Pular para o conteúdo

Temos amigos caninos porque os lobos costumavam preferir alimentos diferentes, sugere estudo

Por Carly Cassella
Publicado na ScienceAlert

Humanos e cães percorreram um longo caminho juntos. Por dezenas de milhares de anos, enquanto nossa espécie caçava, forrageava, explorava, criava e cultivava espécies, os caninos estiveram ao nosso lado.

Hoje, enquanto muitos grandes predadores enfrentam perigo e risco de extinção devido à caça e a competição com humanos, os cães, que são descendentes dos lobos cinzentos, continuam sendo os carnívoros mais prolíficos da Terra.

Longe de nossos rivais, eles agora são considerados nossos melhores amigos. Então, como essa aliança notável evoluiu? Por que nossos encontros não terminaram de forma mais violenta?

Cientistas finlandeses apresentaram agora uma resposta intrigante. Em vez de serem atraídos pela comida humana descartada, caçadores e coletores poderiam ter alimentado lobos selvagens com o excesso de carne de que seus corpos não precisavam.

Calculando a energia restante de lobos antigos e das refeições humanas, os autores encontraram pouca competição entre as duas espécies durante o Último Máximo Glacial, há mais de 20.000 anos.

Em meio a esses invernos árticos rigorosos, a carne das presas inevitavelmente ficou mais magra, contendo menos gordura e carboidratos, que era o que faltava na dieta humana naquela época. Em vez disso, a carne se tornou algo como um petisco cheio de proteínas, que os humanos só conseguiam engolir com moderação.

Os lobos antigos, por outro lado, preferiam as presas de inverno como cavalos, alces e veados, que tinham proporções de proteína bem acima do que os primeiros humanos podiam consumir. Como resultado, houve um excedente de carne magra nos meses mais frios do ano, dizem os autores – que era muito para os caçadores-coletores aguentarem.

“Esta ‘superprodução’ de proteína em ambientes árticos e subárticos poderia facilmente ter sido alimento para lobos/cães quando mantidos como animais de estimação”, afirmam os pesquisadores.

“Portanto, no curto prazo durante os meses críticos de inverno, lobos e humanos não teriam competido por recursos e poderiam ter se beneficiado mutuamente da companhia um do outro. Isso teria sido fundamental para manter os primeiros protocães por anos e gerações”.

De forma alguma esta hipótese encerra o debate sobre a domesticação do lobo. A origem dos cães é contestada em quase todos os pontos, seja do “quê“, de “onde“, “quando” e, uma das questões mais fascinantes, “por quê”.

Estudos genéticos revelaram que os cães modernos são descendentes de lobos cinzentos, e costuma-se dizer que esses carnívoros selvagens foram atraídos por nossas sobras, vagando ao redor de nossos acampamentos pré-históricos e ficando cada vez mais domesticados com o tempo. Em outras palavras, os cães podem ter se domesticado.

Outra ideia popular dá aos humanos mais poder domesticador. Isso sugere que os caçadores-coletores domesticaram ativamente os cães para a caça, possivelmente criando lobos solitários ou feridos como animais de estimação.

O novo estudo argumenta que “ambas as hipóteses são problemáticas”.

Lobos indomados, por exemplo, provavelmente não eram grandes parceiros de caça. Tal colaboração teria levado tempo e paciência, o que os autores dizem “não é provável que tenha acontecido durante a fase inicial do animal de estimação, mas mais tarde, quando os cães estavam domesticados e sociáveis ​​com os humanos”.

A ideia de que lobos eram atraídos por nossa comida descartada também pode estar errada. As evidências sugerem que os primeiros cães não foram capazes de digerir as sobras dos humanos e principalmente comeram proteínas na forma de carne magra.

Os cães, portanto, só adquiriram seu gosto por vegetais e outros alimentos humanos mais tarde.

No entanto, a linha do tempo da evolução do cão permanece obscura. Em algum momento entre 27.000-40.000 anos atrás, acredita-se que os lobos tenham sido domesticados e, durante esse tempo, os caçadores-coletores podem muito bem ter capturado e criado filhotes de lobos.

Manter esses animais de estimação exigiria um excesso de comida ao longo de várias gerações, provavelmente por isso que muitos animais mantidos durante a época de caçadores-coletores não eram realmente domesticados.

Como tal, alguns pensam que foi o advento da agricultura que realmente aprofundou nosso relacionamento com os lobos, embora os humanos não tenham feito essa transição até cerca de 10.000 anos atrás. Nosso relacionamento com os cães antecede isso, e a nova pesquisa ajuda a explicar como isso é possível.

“De acordo com nossa teoria, os caçadores-coletores do final do Pleistoceno na Eurásia teriam calorias restantes/excedentes derivadas de animais suficientes para alimentar protocães/lobos capturados durante os meses das carnes magras de inverno e, portanto, humanos e canídeos não teriam competido por recursos”, concluem os autores do novo estudo.

“Dado que não haveria competição por recursos, mesmo um pequeno benefício de manter lobos em cativeiro, como auxílio para caça ou proteção contra predadores, teria sido vantajoso para ambas as espécies”.

Isso também pode explicar como a domesticação de cães pode ter surgido de forma independente, várias vezes diferentes na Eurásia.

Essa é uma hipótese controversa que só foi introduzida nos últimos anos. Em 2016, pesquisas genéticas sugeriram que os primeiros cães domésticos apareceram em ambos os lados do continente eurasiano há mais de 12.000 anos, antes de se encontrarem e se misturarem posteriormente.

Em 2017, no entanto, outras pesquisas genéticas revelaram um único local de origem há mais de 20.000 anos.

Ainda não está claro qual hipótese é a certa, mas dada a comida que os humanos e lobos costumavam comer, a primeira explicação pode não ser tão absurda quanto alguns pensam.

“O fato é que o primeiro animal domesticado foi um grande carnívoro e teria sido um competidor por comida – qualquer um que já passou um tempo com lobos selvagens veria como era improvável que de alguma forma os domássemos de uma forma que levasse à domesticação”, disse Brian Hare, diretor do Centro de Cognição Canina da Universidade Duke (EUA), ao Smithsonian em 2018.

Mas talvez vivêssemos em mais harmonia do que se pensava. Se os lobos cinzentos e os humanos não competissem pelos mesmos recursos, a ideia de que domesticamos animais selvagens em vários locais do Ártico e do Subártico parece mais viável.

Fazer amizade com lobos pode ter sido mais fácil do que parece.

O estudo foi publicado na Scientific Reports.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.