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Stephen Hawking e a divulgação do artigo na Nature de modo acrítico

Recentemente um artigo publicado pelo físico Stephen Hawking sobre Buracos Negros [1] caiu como “bomba” na Internet através dos meios de comunicação mais respeitados, incluindo sites de grande credibilidade no meio científico como a Nature. A Nature publicou um texto destacando o Hawking como uma autoridade no assunto. [2] Entretanto, a ciência não é feita de autoridades ou especialistas no assunto. Sustentar um argumento com base na autoridade de um cientista ou filósofo, não é agir de acordo com o pensamento científico, sabemos que os seres humanos são falíveis ao erro, por isso temos um mecanismo para revisar os estudos que são publicados pelos mais variados cientistas do mundo a fora.

É importante ressaltar que a Nature destacou em seu texto que o paper do Hawking ainda não havia sido revisado por pares. Cheguei a traduzir a notícia que foi publicado pela Nature repetindo as mesmas palavras de modo acrítico, [3] o que gerou um problema. Pois o título não citava a mesma frase dentro do contexto que foi publicada no paper do Hawking. Hawking em momento algum alegou que “não há buracos negros”, ele disse que o conceito da qual estávamos acostumados a ouvir sobre Buracos Negros com Horizonte de Eventos pode estar errado. Nas palavras do próprio Hawking no paper (em inglês) diz: “The absence of event horizons mean that there are no black holes – in the sense of regimes from which light can’t escape to in finity.”

Agora iremos analisar de modo crítico o paper publicado pelo físico Stephen Hawking. Devo ressaltar que o texto a seguir foi publicado pelo AstroPT, [4] e será reproduzido conforme autorizado pelo fundador Carlos Oliveira.

Nota: o texto a seguir foi escrito em colaboração com o físico Manel Rosa Martins do AstroPT, e está escrito em Português de Portugal.

1 – Hawking está a responder a Leonard Susskind. Hawking defendia que a informação se perde para lá do horizonte de eventos (por informação, entenda-se Energia sob a forma de matéria e sob a forma de radiação). Como para Hawking, o buraco negro não tem entropia, então quando o buraco negro se evapora, a informação acaba por desaparecer. O Universo fica a perder.

Susskind defendia que isto contraria as leis do Universo, e que eram só artifícios matemáticos, não reais, para o que se via no Universo. Susskind defendia que a perda total de Informação implicava que se perdia Energia o que contraria a 2ª Lei da Termodinâmica, o que contraria o Principio da Conservação da Energia e que até contraria a relação causa-efeito subjacente a todas as Ciências. Ou seja, isto viola as leis do Universo!

Isto é o que se chama de Paradoxo de Hawking.

Assim, Susskind defende que o Universo tem entropia. Mas tem entropia de área, porque o Buraco Negro não é um volume, mas sim uma área. É uma entropia de superfície. E na verdade, isto conseguimos medir, e vemos que há um aumento de entropia perto do Buraco Negro.

2 – O Paradoxo do Buraco Negro também nos diz que não poderíamos entrar num buraco negro devido à enorme energia que haveria na fronteira chamada Horizonte de Eventos. Hawking diz-nos agora que essa fronteira é aparente. Na verdade, não existe. A “fronteira”, a que convencionamos chamar horizonte de eventos, é gradual. É um “horizonte aparente”.

O mesmo tipo de pensamento podemos utilizar para a Terra. Suponhamos que vimos do espaço e entramos na Terra. Não existe uma fronteira a separar o espaço da atmosfera terrestre. Gradualmente vamos saindo do espaço e entrando na atmosfera terrestre. Será que isso quer dizer que a Terra não existe? Claro que não! Seria um absurdo!

O Horizonte de Eventos é basicamente uma linha, uma circunferência, imaginária (tal como é o Equador na Terra).

3 – Um horizonte aparente ou gradual não é uma proposta radical, porque existe em todo o lado. No entanto, neste caso o que Hawking agora defende é que este horizonte aparente detém temporariamente a matéria e a energia antes de eventualmente libertá-las gradualmente sob a forma de informação – ou seja, Hawking dá agora razão a Susskind.

4 – O título do artigo de Hawking é: “Information Preservation and Weather Forecasting for Black Holes”. Ou seja, é sobre a preservação de informação. Mais precisamente sobre a 1ª e a 2ª Lei da Termodinâmica, que nos diz que a energia de um sistema deve-se conservar e que a entropia tende a aumentar. Hawking defendia que a informação dentro de um buraco negro perde-se quando o buraco negro evapora, o que contraria as leis da termodinâmica. Como se pode conservar a energia de um sistema (Universo) quando esse sistema tem um buraco negro que faz essa energia desaparecer? Na verdade, pode, porque a energia não se perde. Hawking errou, e Susskind ganhou. E, de forma fantástica, Hawking admite isso perfeitamente, porque em ciência a verdade está acima dos egos individuais.

