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‘Teoria da ferradura’ é um absurdo – a extrema direita e a extrema esquerda têm pouco em comum

Por Simon Choat
Publicado no The Conversation

Após o primeiro turno das eleições presidenciais francesas, vários comentaristas liberais condenaram o candidato esquerdista derrotado Jean-Luc Mélenchon por se recusar a apoiar o centrista Emmanuel Macron. Sua decisão foi retratada como uma falha em se opor ao Front National, de extrema-direita, e foi argumentado que muitos de seus apoiadores provavelmente votariam em Marine Le Pen no segundo turno. As comparações foram feitas com as eleições presidenciais dos EUA e o suposto fracasso dos partidários de Bernie Sanders em apoiar Hilary Clinton em vez de Donald Trump.

Subjacente a essas afirmações está uma noção mais ampla e cada vez mais popular de que a extrema-esquerda e a extrema-direita têm mais em comum do que qualquer um gostaria de admitir. Isso é conhecido como “teoria da ferradura”, assim chamada porque em vez de imaginar o espectro político como uma linha reta do comunismo ao fascismo, ela retrata o espectro como uma ferradura em que a extrema esquerda e a extrema direita têm mais em comum do que com o centro político. A teoria também está subjacente a muitos dos ataques ao líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, Jeremy Corbyn, que é acusado de se aproximar de regimes autoritários e teocráticos e de promover o antissemitismo dentro de seu partido.

Crédito: Twitter.

Tomadas uma a uma, essas afirmações não resistem a um exame minucioso. Mélenchon deu apoio a Le Pen? Não: ele explicitamente descartou apoiar Le Pen, e a maioria de seus partidários votou em Macron no segundo turno. Existem antissemitas no Partido Trabalhista? Sim: mas existem antissemitas em todos os partidos políticos britânicos; a diferença é que incidentes sucessivos de racismo em outros partidos passam despercebidos (assim como o histórico de longa data de Corbyn de ativismo antirracista).

Os fãs da teoria da ferradura gostam de dar peso e credibilidade às suas opiniões apontando para a alegada história de conluio entre fascistas e comunistas: o exemplo favorito é o Pacto Nazi-Soviético. Mas – além do fato de que a União Soviética desempenhou um papel vital na derrota dos nazistas – é patentemente absurdo comparar Stalin aos esquerdistas de hoje como Mélenchon ou Corbyn.

Em vez disso, podemos encontrar convergência entre extrema-esquerda e extrema-direita no nível da política? É verdade que ambos atacam a globalização neoliberal e suas elites. Mas não há acordo entre a extrema-esquerda e a extrema-direita sobre quem é considerado a “elite”, por que essas elites são um problema e como responder a elas. Quando o bilionário magnata do mercado imobiliário Donald Trump condena as elites globais, por exemplo, ele está simplesmente dando ao público o que ele acha que eles querem ouvir ou simplesmente está se entregando ao dog whistle antissemita.

Para a esquerda, o problema da globalização é que ela deu rédea solta ao capital e consolidou a desigualdade econômica e política. A solução é, portanto, colocar restrições ao capital e/ou permitir que as pessoas tenham a mesma liberdade de movimento que atualmente é concedida a capitais, bens e serviços. Eles querem uma globalização alternativa. Para a direita, o problema da globalização é que ela corroeu comunidades culturais e étnicas supostamente tradicionais e homogêneas – sua solução é, portanto, reverter a globalização, protegendo o capital nacional e colocando mais restrições à circulação de pessoas.

Trump e Sanders atacam a globalização – por razões diferentes. Crédito: Michael Vadon.

Existe uma ressonância ideológica mais fundamental entre a extrema-esquerda e a extrema-direita? Novamente, apenas no sentido mais vago, ambos desafiam o status quo liberal-democrático. Mas eles o fazem por razões muito diferentes e com objetivos muito diferentes. Quando os fascistas rejeitam o individualismo liberal, é em nome de uma visão de unidade nacional e pureza étnica enraizada em um passado romantizado; quando comunistas e socialistas fazem o mesmo, é em nome da solidariedade internacional e da redistribuição da riqueza.

Dada a implausibilidade básica da teoria da ferradura, por que tantos comentaristas centristas insistem em perpetuá-la? A resposta provável é que isso permite que os que estão no centro desacreditem a esquerda, enquanto rejeitam sua própria cumplicidade com a extrema-direita. Historicamente, foram os liberais “centristas” – na Espanha, no Chile, no Brasil e em muitos outros países – que ajudaram a extrema-direita a chegar e se manter no poder, geralmente porque preferiam um fascista no poder do que um socialista.

Os fascistas de hoje também foram facilitados por centristas – e não apenas, por exemplo, aqueles de centro-direita que defenderam explicitamente Le Pen. Quando os centristas imitam a islamofobia e a crítica aos imigrantes da extrema-direita, muitas pessoas começam a pensar que o fascismo é legítimo; quando seguem políticas que exacerbam a desigualdade econômicaatacam a democracia, muitos começam a pensar que o fascismo parece desejável.

Se os liberais realmente desejam compreender e confrontar a ascensão da extrema-direita, então, em vez de difamar a esquerda, talvez devam refletir sobre seus próprios defeitos.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.