Publicado na Sky and Telescope
A astrônoma Vera Rubin, conhecida por seu trabalho revolucionário que confirmou a existência de matéria escura, morreu em 25 de dezembro de 2016. Ela tinha 88 anos.
O amor que Rubin tinha à astronomia começou muito cedo. Em 1938, quando tinha apenas 10 anos de idade, sua família mudou-se da Filadélfia para Washington, DC, onde ela herdou uma janela voltada para o norte no seu quarto. Lá, ela iria ver o céu noturno girar e ficaria encantada com a sensação do movimento da Terra. Quatro anos mais tarde, ela construiu seu próprio telescópio com seu pai e começou a frequentar reuniões de astrônomos amadores.
Mas isso não quer dizer que esta mulher cientista pioneira trilhou um caminho fácil. Embora seus pais fossem favoráveis, Rubin recebeu pouco encorajamento dos outros para prosseguir na sua paixão pela astronomia. Seu professor de física do ensino médio disse a ela para ficar longe da ciência, na faculdade. E um oficial de admissões da faculdade sugeriu que ela se tornasse uma artista astronômica, ao invés de astrônoma profissional.
Determinada, no entanto, Rubin seguiu os passos de Maria Mitchell – a primeira astrônoma profissional feminina – se matriculando no Vassar College em Poughkeepsie, Nova Iorque. Em uma pausa de verão, ela conheceu Bob Rubin, um então estudante de graduação da Universidade de Cornell. Eles se casaram depois de sua graduação em Vassar.
Rubin completou o seu mestrado na Universidade de Cornell (seu sonho era estudar em Princeton, mas a universidade não aceitava mulheres em seu programa de pós-graduação em astrofísica na época), enquanto o marido terminava o seu PhD. O casal então se mudou para Maryland devido ao novo trabalho de Bob Rubin, no Laboratório de Física Aplicada. Graças a uma oportunidade em um escritório, o renomado físico George Gamow soube do trabalho de mestrado de Rubin em galáxias e pediu para falar com ela. Foi um golpe de sorte que em última análise, levou-a a concluir seu trabalho de doutorado na Universidade de Georgetown sob a orientação dele. A sua tese de 1954 inovou na distribuição espacial de galáxias.
Posteriormente, ela ingressou na faculdade de Georgetown, mas seu trabalho permaneceu sem intercorrências. Ela focou-se na criação dos seus quatro filhos, que mais tarde se tornariam cientistas. “Levei muito tempo para acreditar que fui uma verdadeira astrônoma,” disse ela à Science, em 2002.
A reviravolta ocorreu quando Rubin foi convidada a colaborar com Margaret e Geoffrey Burbidge na Universidade da Califórnia em San Diego. Ela e seu marido passaram um ano trabalhando com o casal Burgidge, que incentivaram suas ideias e, finalmente, deram-lhe um novo sentido à sua realização profissional.
Ela voltou para Maryland como uma nova mulher. Com ânsia e perseverança, ela entrou no Departamento de Magnetismo Terrestre da Carnegie e exigiu um trabalho. Nos anos seguintes, ela fez várias viagens de observação com o colaborador Kent Ford para o Kitt Peak no Arizona e o Cerro Tololo, no Chile. Em 1965, ela ainda se tornou a primeira mulher legalmente autorizada a utilizar o Observatório Palomar, no sul da Califórnia.
O novo trabalho permitiu que Rubin retornasse à sua curiosidade inicial dos movimentos estelares dentro das galáxias. Com os novos avanços da tecnologia, ela foi capaz de estudar a rotação dos limites exteriores das galáxias nas quais ela costumava observar dançando no céu fora da janela do quarto. Suas observações de estrelas orbitando na periferia de galáxias ajudaram a desencadear uma descoberta notável: a grande maioria da matéria é invisível.
