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Um crustáceo “gigante” necrófago foi descoberto nas profundezas do oceano

Por Johanna Weston
Publicado no The Conversation

Descobrir uma nova espécie e colocá-la na árvore da vida é uma grande responsabilidade. Tive a sorte de nomear quatro espécies de algumas das partes mais profundas, remotas e menos amostradas do oceano. Cada nova espécie nos ajuda a descobrir como a vida prospera na zona hadal (em qualquer lugar mais profundo do que 6.000 metros). Agora, deixe-me apresentá-lo ao Eurythenes atacamensis.

E. atacamensis é um anfípode, um tipo de crustáceo intimamente relacionado a um camarão, endêmico da Fossa do Peru-Chile (também conhecida como Fossa do Atacama). Medindo mais de 8 centímetros de comprimento, é quase o dobro do tamanho de seu parente mais próximo, o que o torna um gigante.

Abrangendo uma enorme extensão vertical, jovens e adultos podem ser encontrados na fossa entre 4.974 e 8.081 metros. Isso inclui o ponto mais profundo, conhecido como Abismo de Richard.

É um dos membros mais abundantes da comunidade da fossa abissal, juntando-se a um trio de peixes-caracois e isópodes semelhantes a aranhas de patas compridas. Como um necrófago, este anfípode desempenha um papel crítico na cadeia alimentar ao interceptar e redistribuir o alimento que afunda de cima.

Eles rapidamente detectam e consomem carniça fresca, como a cavalinha que usamos como isca na pesca para persuadir peixes a cair na armadilha. Infelizmente, eles também podem ingerir microplásticos acidentalmente.

Um grupo de crustáceos necrófagos comendo uma cavalinha na Fossa do Atacama. Créditos: Alan Jamieson / Universidade de Newcastle.

Seu lar é uma das 35 fossas que alcançam as profundezas do hadal. Essas fossas são formadas por um processo geológico denominado subducção (onde uma placa tectônica é forçada sob a outra, fazendo com que o fundo do oceano mergulhe rapidamente). O volume da Fossa do Atacama é quase igual ao da vizinha Cordilheira dos Andes, também formada pela zona de subducção tectônica.

Comparado com as condições na superfície, o ambiente hadal (ou profundo) parece extremo. É escuro como breu, com temperaturas da água variando entre 1 °C e 4 °C nos pontos mais profundos.

A pressão hidrostática nas profundidades da zona hadal varia de 600 a 1.100 atmosferas – equivalente a colocar uma tonelada na ponta do dedo.

Mas esse ambiente é totalmente normal para os organismos que nele vivem. Os habitantes da zona hadal têm um conjunto de adaptações bioquímicas, morfológicas e comportamentais que lhes permitem prosperar nas fossas. Estudar esses ecossistemas não é uma tarefa fácil – é por isso que a zona hadal foi pouco estudada em comparação com partes mais rasas do oceano.

Em 2018, duas expedições internacionais de pesquisa focaram na zona sul da Fossa do Atacama. Os cientistas embarcaram no navio chileno, RV Cabo de Hornos, para estudar a parte mais profunda da fossa, o Abismo de Richard, como parte da expedição Atacamex.

Um mês depois, os cientistas do navio alemão RV Sonne estudaram o ecossistema de fossas mais amplo, amostrando uma profundidade de 2.500 metros até o Abismo de Richard.

Durante as expedições, submersíveis não tripulados chamados landers foram implantados. Os landers foram equipados com robustos equipamentos de imagem em alto mar e armadilhas com iscas para trazer os animais para uma inspeção mais próxima.

Ambas as expedições foram um sucesso e coletaram centenas de horas de filmagem e milhares de anfípodes – incluindo E. atacamensis – bem como uma nova espécie de peixe-caracol, carinhosamente apelidado de “Little Purple Lovely” (“Roxinho Adorável”, em português) até que seu nome científico oficial seja decidido.

Uma vez que os espécimes chegaram à terra, o trabalho detalhado para classificar, examinar, identificar e descrever novas espécies começou. E. atacamensis é um membro de um gênero bem estudado de águas profundas (Eurythenes), que é notório pelo que é conhecido como especiação criptográfica. Em outras palavras, quando é difícil distinguir visualmente uma espécie da outra.

As fotografias fantásticas de E. atacamensis foram, na verdade, tiradas em uma expedição de 2009 à fossa.

Na época, foi identificado pela primeira vez como E. gryllus. Com os novos espécimes de 2018, contabilizamos a especiação criptográfica aplicando uma abordagem de taxonomia integrativa – emparelhando a morfologia tradicional (o estudo detalhado da forma de um organismo) com o código de barras do DNA. Esta última pesquisa mostrou que na verdade era uma espécie diferente e não-descrita.

Esse processo taxonômico nos ajudou a categorizar os organismos para que pudéssemos descrever mais facilmente as informações biológicas. Juntas, a avaliação visual detalhada e genética nos deram um resultado claro de que E. atacamensis era uma nova espécie.

Uma vez confiantes nos dados, selecionamos vários indivíduos para serem descritos e ilustrados. Esses indivíduos são chamados de espécies-tipo – a mais importante que é o holótipo ou a espécie com “nome”. Escolhemos o nome atacamensis em homenagem à sua casa.

Essa descoberta é outra peça no quebra-cabeça de compreender o mundo em que vivemos e as interações sutis entre os organismos e seu ambiente. Isso nos ajuda a entender como a vida prospera nas partes mais profundas do oceano, em condições que parecem impossíveis para mamíferos terrestres como nós.

Também nos dá um vislumbre da zona hadal – não um habitat extremo sem vida, mas repleto de biodiversidade extraordinária.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.