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Telescópio espacial pode transformar a Terra em uma lente de aumento gigante

Por Daniel Clery
Publicado na Science

Quando terminar em algum momento da próxima década, o Europe’s Extremely Large Telescope será o maior do mundo, com um espelho de quase 40 metros de altura. Mas um astrônomo propôs um telescópio espacial ainda mais poderoso – um com o equivalente a um espelho de 150 metros – que usaria a própria atmosfera da Terra como uma lente natural para reunir e focar a luz. O astrônomo David Kipping, da Universidade de Colúmbia, descobriu que um telescópio espacial de 1 metro, posicionado além da Lua, poderia usar o poder de focagem do anel da atmosfera, que é observado ao redor da borda do planeta, para amplificar o brilho de objetos escuros por dezenas de milhares de vezes.

A atmosfera é muito variável para um Terrascópio, como diz Kipping, para produzir belas imagens para rivalizar com as do Telescópio Espacial Hubble. Mas poderia descobrir objetos muito mais fracos do que agora é possível, incluindo pequenos exoplanetas ou asteroides que ameaçam a Terra. Kipping reconhece que mais trabalho é necessário para provar a ideia, mas a tecnologia necessária já existe.

Os astrônomos que leram o paper que Kipping publicou na semana passada no arXiv ficaram encantados e cautelosos. Matt Kenworthy, da Universidade de Leiden, na Holanda, diz que ficou “deslumbrado com o quanto de trabalho e pensamento ele tinha colocado nele”, mas quer mais evidências de que ele funcionará. “Eu gostaria de sentar e fazer um modelo mais realista”, diz ele. Bruce Macintosh, da Universidade Stanford, em Palo Alto, Califórnia, acrescenta: “É um experimento mental interessante, mas há muitos detalhes para se pensar”.

Kipping é bem conhecido por liderar pesquisas por luas em outros sistemas planetários e revelou um forte candidato à primeira exolua no ano passado. Ele diz que o germe da ideia do Terrascópio veio 13 anos atrás, quando ele estava estudando um raro fenômeno atmosférico chamado green flash (flash verde, em português), que aparece exatamente quando o Sol se põe abaixo do horizonte, quando a refração e a dispersão na atmosfera trabalham juntas para selecionar momentaneamente o verde da luz do Sol. Ele percebeu que, do ponto de vista do espaço, você poderia ver um anel verde inteiro, quando o Sol passasse por trás da Terra e sua luz fosse refratada pelo anel de ar em torno da circunferência do planeta.

Kipping também se inspirou na ideia de que o próprio Sol poderia ser usado como uma lente, com sua gravidade focalizando a luz em direção a um detector baseado no espaço. Essa lente solar ampliaria a luz 1 milhão de bilhão de vezes, potencialmente trazendo as superfícies de exoplanetas em vista. A ideia levou à missão Fast Outgoing Cyclopean Astronomical Lens, proposta pela Agência Espacial Europeia em 1993. Mas nunca ganhou força porque o detector teria de ser posicionado 550 vezes a distância entre a Terra e o Sol no espaço, quase 20 vezes mais distante do que Netuno – uma distância que exigiria um século para uma nave espacial alcançar.

Mas o Terrascópio poderia estar muito mais perto de casa, diz Kipping. Ele calculou que a luz superficial de um objeto diretamente atrás da Terra é desviada para um foco de 85% da distância até a lua. É provável que a luz que atinge esse ponto focal encontre nuvens e muita turbulência ao passar pela atmosfera inferior. Mas mova o detector a 1,5 milhão de quilômetros de distância, para um foco quatro vezes mais distante do que a lua, e ele experimentaria a luz que passou pela estratosfera muito mais calma e livre de nuvens a uma altitude de 13,7 quilômetros.

Um telescópio de 1 metro a essa distância, observando por uma noite inteira, veria um objeto impulsionado para 22.500 vezes seu brilho original, ele calcula – o equivalente ao uso de um telescópio de 150 metros. A poderosa amplificação do Terrascópio significa que ele se sobressairia na detecção de objetos muito tênues ou em mudanças mínimas no brilho, diz Kipping, permitindo que ele escaneie o céu em busca de asteroides muito pequenos e escuros ou meça as pequenas quedas de brilho à medida que pequenos exoplanetas passam na frente de estrelas brilhantes.

Para evitar que seja ofuscado pelo disco brilhante da Terra, o telescópio precisaria de uma máscara, conhecida como coronógrafo, para bloqueá-lo. Kipping também diz que ele ainda não levou em conta o impacto do “airglow”, uma luz fraca emitida na atmosfera superior por luminescência e outros processos. Mas ele observa que o brilho poderia ser removido com filtros ou digitalmente, aproveitando o fato de que é constante, enquanto objetos de interesse estão mudando constantemente. O conceito do Terrascópio poderia ser testado, diz ele, com uma missão CubeSat.

Kenworthy diz que a variabilidade da atmosfera poderia degradar seriamente a qualidade da imagem do Terrascópio. Para avaliar o impacto, ele diz: “O próximo passo seria traçar raios com um modelo realista da atmosfera da Terra”. Idealmente, a lente gigante deveria focar a luz em um ponto. “Na realidade, você provavelmente teria um padrão de bolhas”.

Macintosh concorda. “A atmosfera da Terra é uma lente bonita, mas não é a ideal, porque produz imagens muito borradas”, diz ele. Mas ele poderia encontrar uma função ao estudar mudanças de brilho em objetos muito tênues, ao explorar sua função como um enorme “balde de luz”.

De qualquer forma, Kipping tem astrônomos falando sobre a ideia. “Eu não lançaria um satélite com base apenas nesse paper”, diz Kenworthy. “Mas é um excelente primeiro passo”.

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

Divulgador Científico há mais de 10 anos. Fundador do Universo Racionalista. Consultor em Segurança da Informação e Penetration Tester. Pós-Graduado em Computação Forense, Cybersecurity, Ethical Hacking e Full Stack Java Developer. Endereço do LinkedIn e do meu site pessoal.