Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
A pressão cada vez maior das mudanças climáticas em nosso planeta está revelando segredos enterrados por milênios.
À medida que as águas e o gelo recuam sob condições de aquecimento, os vestígios de pessoas e civilizações há muito tempo distantes do reino mortal emergem. Nos últimos meses, o Iraque foi particularmente atingido por uma seca extrema, com a represa de Mossul desaguando à medida que a água era extraída para evitar que as colheitas secassem.
Em meio a essa crise, as ruínas de uma cidade antiga, submersa por décadas, estão novamente em terra firme. Como a barragem foi criada na década de 1980, antes que o assentamento fosse estudado e catalogado arqueologicamente, seu ressurgimento representa uma rara oportunidade para os cientistas explorá-la. O sítio arqueológico foi nomeado Kemune.
As ruínas consistem em um palácio e várias outras grandes estruturas, que remontam à Idade do Bronze na região, há cerca de 3.400 anos. Os cientistas pensam que as ruínas podem ser a antiga cidade de Zakhiku, um movimentado centro do Império de Mitani, que prosperou nas margens do rio Tigre entre 1550 e 1350 a.C.
Esta não é a primeira vez que a cidade se ergue das águas como uma Atlântida perdida. Em 2018, as águas da represa recuaram o suficiente para dar aos arqueólogos um breve espaço de tempo para descobrir e documentar as ruínas, antes que o nível da água subisse e as cobrisse novamente.
Assim, em dezembro de 2021, quando a cidade começou a emergir mais uma vez, os arqueólogos estavam prontos para ir lá e aproveitar o segundo breve período.
Em janeiro e fevereiro deste ano, o arqueólogo Hasan Ahmed Qasim da Organização de Arqueologia do Curdistão no Iraque, juntamente com os colegas pesquisadores Ivana Puljiz da Universidade de Friburgo e Peter Pfälzner da Universidade de Tubinga, na Alemanha, começaram a mapear a misteriosa cidade.
Além do palácio que foi descoberto em 2018, os pesquisadores encontraram algumas outras estruturas interessantes. Estes incluíam uma grande fortificação com muralha e torres, um complexo industrial e um enorme edifício de depósito de vários andares, todos datados do Império de Mitani.
“O enorme edifício de depósito é de particular importância porque enormes quantidades de mercadorias devem ter sido armazenadas nele, provavelmente trazidas de toda a região”, disse Puljiz.
A preservação das paredes de tijolos de barro foi bastante notável, considerando que elas estiveram submersas por mais de 40 anos, mas isso foi resultado do declínio bastante abrupto da cidade em 1350 a.C.
Nesse período, um terremoto devastou a região, derrubando prédios, o que resultou em uma camada protetora de escombros caindo sobre as paredes intactas remanescentes, cobrindo seus murais pintados e o conteúdo dos prédios.
Fascinantemente, a cidade também rendeu alguns vasos de cerâmica contendo mais de 100 tabuletas de argila crua inscritas em cuneiforme, datando da Assíria Média, logo após o terremoto.
A equipe espera que esses registros possam conter algumas informações sobre quem viveu na cidade e talvez até sobre o próprio terremoto que levou ao seu desaparecimento.
“É quase um milagre que tabuletas cuneiformes feitas de argila crua tenham sobrevivido tantas décadas debaixo d’água”, disse Pfälzner.
A represa já foi reabastecida, submergindo a cidade mais uma vez, mas foram tomadas medidas para garantir que ela seja preservada para futuras escavações, quando a água recuar mais uma vez. As ruínas foram seladas sob coberturas plásticas que evitarão futuras erosão e degradação nos próximos anos.
Enquanto isso, o trabalho incansável deu aos arqueólogos material para estudo que pode esclarecer mais coisas sobre a vida da antiga Mitani que viveu na outrora grande cidade.
“Os resultados da escavação mostram que o local era um importante centro do Império de Mitani”, disse Qasim.