5 – O que se passa é que o próprio horizonte de eventos não existe, e o próprio buraco negro também não como objecto com volume. O Horizonte de Eventos é uma linha imaginária, não é um objecto astronómico. O Buraco Negro é um objecto astronómico, mas sem volume.

Nós não sabemos o volume de buracos negros, por isso não se pode pensar em entropia de forma normal, que é a entropia de um volume. Temos que falar da entropia de área (pelo horizonte de eventos aparente). Neste caso, salva-se o princípio da conservação de energia.

6 – A frase do Hawking no artigo que deu azo a tanta confusão foi esta: “The absence of event horizons mean that there are no black holes – in the sense of regimes from which light can’t escape to in finity.” (“A ausência de horizontes de eventos significa que não existem buracos negros – no sentido de que a luz não pode escapar para o infinito”.) Isto não quer dizer que não existem buracos negros. Somente quer dizer que o infinito não existe neles. Na verdade, nem sequer podemos medir o volume de um buraco negro. Para nós, o buraco negro é o que vemos “bidimensionalmente” no horizonte de eventos aparente.

7 – Esta aparente “bidimensionalidade” manifesta-se também de outra forma. O que entra no Buraco Negro é energia (matéria e radiação). Mas mal passa o aparente horizonte de eventos, converte-se em informação. A energia não existe dentro de um buraco negro. O que existe é informação. Imaginemos por exemplo que entra uma pessoa no buraco negro. Entra assim a energia da pessoa (os seus átomos). No entanto, dentro do buraco negro, passando o horizonte de eventos, já não temos a pessoa, temos sim somente informação da pessoa. Em vez da pessoa, temos, comparativamente, uma fotografia da pessoa.

8 – Como fica então resolvido o Paradoxo de Hawking de que falamos inicialmente?

Ao longo do tempo de vida, o Buraco Negro vai “engolindo” informação. Meter enormes volumes de informação em tão pouca área disponível aumenta a densidade por pixel (neste caso, chamam-se voxels) ou por célula (como se fosse uma folha de cálculo). Como aumenta a densidade, consequentemente aumenta a temperatura. Uma maior temperatura, aumenta os níveis de energia. Com maior energia, as velocidades aumentam, e aumentam tanto que ultrapassam a velocidade da luz. Acontecendo isto, aumenta o caos. Concluindo, o Buraco Negro tem e aumenta a sua entropia.

Este aumento de entropia para lá do que se convencionou chamar horizonte de eventos, compensa a perda de energia que um observador exterior ao buraco negro regista.

Há uma relação proporcional entre o aumento de temperatura dentro de um Buraco Negro e a quantidade de matéria e de radiação que ele atraiu para junto de si. Esse aumento é já hoje observável perto desse horizonte de eventos.

Perdemos matéria e radiação para os buracos negros, mas o Universo não. O Universo mantém a matéria e a energia porque o Buraco Negro faz parte deste Universo e porque compensa o Universo jorrando quantidades iguais de quantas para fora de si, sob a forma de informação (os quantas relatam os bits de informação, os dados sobre a Energia perdida, por exemplo quantas moléculas, quantos átomos e quanta luz se perderam e quanto tempo demorou esse efeito a ocorrer).

O Buraco Negro faz isso enquanto abarca dentro de si a máxima quantidade de informação que consegue. Mas como é pequeno, é uma área e não um volume, é 10×10 e não 10x10x10. Ou seja, não consegue devorar toda a informação e projecta a restante para longe de si de tal forma que conseguimos “observá-la”. O que vemos é a informação, e não a energia que entrou; porque quando a energia passa o horizonte de eventos torna-se informação.

Então pode-se dizer, correndo o risco de se ultra simplificar, que o Buraco Negro se exprime por 100 (os 10×10 duma área) e que consome energia equivalente a 1000 (os 10x10x10 dum volume do espaço “normal”). Ora os 900 que restam serão a informação que o Buraco Negro rejeita porque não tem estômago de dimensão suficiente para tragar tamanha fatia de Energia. E esta é a informação que nós temos, que ele nos dá. A matemática bate certo (com resto 0).

9 – De qualquer modo, como o próprio Hawking admite, até termos uma Teoria do Tudo que junte a gravidade com as outras forças, os buracos negros continuarão a ser misteriosos.

Referências:

[1 Information Preservation and Weather Forecasting for Black Holes (janeiro, 2014).

[2] – Nature: Stephen Hawking: “There are no Black Holes” (janeiro, 2014).

[3] – Universo Racionalista: Stephen Hawking: “Não há Buracos Negros como os conhecemos” (janeiro, 2014).

[4] – AstroPT: Stephen Hawking disse que Buracos Negros não existem? Não, não disse! (janeiro, 2014).

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.