Galáxias estão transbordando com Matéria Escura
Em 1933, o astrônomo suíço Fritz Zwicky observou o aglomerado Coma, um conjunto de galáxias com cerca de 50 milhões de anos-luz de diâmetro que está repleto de milhares de galáxias. Ele descobriu que essas galáxias se movem tão rapidamente que deveriam voar para longe do aglomerado. Mas, simplesmente não havia matéria visível suficiente para manter estável o aglomerado de galáxias, juntamente com suas galáxias constituintes. No entanto, o aglomerado Coma se mostrou estável.
Zwicky decidiu então que deveria haver um ingrediente oculto, que ele chamou dunkle Materie, ou “matéria escura”, que mantinha o aglomerado coeso.
A questão permaneceu relativamente apaziguada nas próximas três décadas. Foi Rubin, Ford e seus colegas que reuniram mais uma evidência de que as galáxias individuais também não giram conforme o esperado. Como a maioria das galáxias tem um bojo central luminoso composto de estrelas densamente empacotadas e com arredores fracos compostos por estrelas muito menos, os astrônomos tinham assumido em grande parte, que a maior parte da massa de uma galáxia era concentrada no centro. A conclusão natural, então, é que as galáxias devem girar da mesma forma que o nosso Sistema Solar: os planetas interiores orbitam o Sol mais rápido do que os planetas exteriores.
Mas o trabalho da equipe mostrou que não era o caso. Em seu artigo de 1978 no Astrophysical Journal, os astrônomos olharam para as curvas de rotação galácticas – gráficos que mostram as velocidades orbitais das estrelas e sua distância do centro galáctico – de 10 galáxias (sete são mostradas à direita). Se a matéria visível for o único personagem nesta história, então essas curvas iriam mergulhar para baixo em grandes distâncias, tanto quanto se fosse o caso do sistema solar.
Em vez disso, todas as curvas de rotação apresentavam-se relativamente planas. As estrelas muito distantes dos centros das galáxias, nas franjas pouco povoadas, giram tão rapidamente quanto as estrelas mais próximas do centro. Os cálculos da equipe mostraram que as galáxias devem conter cerca de 10 vezes mais matéria escura do que matéria luminosa.
Rubin é notória por ter dito uma vez: “Em uma galáxia espiral, a proporção de matéria escura/matéria luminosa é um fator de 10. Este é provavelmente um bom número para a relação entre a nossa ignorância/conhecimento.”
Durante a próxima década, Rubin continuou a estudar centenas de galáxias, acumulando ainda mais evidências de matéria escura. Embora a natureza do que a matéria é feita permaneça um mistério hoje, ela tornou-se um dos maiores chavões em astronomia. Observadores continuam a estudá-la, da mesma forma que Rubin fez uma vez, e teóricos estão desesperados para explicá-la.
O legado do Rubin
O amor de Rubin à ciência tomou conta de sua família: todos os seus filhos cresceram para se tornarem cientistas. Judith Young foi uma astrônoma da Universidade de Massachusetts, Amherst, até sua morte prematura devido ao câncer em 2014; David Rubin é um geólogo do Serviço Geológico dos EUA; Karl Rubin é um matemático da Universidade da Califórnia, Irvine; e Allan Rubin é um geólogo da Universidade de Princeton.
Seu marido, um matemático e físico, também foi um dos seus maiores apoiadores; ele faleceu em 2008.
As realizações de Rubin levaram à sua eleição (como a segunda astrônoma na história) para a Academia Nacional de Ciências, em 1981. Em 1996, ela se tornou a primeira mulher a receber a Medalha de Ouro da Royal Astronomical Society desde Caroline Hershel em 1828. Ela apelou repetidamente para que mais mulheres se juntem às ciências, oferecendo encorajamento e combate aos problemas que persistem até hoje. Infelizmente, ela nunca recebeu o Prêmio Nobel que muitos sentem que ela merecia.
Enquanto muitos têm elogiado Rubin por suas descobertas notáveis, por representar o avanço das mulheres na ciência e pelo malabarismo bem sucedido entre carreira e família, ela ficou mais conhecida como um modelo de amor ousado à astronomia. Sua curiosidade infantil presente em toda a sua vida ainda vai encorajar muitos.