Teorias da conspiração são crenças irracionais e pouco populares a respeito de pessoas ou instituições poderosas que estariam fazendo “coisa errada” secretamente. Um exemplo clássico disso é a ideia de que o ser humano ainda não pisou na Lua, e que todas as provas dessa façanha teriam sido forjadas pela NASA. Existem crenças conspiratórias bem mais bizarras do que essa, e as mais recentes dizem respeito à pandemia de COVID-19.
Recentemente, Daniel Freeman e sua equipe (2020) conduziram uma pesquisa que visava investigar se teorias da conspiração sobre o coronavírus estariam relacionadas com o quanto os participantes vinham seguindo algumas recomendações do governo da Inglaterra, tais como higienizar as mãos e realizar isolamento social. Eles também queriam saber se essas pessoas adotariam orientações que poderiam ser passadas em breve, entre as quais usar máscara, se submeter a testes para o diagnóstico de COVID-19 e se vacinar contra essa doença.
Para testar isso, eles recrutaram 2.501 adultos e os solicitaram a responder o quanto concordavam ou discordavam de 48 teorias da conspiração sobre o coronavírus. Eis alguns exemplos dessas crenças conspiratórias: “O coronavírus é uma arma biológica criada pela China para destruir o Ocidente”; “A ONU e a OMS fabricaram o vírus para tomar o controle do mundo”; “Bill Gates criou o vírus para reduzir a população mundial”; “A vacina contra o coronavírus vai conter microchips para controlar as pessoas”; e “O coronavírus é uma arma alienígena para destruir a humanidade”.
Entre outras coisas, eles também queriam verificar se essas teorias da conspiração estariam associadas com o nível de religiosidade dos participantes. Como resultado, o Freeman e sua equipe constataram que, quanto mais religiosas eram as pessoas entrevistadas, mais fortemente elas concordavam com aquelas 48 teorias da conspiração sobre o coronavírus. Mas, afinal, isso significa que as religiões têm fabricado ou, pelo menos, ajudado a propagar essas ideias irracionais?
Levando em consideração algumas matérias e vídeos que já têm rodado por aí, essa é uma hipótese bastante razoável. Por outro lado, cientificamente falando, a gente não pode concluir isso apenas a partir da correlação encontrada por esse estudo. Tecnicamente, é possível que, em vez de as religiões estarem “alimentando” algumas crenças conspiratórias, essas crenças é que podem estar fortalecendo a religiosidade do povo. Por mais improvável que isso seja, o dado que temos em mãos não nos informa o que estaria influenciando o quê.
Mas também é possível que a religiosidade e a crença em teorias da conspiração não estejam causalmente relacionadas, e sim sejam influenciadas por uma mesma variável que não foi avaliada nessa pesquisa. Por exemplo, um estudo constatou que pessoas mais propensas a crer em ideias conspiratórias apresentam um estilo de raciocínio mais intuitivo, ou menos analítico (Swami et al., 2014). Isso significa que elas confiam mais em suas intuições, deixando de analisar criticamente algumas ideias que podem ser mal fundamentadas. Assim, se parecer minimamente plausível a afirmação de que a indústria farmacêutica criou o coronavírus para lucrar em cima disso – outra teoria da conspiração avaliada na pesquisa liderada pelo Freeman –, pessoas “mais intuitivas” acreditariam mais facilmente nisso, ao passo que pessoas “mais analíticas” parariam para refletir um pouco, e logo começariam a perceber que isso é uma besteira – seja porque faltam provas que sustentem essa ideia, seja porque existem provas contrárias a essa ideia.
Além disso, há evidências de que pessoas que apresentam um raciocínio mais intuitivo tendem a ser um pouco mais religiosas (Norenzayan & Gervais, 2013) – e, a propósito, eu até já abordei esse tema no meu vídeo sobre as quatro causas da crença em Deus. Nesse sentido, é possível que pessoas mais intuitivas simplesmente sejam mais suscetíveis a gostar de religião e, ao mesmo tempo, de teorias da conspiração. Tal como duas maçãs balançam juntas quando o vento atinge a macieira, a religiosidade e as crenças conspiratórias “balançariam juntas” só por causa do raciocínio intuitivo. Como aprendemos cedo com o ceticismo científico, correlação não é o mesmo que causação, né? Uma terceira variável pode influenciar simultaneamente duas outras variáveis, criando a ilusão de que estas últimas estejam “conectadas”.
Mas é possível que haja uma hipótese ainda melhor do que essas, e é por isso que precisamos aguardar pacientemente por mais pesquisas sobre esse tema. E é importante também dizer que, nesse artigo da equipe do Freeman, a força da correlação entre religiosidade e crenças conspiratórias foi baixa. Isso indica que outras coisas que não têm nada a ver com religião influenciariam o quanto as pessoas acreditam que o coronavírus é uma arma alienígena, bem como que nem todo religioso fervoroso está espalhando por aí que a pandemia de COVID-19 foi planejada pelos chineses.
Finalmente, talvez essa pesquisa faça muita gente se perguntar “E daí?”. Afinal, por que deveríamos nos preocupar com essas crenças bizarras de uma minoria? O caso é que 10% dos participantes desse estudo tinham uma mentalidade bastante conspiratória, e, quando o assunto é saúde pública, a gente não deveria menosprezar os estragos que esses 10% poderiam fazer.
A propósito, se quiser saber como essas teorias da conspiração se associaram com o seguimento das orientações do governo da Inglaterra – e qual foi o meu “juízo final’ sobre o possível papel das religiões sobre isso –, assista ao vídeo aí embaixo. E, caso queira se manter ligado em mais conteúdos de divulgação científica sobre ceticismo e religião, me acompanhe lá no Twitter, no Instagram e no meu canal do YouTube.
Referências
- Freeman, D., Waite, F., Rosebrock, L., Petit, A., Causier, C., East, A., … Lambe, S. (2020). Coronavirus conspiracy beliefs, mistrust, and compliance with government guidelines in England. Psychological Medicine, 1–13.
- Norenzayan, A., & Gervais, W. M. (2013). The origins of religious disbelief. Trends in Cognitive Sciences, 17(1), 20–25.
- Swami V., Voracek M., Stieger S., Tran U. S., & Furnham A. (2014). Analytic thinking reduces belief in conspiracy theories. Cognition, 133, 572–585.