Nota inicial: Este é um post que traz algumas características sobre o consumo de álcool e a sua relação com o ser humano. Contará com diversas referências que poderão ser consultadas, como forma de complemento ao texto na medida em que for sendo lido. Muitos materiais trazidos acabam repetindo os assuntos tratados, mas cada um apresenta uma linguagem e uma abordagem particular (recomendo que leia todos). Boa leitura, comente para o caso de surgir alguma dúvida que a literatura não for suficiente para esclarecer.
De quem estamos falando?
O álcool é uma das mais antigas drogas consumidas por nós. Uma das mais presentes até os dias atuais, principalmente porque seu status na sociedade é de aceitação e legalidade.
Juntamente com o tabaco, a bebida alcoólica é tida como droga lícita e seu consumo é legalmente permitido acima de 18 anos (caso brasileiro, mas varia com o país). Da popular cerveja de boteco aos mais requintados vinhos e licores, o álcool está em diversas bebidas consumidas puras ou na forma de drinques. Pode ainda ser bebido com adição de sucos e açúcares, bem como de outros produtos que possam conferir cores e sabores diferenciados ao líquido.
Muitas culturas têm na bebida alcoólica um líquido para acompanhamento de refeições, assim como um fator que agrega amigos e famílias. É consumido junto a celebrações ou até mesmo em momentos de tristeza e reflexão individual. Inspira artistas e também causa problemas nas pessoas que a ele são suscetíveis, sendo consumido desde tempos mais remotos.
Aspectos gerais das bebidas alcoólicas (1) (2)
Álcool: Origem e composição
Origem e difusão ao redor do mundo
A palavra “álcool” tem origem no árabe, al-kohul (também grafado al-kuhul), utilizada na antiga alquimia e que fazia referência a produtos obtidos a partir do processo de destilação. Apesar da origem etimológica, também é possível obter álcool a partir de processos de fermentação, sobretudo utilizando microrganismos, como o fungo presente na levedura da cerveja (Saccharomyces cerevisiae, em inglês).
A importância do álcool remonta tempos antigos, fazendo parte do imaginário do ser humano em mitos e “personificado” na forma de deuses, como o Dioniso dos gregos. As religiões possuem narrativas particularmente interessantes para explicar a nossa relação com o álcool. O cristianismo adotou parte desse legado, empregando o vinho como parte de seu ritual simbólico.
Fora o vinho, é curioso notar que existem monastérios dedicados à produção de bebidas, como as cervejas trapistas. A tradição destes produtores é levada a sério, nos mostrando que o álcool pode ter uma relação benéfica, cultural e histórica, conosco. Esse é um exemplo dentre tantos.
Características químicas, farmacologia e toxicologia do álcool
O álcool é uma substância orgânica, um solvente composto por um grupo alquila ligado a uma ou mais hidroxilas. O álcool etílico é o consumido na forma de bebida. Por ser volátil, se difunde rapidamente por todos os tecidos do corpo, até atingir o cérebro (ultrapassando a camada vascular do encéfalo, a barreira hematoencefálica).
Após ingerido, seu metabolismo é hepático e a excreção é renal. Um efeito secundário muito conhecido portanto é o de provocar diurese, ou seja, aumenta o fluxo urinário do indivíduo. Neste sentido, podemos pensar no álcool como tendo um considerável efeito adverso de desidratação, levando em conta a sua concentração na bebida.
Por causar efeitos no sistema nervoso central (SNC), o álcool é considerado uma substância psicoativa (SPA), ou o termo mais conhecido popularmente, uma droga. É classificado como depressor do SNC, efeito este que se espalha por todos os outros sistemas, principalmente cardiovascular e respiratório.
Ao contrário do que muitas pessoas podem pensar, a euforia do álcool é passageira e logo se torna depressão (por isso o efeito é chamado bifásico). É muito comum que essa depressão no SNC se manifeste de duas formas: tristeza ou agressividade. Logo após essa manifestação, que varia de indivíduo para indivíduo, a sonolência surge como característica marcante do efeito depressor.
Essa depressão, quando do consumo intenso, pode levar ao conhecido coma alcoólico (o coma é um estágio de inconsciência duradoura, podendo ser avaliado numericamente por meio de escalas – como a de Glasgow).
Nota: Por ser depressor, é preciso pensar que ele interage muito facilmente com outras drogas psicotrópicas, como os benzodiazepínicos (os mais vendidos estão sob os nomes comerciais Valium, o diazepam, e Rivotril, o clonazepam) e os hipnóticos (como o zolpidem).
Muitos consumidores de álcool fazem o chamado binge, isto é, o popularmente conhecido “porre”. Binge significa beber uma grande quantidade de álcool em um único episódio. Os efeitos do álcool são progressivos e dependem da sua concentração no sangue, a chamada alcoolemia. Uma consequência do beber episódico em grandes quantidades envolve a famosa “ressaca“, causada pela intoxicação com álcool.
