Por Massimo Pigliucci
Publicado no EMBO Reports
Tenho notado que aqueles que comentam em meus artigos muitas vezes apresentam duas atitudes interessantes e complementares: uma desconfiança fundamental da filosofia, juntamente com um apoio excessivo de zelo com a ciência. Dado que minha trajetória pessoal tem estado marcada por experiências em ambos campos e por uma forte crença de que os dois empreendimentos são complementares e não contraditórios, sinto que é o momento de fazer alguns comentários sobre esse tema em geral.
Talvez seja apropriado abordar o problema a partir do início da nova década, tendo em conta que o ano passado não só marcou o aniversário de 150 anos da A Origem das Espécies de Charles Darwin, mas também o aniversário de 50 anos do famoso ensaio As Duas Culturas de C. P. Snow, sobre a divisão intelectual entre as ciências e as humanidades. Em seu ensaio, Snow questionou (com razão) o que observou como uma atitude injustificável de superioridade intelectual por parte de pessoas das humanidades, ridicularizando os cientistas que não leem a Shakespeare, e admitindo abertamente uma completa ignorância do segundo princípio da termodinâmica.
Mas o problema aparece também no outro lado, por exemplo quando o físico Steven Weinberg se queixa de que a filosofia não tem respondido a nenhuma pergunta científica. Mas por que deveria ser o objetivo da filosofia? Temos a ciência para ajudar a resolver problemas científicos; a filosofia tem diferentes objetivos e utiliza diferentes ferramentas. Da mesma forma, por que não pedem para os críticos de arte que realizem pinturas, por exemplo, ou para os editores que escrevam livros?
A ciência, em termos gerais, se encarrega do estudo e compreensão dos fenômenos naturais, e se dedica a hipóteses empiricamente comprováveis que deem conta desses fenômenos. A filosofia é muito mais difícil de definir. Em termos gerais, pode-se considerá-la como uma atividade que utiliza a razão para explorar questões tais como a natureza da realidade (metafísica), a estrutura do pensamento racional (lógica), os limites de nossa compreensão (epistemologia), o significado implícito em nosso pensamento (filosofia da linguagem), a natureza da bondade moral (ética), a natureza da beleza (estética) e o funcionamento interno de outras disciplinas. A filosofia faz essas coisas mediante métodos de análise e questionamento que incluem a dialética e a argumentação lógica.
Então, aparentemente, tenho que afirmar que: a filosofia e a ciência são duas atividades distintas apesar de que a ciência começou como um ramo da filosofia; utilizam diferentes métodos (se coloca à hipótese com base empírica, em contraste com a análise lógica baseada na razão); e informam-se entre si de uma maneira interdependente (a ciência depende das suposições filosóficas que estão fora do alcance da validação empírica, e as investigações filosóficas devem estar informadas pela melhor ciência disponível).
Por isso, quando alguns comentaristas defendem a posição de que a ciência pode montar um ataque contra todas as crenças religiosas, eles estão concedendo um excessivo apoio à ciência e pouco apoio à filosofia. Sim, a ciência pode testar empiricamente as afirmações religiosas específicas, tais como a oração de intersecção, a idade da Terra, e assim sucessivamente, mas o melhor pensamento sobre o conceito de, digamos, um deus onibenevolente e todo-poderoso, é de natureza filosófica. Por que, então, não admitir que a forma mais eficaz de examinar as afirmações religiosas é mediante a combinação da ciência e filosofia, em vez de tentar arrogar para uma ou outra disciplina mais poder epistemológico do que cada uma realmente possui?
Outra concepção errônea comum é que a filosofia, diferente da ciência, não progride. Isso simplesmente não é verdade, a menos que o progresso seja medido pelo padrão (científico) de descoberta empírica. Mas isso seria como acusar uma equipe de futebol italiano de não ter ganhado um torneio de rugby. A filosofia avança porque a análise dialética gera objeções convincentes a uma dada posição, que conduz a uma melhoria ou abandono da dita posição, e assim sucessivamente. Por exemplo, as teorias éticas (filosofia moral), ou as teorias sobre a natureza da ciência (filosofia da ciência), tem progredido de forma constante de tal maneira que nenhum filósofo profissional contemporâneo considerar-se um utilitarista no sentido original proposto por Jeremy Bentham, ou um falsificacionista popperiano (da mesma maneira em que hoje em dia nenhum cientista etiquetaria a si mesmo como “newtoniano”).
O processo que eu descrevi pode nunca chegar a um resultado final, mas tampouco a ciência. As teorias científicas são sempre provisórias, e sempre melhoram ou abandonam em favor de outras novas. Então, como pode ser que estejamos dispostos a viver com a incerteza e a revisão constante na ciência, mas exijamos algum tipo de verdade definitiva da filosofia?
Agora, por que é que muitas pessoas tomam partido em um debate que não tem muito sentido, em vez de alegrar-se que a mente humana pode mudar através dos esforços conjuntos de duas de suas mais ilustres tradições intelectuais? Creio que a resposta aqui não é diferente do que teria estado disponível para Snow há cinquenta anos: as pessoas nas humanidades tem medo da colonização cultural, enquanto que os cientistas têm se tornado arrogantes pelo seu prestigio recém-adquirido e pelos incrementos em seus recursos financeiros. A especialização acadêmica e a capacidade de seguir através da internet apenas pessoas com quem estamos de acordo só agrava o problema. Mas não é hora de ir mais além desse provincianismo intelectual e fazer um esforço sério para reduzir a ponte que descreveu Snow?