Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
A água é essencial para a sobrevivência humana. Mas também pode ser perigosa: água contaminada pode espalhar doenças mortais que têm o potencial de erradicar comunidades inteiras. Água limpa e segura oferece à humanidade uma de suas melhores chances de prosperar.
Diversas civilizações antigas, incluindo gregos, egípcios e romanos, filtravam sua água. Escritos em sânscrito que datam de 2.000 a.C. também mencionam métodos de tratamento de água. Agora, os arqueólogos descobriram que os maias da América Central também faziam isso – e seu sistema de filtragem de água era incrivelmente eficaz.
Em um reservatório no lugar que já foi a maior cidade maia de Tikal, cujas ruínas estão escondidas na floresta tropical da atual Guatemala, arqueólogos encontraram zeólito e quartzo – minerais que não são locais para a área, e que são eficazes para ajudar a remover contaminantes como micróbios, metais pesados e compostos de nitrogênio da água. Na verdade, esses minerais são usados ainda hoje em sistemas de filtragem de água.
“O que é interessante é que esse sistema ainda seria eficaz hoje, e os maias o descobriram há mais de 2.000 anos”, disse o antropólogo Kenneth Barnett Tankersley, da Universidade de Cincinnati (EUA).
O zeólito é um mineral bem interessante. É um composto cristalino natural de silício e alumínio, ligado por meio de átomos de oxigênio compartilhados para formar uma rede cristalina aberta. Possui excelentes propriedades de absorção e troca iônica, o que o torna muito eficaz na filtragem de água.
Mas, embora os antigos gregos e romanos o usassem como pozolana – um ingrediente para cimento – em estruturas aquáticas, como pontes e aquedutos, os arqueólogos pensavam que o zeólito não era usado para filtrar água até por volta do início do século 20.
“O aparente sistema de filtração de zeólito no reservatório Corriental de Tikal é o exemplo mais antigo conhecido de purificação de água no hemisfério ocidental”, escreveram os autores, “e o uso mais antigo conhecido de zeólito para descontaminar água potável no mundo”.
A capacidade de ter água limpa era de grande importância e preocupação para os maias, principalmente para Tikal. A única fonte de água da cidade vinha de 10 reservatórios. Dada a grande população e o clima altamente variável que passou por períodos de seca sazonal, sua água potável estava sujeita à contaminação de micróbios e cinábrio, ou sulfeto de mercúrio, um pigmento que os maias usavam com frequência.
É lógico que eles tinham meios de manter a água limpa. Então, Tankersley e sua equipe foram investigar. Eles estudaram três dos maiores reservatórios da cidade antiga, bem como um sumidouro local usado como controle da composição mineral.
A descoberta foi feita no reservatório Corriental, uma importante fonte de água potável para os residentes de Tikal e um dos maiores reservatórios de água potável usados pelos maias há mais de mil anos. Misturado ao sedimento do fundo do reservatório, a equipe encontrou o que procurava: zeólito e areia grossa de quartzo.
O zeólito foi encontrado apenas no reservatório Corriental. Não poderia ter simplesmente estado lá quando o reservatório foi escavado.
Na verdade, a equipe acredita que o mineral foi extraído de um local cerca de 30 quilômetros a nordeste de Tikal. Lá, a rocha vulcânica forma um aquífero conhecido por produzir uma água excepcionalmente clara. O geógrafo da Universidade de Cincinnati, Nicholas Dunning, estava familiarizado com a área depois de realizar um trabalho de campo ali.
“Era um tufo vulcânico exposto e envelhecido de grãos de quartzo e zeólito. Estava jorrando água a uma taxa considerável”, disse Dunning. “Os trabalhadores encheram suas garrafas de água com ele. Era localmente famoso por quão limpa e doce a água era”.
A equipe comparou o quartzo do Corriental e o zeólito do material retirado do aquífero e descobriu que os dois tinham uma correspondência muito próxima. Eles também usaram a datação por radiocarbono para determinar a idade do sedimento: entre 2.185 e 965 anos atrás.
É impossível saber exatamente como o sistema de filtragem funcionava exatamente, mas juntando as evidências, a equipe acredita que eles fizeram uma representação muito boa.
“O sistema de filtração provavelmente foi mantido atrás de paredes de pedra assentadas a seco com os zeólitos e cristais de quartzo formando uma ‘areia macrocristalina’ ainda que barrados com um tecido de lã (tecido de junco ou uma esteira de fibra de palma) ou outro material poroso perecível posicionado acima ou dentro da entrada do reservatório, que eram periodicamente ejetados no reservatório durante enchentes causadas por ciclones tropicais”, escreveram os pesquisadores em seu estudo.
E parece que funcionou. Depósitos de mercúrio, provavelmente de contaminação por cinábrio, haviam sido encontrados anteriormente em vários outros reservatórios de Tikal. Nem um vestígio dele pôde ser detectado em Corriental.
“Os antigos maias viviam em um ambiente tropical e precisavam ser inovadores. Esta é uma inovação notável”, disse Tankersley.
“Muitas pessoas veem os nativos americanos no hemisfério ocidental como não tendo a mesma engenharia ou força tecnológica de lugares como Grécia, Roma, Índia ou China. Mas quando se trata de gerenciamento de água, os maias estavam milênios à frente”.
A pesquisa foi publicada em Scientific Reports.