Por Antonio Villarreal
Publicado em El Español
A aplicação da nova LOMCE tem relegado o assunto da História da Filosofia no 2° Bacharelado como disciplina optativa. Isso tem gerado um debate, liderado por filósofos e professores desta matéria, sobre se a educação está instrumentalizando e se estamos deixando de formar indivíduos com capacidade crítica em favor do que o mercado exige.
Mas o que Hegel pensaria disso?
“Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência, com a meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo, é isto o que me proponho”, dizia no Prólogo de sua Fenomenologia do Espírito.
E Wittgenstein?
Como recordava o matemático John Allen Paulos em sua A Vida é Matemática, recentemente publicado por Tusquets, “Ludwig Wittgenstein assegurou uma vez que esperava que chegaria um dia em que a filosofia desapareceria como disciplina, mas todas as demais matérias seriam abordadas a partir de uma perspectiva filosófica”. Na realidade, para ser justo, Wittgenstein disse que ela “deveria desaparecer completamente”.
Durante 1969/70, o matemático Manuel de León, até recentemente diretor do Instituto de Ciências Matemáticas (ICMAT), estudava Filosofia no 6° Bacharelado, o equivalente ao 1° Bacharelado atual. “A filosofia é apaixonante quando responde as perguntas que você faz, desde que te levantas”, disse De León. Na classe acontece de escolher um livro e defendê-lo antes dos demais. Sua escolha, o Discurso do Método de René Descartes. Nome completo: Discurso do Método para Conduzir Bem a Própria Razão e Buscar a Verdade nas Ciências. “Uma das reivindicações de muitos matemáticos é que as matemáticas sejam consideradas parte da cultura, como um humanismo”, disse. “Ainda que pareçam muito abstratas, são as que estão mais entrelaçadas com a essência da humanidade”.
O debate dos séculos
Há mais de 2000 anos, Demócrito, Anaximandro ou Tales de Mileto, considerados filósofos, perguntavam-se sobre a origem da matéria, os átomos ou o ápeiron. Do que somos feitos. Esta mesma tarefa é realizada hoje por físicos como os da Organização Europeia para a Investigação Nuclear (CERN).
Outros questionavam a existência da alma ou sobre se o homem é bom por natureza, tarefas hoje realizadas pela neurociência. Se a ciência busca respostas as essas perguntas, por que estudar ciências puras ou engenharia empobreceria o espírito crítico dos estudantes? Talvez o problema é que, como sugeria Wittgenstein, deixa-se de lado ao ensinar esses assuntos o seu caráter humanístico?
“Desde o início, filósofos e matemáticos andam de mãos dadas, são as mesmas pessoas; de fato, o método de dedução lógica foi lançado por Euclides, a partir de premissas e raciocínios lógicos para chegar as conclusões”,reflete De León e define como cientistas Platão, Empédocles ou Heráclito; “Leibniz com o cálculo infinitesimal, Kant… as matemáticas foram impregnando a filosofia, e hoje em dia um filósofo tem que ter conhecimentos científicos ou não saberá o que estará fazendo”, disse e acrescenta: “Se tirar-te a ciência da filosofia, tornara-la algo parecido a uma religião; a filosofia tem que responder as grandes perguntas, mas usando o método científico”.
“Se tirar-te a ciência da filosofia, tornara-la algo parecido a uma religião.”
Os matemáticos abstratos ou físicos teóricos são considerados os filósofos da ciência. “Somos os mais próximos nesse sentido”, disse Juan José Ramírez Mittelbrunn, professor titular de Física Teórica na Complutense. “Hoje em dia, a cosmologia está respondendo com evidências científicas perguntas que foram levantadas há 6000 anos. Qual a idade do mundo? Qual o tamanho do universo? Do que ele é feito? Antes eram respondidas pelas religiões; não tem nada a ver com a Filosofia, que se encarrega mais de questões existenciais ou éticas que têm uma relação muito indireta com a ciência”, disse o físico.
Ramírez Mittelbrunn acredita, portanto, que a história da filosofia tem seu lugar no Bacharelado e não deveria ser jogada para o canto. “Sempre tive interesse pela filosofia, e creio que qualquer estudante de ciências puras, mas principalmente todos os físicos e matemáticos, deveriam ter também”, comenta, e reconhece que a relação dos cientistas puros e dos filósofos é complicada. “Existe uma certa tensão competitiva sobre quem está em posse da verdade, ainda que no Bacharelado esse problema não aconteça, porque a Filosofia move-se a um nível que não entra em colisão com a ciência atual.”
Cientistas ou Filósofos?
A parte mais teórica da ciência move-se a base de hipóteses que, com sorte, um dia são endossadas com experimentos. Nesse sentido, encontramos físicos como Alan Guth, autor da teoria de que o universo se expandiu após o Big Bang, e que, portanto, é provável que existam multiversos, mas como demonstrá-lo? O mesmo ocorre hoje com a Teoria de Cordas ou muitas das hipóteses de Stephen Hawking ou Roger Penrose. Ou nas Matemáticas.
O indiano Srinivasa Aiyangar Ramanujan não tinha sólidos conhecimentos matemáticos e escrevia fórmulas que não se entendiam porque ele tinha aprendido de forma autodidata, “mas como dizia coisas importantes sobre a Teoria dos Números, muita gente se empenhou em tentar compreendê-lo”, explica De León, que coloca outros exemplos de pensadores que colocaram o rótulo de cientistas, embora suas abordagens eram mais filosóficas do que metódicas, como o russo Grigori Perelman, que provou a Conjectura de Poincaré, mas de forma que só ele entendia. “Outro caso é Grothendieck, que criou suas próprias matemáticas, mas como o que ele dizia era muito importante, muita gente tentou decifrá-lo”.
Além disso, como indica o matemático espanhol, “um artigo de Grothendieck não poderia ser publicado na Science, primeiro é muito longo e segundo porque os revisores não entenderiam”.
A parte mais teórica e menos experimental da ciência não entra facilmente na roda dos congressos, revistas e publicações. Às vezes, há mesmo dúvidas de que aquilo continua sendo ciência. “Não é ciência no sentido popperiano, é uma hipótese”, disse Ramírez Mittelbrunn. “Nós físicos teóricos temos um pecado, divagamos demasiadamente, no fundo fazemos menos exercícios, brilhantes, de ideias físico-matemáticas”.
“Nossa postura sobre o conhecimento é muito diferente aos dos filósofos atuais, mas ainda é muito semelhante aos dos renascentistas”, disse o físico teórico. E não apenas renascentistas. No século XX, Bertrand Russell, filósofo, matemático e prêmio Nobel de Literatura “provocou a maior crise da história da matemática com a Teoria dos Conjuntos, provando que não estava bem fundamentada com a qual o mundo em que vivemos tampouco estava, mais nada valia a pena”, aponta De León.
Quando o matemático russo Georg Cantor concebeu seus teoremas com a “infinidade de infinitos”, seu colega alemão David Hilbert disse: “Ninguém vai expulsar-nos do paraíso que Cantor criou para nós”. Senhores professores de filosofia, pode haver algo menos prático e instrumental que isso?