Por Andy Extance
Publicado na Nature
A tecnologia muito difundida por trás do Bitcoin, conhecida como blockchain, intoxicou investidores em todo o mundo e agora está fazendo tentativas de incursões na ciência, estimuladas por grandes promessas de que ela pode transformar elementos-chave da empreitada que é fazer pesquisa. Os seus apoiadores dizem que isso poderia aumentar a reprodutibilidade e o processo de peer review (revisão por pares), criando sequências de dados incorruptíveis e registrando as decisões de publicação de modo seguro. Mas algumas pessoas também argumentam que todo o barulho envolta da blockchain geralmente exagera o seu potencial real e que a implementação dessa abordagem na ciência pode ser caro e criar problemas éticos.
Algumas iniciativas, incluindo Scienceroot e Pluto, já estão desenvolvendo projetos-piloto para o uso de blockchain na ciência. O Scienceroot pretende arrecadar 20 milhões de dólares, o que ajudaria a pagar tanto os revisores quanto os autores de seu journal virtual e de sua plataforma de colaboração. Ele planeja levantar fundos no início de 2018, trocando alguns de seus Science Token que usa para pagamentos por outra moeda digital conhecida como Ether. E o programa algébrico Wolfram Mathematica – que é amplamente utilizado por pesquisadores – atualmente está trabalhando para oferecer suporte para uma plataforma de blockchain em código aberto chamada Multichain. Os cientistas poderiam usar isso, por exemplo, para colocar dados em um espaço de trabalho aberto e compartilhado que não é controlado por qualquer uma das partes em específico, de acordo com a Multichain.
Blockchain, uma tecnologia que cria um registro público e imutável de transações, tem “uma cultura de Velho Oeste, boom ou bust”, diz Martin Hamilton, um analista de futuro da Jisc, um empresa que presta suporte para serviços digitais na educação do Reino Unido. Ele adverte que acadêmicos e empresários podem estar tentados a usar essa tecnologia apenas para que seus projetos pareçam “mágicos e brilhantes”. Como um sinal desta tendência, a empresa de consultoria Deloitte identificou mais de 24 mil projetos de blockchain abortados na plataforma de desenvolvimento de software GitHub em 2016, sendo a maioria da área financeira. No entanto, Hamilton ainda diz que o blockchain tem um potencial incrível. “Vai haver coisas que tentaremos que simplesmente vão explodir em nossas caras”, diz ele. “Mas as recompensas podem ser enormes, se você estiver disposto a assumir uma boa dose de riscos”.
A blockchain dá a base a criptomoedas como o Bitcoin, que é trocado em unidades chamadas bitcoins, com um “b” minúsculo. Ele é criado por uma comunidade de “mineradores”, que executam o software do Bitcoin em seu hardware e competem para descobrir números gigantescos por tentativa e erro. O vencedor desta corrida adiciona um bloco criptografado de transações à cadeia e ganha uma recompensa financeira. Eles então transmitam a sequência de blockchain estendida com o novo bloco a todos os outros mineradores, e o processo começa novamente.
Rastreamento à prova de tolos
Mineração requer muito poder computacional, o que torna improvável que qualquer indivíduo vença essa corrida duas vezes seguidas. Isso é crucial, porque se os mineradores pudessem adicionar mais de um bloco seguido, eles poderiam ganhar poder sobre o registro de transações e até poderiam descartar blocos anteriores que haviam adicionado. Isso na prática reembolsaria suas transações e lhes permitiria gastar os mesmos bitcoins novamente. Em 2016, um grupo de mineradores destacou essa vulnerabilidade, trabalhando em conjunto, para adicionar vários blocos, embora o grupo tenha se separado voluntariamente quando chegaram perto de alcançar isso. E porque a mineração está faminta por poder computacional, os mineradores de Bitcoin consomem mais energia elétrica do que muitos países, de acordo com a plataforma de análise Digiconomist.
Um modo que a tecnologia da blockchain poderia ajudar cientistas é por coletar e preservar de forma confiável os dados sobre as atividades que a pesquisa envolve. Isso facilitaria a reprodução de resultados nos casos em que os relatos publicadas não expliquem suficientemente as metodologias, de acordo com Joris van Rossum, diretor de projetos especiais da Digital Science, uma empresa de pesquisa e tecnologia em Londres. A Blockchain também pode ser usada para rastrear cada transação no processo de peer review, diz van Rossum, o que poderia criar confiança no processo através do reconhecimento dos esforços dos revisores e potencialmente os recompensando com criptomoedas. E blockchains abertas gerariam informações como a frequência com que os pesquisadores coletam medidas, permitindo que as pessoas olhem além de métricas como publicações e citações, ele diz.
Ciência sem moeda
Scienceroot e Plutão fazem parte do mesmo “universo” da tecnologia de open-blockchain das criptomoedas, diz Gideon Greenspan, fundador da Coin Sciences, com sede em Londres, que desenvolveu o MultiChain. Greenspan diz que blockchains do tipo de moedas não são adequadas para arquivos científicos, porque registrar cada transação incorre em um custo financeiro, que se soma facilmente. Os custos nas aplicações acadêmicas aumentariam mais rápido do que nas moedas digitais porque a ciência moderna produz muito mais dados.
As blockchains privadas “permissionadas” sem o elemento monetário – que a MultiChain permite às pessoas configurarem – são uma escolha melhor, diz Greenspan. Essa abordagem sacrifica a segurança oferecida pelo processo de mineração da Bitcoin para um sistema mais simples que dá permissão aos membros para adicionar blocos à sequência em turnos. Isso também diminui o consumo de energia.
Claudia Pagliari, que pesquisa tecnologias digitais de rastreamento de dados de saúde na Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, diz que reconhece o potencial da blockchain, mas os pesquisadores ainda não exploraram bem suas questões éticas. O que acontece se um paciente retirar o consentimento para uma avaliação que é gravada permanentemente em uma blockchain? E pesquisadores sem escrúpulos ainda podem adicionar dados falsos a uma blockchain, mesmo que o processo esteja aberto para que todos possam ver quem os adiciona, diz Pagliari. Uma vez adicionado, ninguém pode mudar essa informação, embora seja possível que ela possa gravá-la como errada.
Na experiência de Pagliari, os pesquisadores que exploram o blockchain estão se tornando conscientes de seus problemas. Ela observa que outros colegas em um recente ‘hackathon’ de Londres no uso de blockchains para melhorar avaliações clínicas, no qual a Microsoft era uma parceira, tiveram o cuidado de alertar sobre o hype. Isso aponta “um realismo de que nenhuma solução é perfeita e de que o valor da blockchain neste contexto ainda não foi provado”, diz Pagliari.