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Uma paisagem oculta que não podemos mais ver pode explicar o mistério das pirâmides

Traduzido por Julio Batista
Original de Clare Watson para o ScienceAlert

Vendo as famosas pirâmides de Gizé como estão hoje – fortalezas imóveis e impenetráveis ​​cercadas por areias varridas pelo vento e uma metrópole extensa – é difícil imaginar o dia em que foram construídas.

Esses labirintos de pedra, construídos para homenagear os mortos e carregá-los para a vida após a morte, foram erguidos há cerca de 4.500 anos sem tecnologia moderna e com precisão surpreendente.

Mas os egípcios precisavam de muito mais do que algumas rampas primitivas para transportar os blocos de pedra imensamente pesados ​​para a posição.

Um novo estudo sugere que condições ambientais favoráveis ​​permitiram a construção das pirâmides de Gizé, com um antigo braço do rio Nilo servindo de canal navegável para o transporte de mercadorias.

“Para edificar as pirâmides, tumbas e templos do planalto, agora parece que os antigos engenheiros egípcios aproveitaram o Nilo e suas inundações anuais, usando um engenhoso sistema de canais e bacias que formavam um complexo portuário no sopé do planalto de Gizé”, escreveram o geógrafo físico Hader Sheisha, da Universidade de Aix-Marseille, na França, e colegas no paper do estudo.

“No entanto, há uma escassez de evidências ambientais sobre quando, onde e como essas paisagens antigas evoluíram”.

Arqueólogos pensaram há algum tempo que os construtores de pirâmides egípcias poderiam ter dragado cursos de água do rio Nilo para formar canais e portos, aproveitando as inundações anuais que funcionariam como um elevador hidráulico para transportar materiais de construção.

O complexo portuário que os arqueólogos supõem servia às pirâmides de Queóps, Quéfren e Miquerinos atualmente fica a mais de 7 quilômetros a oeste do atual rio Nilo. As enseadas também tinham que ser profundas o suficiente para manter as barcaças carregadas de pedras flutuando.

Perfurações feitas durante obras de engenharia urbana em torno de Gizé moderna produziram evidências estratigráficas de camadas de rocha que são consistentes com um antigo braço do Nilo que se estende em direção à base das pirâmides.

Mas ainda há dúvidas sobre como os egípcios projetaram o acesso à água às pirâmides de Gizé. Na época em que estavam sendo construídos, o norte do Egito estava passando por algumas mudanças climáticas extremas, com inundações repentinas devastando repetidamente a Cidade Perdida das Pirâmides, Heit el-Ghurab, que abrigava trabalhadores sazonais.

Neste estudo, os pesquisadores se voltaram para grãos de pólen fossilizados para pintar uma imagem mais detalhada do sistema fluvial há milênios. Os grãos de pólen podem ser preservados em sedimentos antigos e, em outros estudos, foram usados ​​para reconstruir climas passados ​e paisagens vegetadas que parecem muito diferentes hoje.

Extraindo grãos de pólen de cinco núcleos perfurados na atual planície inundada de Gizé, a leste do complexo da pirâmide, a equipe identificou uma abundância de plantas com flores semelhantes a gramíneas que revestem as margens do rio Nilo e plantas de pântano que crescem em ambientes à beira do lago.

Isso, disseram eles, revela a presença de um corpo de água permanente que cortou a planície inundada de Gizé e evoluiu milhares de anos atrás.

A partir daí, eles traçaram a subida e descida dos níveis de água no braço de Queóps do rio Nilo ao longo de 8.000 anos de história dinástica egípcia, relacionando seus resultados com outros registros históricos.

“Nossa reconstrução de 8.000 anos dos níveis de ramificações de Queóps melhora a compreensão das paisagens fluviais no momento da construção do Complexo da Pirâmide de Gizé”, escrevem Sheisha e colegas.

“O braço de Queóps permaneceu em um nível de água alto… durante os reinados de Queóps, Quéfren e Miquerinos, facilitando o transporte de materiais de construção para o complexo da pirâmide de Gizé.”

Localização dos núcleos (pontos vermelhos) na planície inunidada de Gizé. Tradução: braço de Queóps (Khufu branch), planície inundada do Nilo atual (presdent Nile floodplain), Planalto de Gizé (Giza plateau), Pirâmide de Miquerinos (Menkaure Pyramide), Pirâmide de Quéfren (Khafre Pyramide), Pirâmide de Queóps (Khufu Pyramide), Esfinge (Sphinx), Vale do Templo de Quéops (Khufu Valley Temple), Vale do Templo de Miquerinos (Menkaure Valley Temple) e assentamento de trabalhadores Heit el-Ghurab (Heit el-Ghurab workers settlement). (Créditos: Sheisha et al., PNAS, 2022)

Mas após o reinado do rei Tutancâmon, que ascendeu por volta de 1349 a 1338 a.C., o braço de Queóps do Nilo diminuiu gradualmente até atingir seus níveis mais baixos documentados nos últimos 8.000 anos no final do período dinástico.

Essa queda se correlaciona com assinaturas químicas nos dentes e ossos de múmias egípcias que sugerem um ambiente árido, juntamente com outros registros históricos.

Como em todos os estudos arqueológicos, no entanto, os intervalos de datas cronológicas – dos reinados dos faraós e mudanças ambientais – podem variar muito, então devemos levar esses resultados com cautela.

Mas, ao vincular dados ambientais e históricos, o estudo fornece evidências muito mais diretas do que quando os arqueólogos procuraram fractais ausentes – padrões requintados e auto-repetitivos encontrados frequentemente na natureza – para deduzir que os antigos egípcios podem ter escavado canais de rios ao construir as pirâmides de Dahshur, mais ao sul de Gizé.

“É difícil acreditar na pegada gigantesca que os egípcios deixaram”, disse o geólogo da Universidade de Insbruque, Arne Ramisch, à New Scientist na época.

Os pesquisadores por trás deste último estudo sugerem que abordagens semelhantes podem ser usadas para reconstruir antigas paisagens aquáticas que rodeavam outros complexos de pirâmides egípcias, incluindo a necrópole de Dahshur, quando esses edifícios monumentais foram construídos.

A pesquisa foi publicada na PNAS.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.