas, sempre estarão respaldadas a algum fato evolutivo. Em noção de quantidade, em qualquer lugar do Universo, um ser humano devidamente instruído saberá que 1 + 1 = 2. Ou seja, sabemos que tanto na biologia como na matemática, fatos universais, absolutos, existem. E que o perspectivismo de Nietzsche não é apenas uma vertente irracionalista e anticientífica, é também antirrealista. Por condicionar que a ingênua realidade externa depende dos olhos, ou seja, dos sentidos, experiências e vivências do observador. Ou seja, a realidade não existiria independente de um observador, de um referencial. O que seria uma piada para físicos, astrofísicos, astrônomos e até mesmo para cientistas sociais rigorosos. Quando não se admite que a realidade existe para além do observador, fadamo-nos à fantasia.

É possível encontrar muito do irracionalismo e da anticiência em Nietzsche. Que como Mario Bunge bem fez questão de lembrar, passou muito tempo esquecido até se tornar pop no senso comum filosófico depois de ter sido exumado por “intelectuais” pós-modernos, avessos e aversivos à ciência, à racionalidade e à tecnologia.

Post scriptum – Os leitores mais aguerridos do filólogo alemão, podem dizer que as citações acima estão “fora de contexto”, e costumam apelar para explicações de tipo literário ou essencialmente hermenêutico. Esta tentativa é improcedente pelo simples fato de que não se trata de discutir literatura, história ou algo do tipo. Em matéria de pensamento racionalista crítico e científico, não se confunde filosofar com historiar ou o filosofar como um debate literário. Esta é uma das razões pelas quais a leitura de Nietzsche aliena várias pessoas da própria filosofia e de uma compreensão mais ampla da mesma. Velha história: passar a vida inteira discutindo a vida de um filósofo do passado, ou filosofias de época, leva a própria filosofia à estagnação. À crise.

Glauber Frota

Glauber Frota

Cético desde que me entendo por gente, quando comecei a questionar se Deus tinha face. Headbanger nas horas vagas, técnico em informática - buscando aperfeiçoamento - e em dúvida quanto a seguir carreira pública, acadêmica ou privada. Ávido autodidata. Interessado por filosofia da ciência (com ênfase às ciências naturais), história da filosofia, história da ciência, filosofia política, política geral, economia, direitos humanos, psicologia, psiquiatria (incluindo forense) e cultura em geral. Crítico das ditas "modas anti-intelectuais" tais como as pseudociências e correntes filosóficas como o existencialismo, a fenomenologia, diversas vertentes de idealismo, as correntes de pensamento "pós-modernas" e culturas comerciais. Buscador de um mundo moderno, mais justo e igualitário através da ciência e da tecnologia. Onde o charlatanismo e o "macaneo", que em espanhol platino é gíria para "embuste", ou mesmo, "delírio", não encontram lugar.