Álcool e sistema nervoso central
Avaliação da orientação médica sobre os efeitos colaterais de benzodiazepínicos
Efeitos adversos de grande importância clínica
A literatura reconhece que o álcool, se consumido em doses moderadas, não provoca danos ao organismo. Quando numa situação de descontrole do seu consumo, pode provocar diversos problemas no funcionamento do organismo, gerando então uma questão clínica a se considerar.
Como ele é consumido na forma de bebida, sua primeira forma de causar lesões é no início do trato gastrintestinal (sobretudo boca, esôfago e estômago). No fígado, a mais conhecida consequência é a cirrose, que leva à hepatite por mau funcionamento do órgão.
Ao ser metabolizado pelo fígado, é transformado em glicose, que por sua vez é armazenada nos hepatócitos na forma de glicogênio. Muitas bebidas alcoólicas possuem importância alimentar, tendo como exemplo clássico o vinho, mas o álcool em si não oferece qualquer valor nutricional. Por esse motivo ele é considerado uma caloria vazia, dando uma sensação temporária de saciedade.
Neste mesmo contexto, e exatamente na direção oposta, o consumo intenso de álcool poderá estar relacionado com problemas de desnutrição e hipovitaminoses, surgindo muito comumente a carência do complexo B. A absorção destas vitaminas estará prejudicado no fígado e nos intestinos, portanto, se faz a reposição vitamínica em pacientes crônicos como forma de auxiliar no tratamento.
O abuso do álcool pode ser o início do quadro de síndrome de dependência alcoólica (SDA). Neste caso, o corpo começa a sentir necessidade de ser suprido com mais doses de álcool. Uma vez instalada e interrompida, a dependência leva o indivíduo a sentir fissura, ou seja, a carência da bebida. Muitas vezes também ocorre a tolerência, que indica a necessidade de se aumentar as doses porque o efeito já não é mais o mesmo com o passar do tempo. Isso acontece porque o corpo perde a sensibilidade que tinha ao álcool, levando o indivíduo a beber mais – vale ressaltar que esse padrão ocorre em praticamente toda droga.
Suas consequências podem ser variadas, dependendo do indivíduo acometido e dos sistemas orgânicos. O álcool consumido excessivamente prejudica não só a curto ou médio prazo, como pode gerar problemas percebidos só vários anos depois. Processos demenciais, problemas de equilíbrio motor e controle das necessidades vitais.
Em gestantes, costuma acontecer a chamada síndrome alcoólica fetal (SAF) com uma frequência considerável. O futuro bebê poderá nascer prematuro, com menor perímetro cefálico e sujeito a sofrimentos dos mais diversos desde o útero. Poderá ser acometido também de déficit cognitivo e problemas de desenvolvimento geral, ou mesmo anomalias severas – nos casos mais extremos.
Síndrome de Dependência do Álcool: critérios diagnósticos
Dependência do álcool: aspectos clínicos e diagnósticos
Ambiente e Desenvolvimento: Efeitos do Álcool Etílico e da Desnutrição
Efeitos do consumo de bebida alcoólica sobre o feto
Problemas sociais e jurídicos
O consumo de álcool está envolto de uma série de fatores biológicos e psicológicos, e por este motivo, ocasiona outra série de fatores sociais, que culminam em medidas adotadas para conter os problemas surgidos destes fatores.
O alcoolismo enquanto doença sofre com o estigma social do “bêbado”, um estereótipo que dificulta o acesso ao indivíduo que desenvolve problemas com o beber. Historicamente, já houve um grande movimento contrário ao consumo de álcool e à sua comercialização. Foi o movimento conhecido como Lei Seca, derivada de questões legislativas e morais.
Hoje, duas questões estão envolvidas mais notadamente com o consumo de álcool:
1) Violência doméstica, estando na bebida o principal “combustível” para agressões, desentendimentos e mortes. Indivíduos alcoolizados provocam conflitos familiares quando do seu comportamento;
2) O trocadilho anterior não foi sem motivo, pois a direção sob o efeito do álcool tem sido um dos principais problemas recentes, originando diversas medidas tomadas contra motoristas embriagados e que quase sempre causam acidentes e prejuízos, sejam estes materiais ou humanos.
Sem falar, é claro, nas questões trabalhistas e em termos de saúde pública. O álcool é o maior elemento catalisador de problemas sociais, porém, a consciência sobre o seu uso, bem como a aplicação de medidas educativas e preventivas, podem ser práticas importantes que venham a ajudar as pessoas no sentido de esclarecê-las.
A complexidade das relações entre drogas, álcool e violência
Livro: Problemas Ligados ao Álcool e a Drogas no Local de Trabalho
Lido o texto e as referências, tire suas conclusões. O tema é rico e cheio de nuances que podem ser estudadas individualmente. Ajuda a nos alimentar com conhecimento e também a retirar nossos preconceitos sobre o assunto.
Mais referências:
O uso do álcool e a evolução do conceito de dependência de álcool e outras drogas e tratamento
Posts anteriores que poderão ser úteis:
Os efeitos do álcool no organismo
O grande problema do julgamento moral sobre drogas