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‘Voyager com esteroides.’ Missão sondaria região misteriosa além do nosso Sistema Solar

Traduzido por Julio Batista
Original de Richard Stone para a Science

Antes de iniciar seu doutorado, Ralph McNutt nunca esteve mais distante ao leste do rio Mississippi. Mas logo depois que o jovem texano chegou ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) no outono de 1975, ele se viu em uma viagem aos limites do Sistema Solar – e além. Procurando por um cargo de assistente de pesquisa, ele acabou no escritório do físico de plasma Herbert Bridge, uma figura imponente na ciência espacial que supervisionou o esforço digno de guerreiros para desmantelar e enviar o cíclotron da Universidade Harvard para o Novo México para o Projeto Manhattan durante Segunda Guerra Mundial. Bridge evidentemente viu uma ambição similar em McNutt e o convidou para trabalhar em um detector de plasma para a Voyager, a missão épica para os planetas exteriores que começou em 1977. “Eu disse: ‘Onde eu me inscrevo antes que você mude de ideia?’”

Agora, este veterano da Voyager, um dos maiores triunfos científicos da NASA, quer colocar seu próprio projeto que tanto ama na plataforma de lançamento. McNutt e colegas do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins (APL) estabeleceram um conceito para a Sonda Interestelar (IP, na sigla em inglês), uma missão de US$ 3,1 bilhões (ou R$ 16,5 bilhões) para ir além do legado que as duas sondas Voyager lançaram uma década atrás depois de deixar a heliosfera, a zona de influência do Sol. Poucos esperavam que a espaçonave sobrevivesse tanto tempo, mas suas observações incríveis que ainda chegam para nós, derrubaram muitas crenças sobre os limites externos do Sistema Solar. “Muitas de nossas noções preconcebidas não funcionaram muito bem”, disse McNutt.

Os dados da Voyager são tão intrigantes que alguns pesquisadores proeminentes afirmam que as sondas ainda não chegaram ao espaço interestelar, talvez porque os limites da heliosfera se estendam mais longe do que geralmente se pensa. Olhar para fora do poleiro da Terra não resolverá a questão. “A única maneira de ver como é o nosso aquário cósmico é estar do lado de fora olhando para dentro”, disse McNutt. “Precisamos colocar instrumentos modernos por aí”, acrescentou Lennard Fisk, físico espacial da Universidade de Michigan (UM), em Ann Arbor, nos EUA. “Nesse sentido, a Solda Interestelar seria revolucionária.”

Agora, McNutt precisa convencer coutros cientistas. Sua equipe entregou um estudo conceitual de IP para o levantamento decenal de física solar e espacial, um exercício comunitário liderado pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina que definirá as prioridades do campo para os próximos 10 anos. O painel deve começar a deliberar no próximo mês e entregar seu veredicto em 2024. Um sinal positivo para IP ajudaria muito a garantir o apoio da NASA para uma sonda que, idealmente, decolaria em 2036. O momento permitiria encontro com Júpiter e sua potente gravidade, que lançaria a sonda em direção ao espaço interestelar. Chegaria cerca de 16 anos depois, na metade do tempo que a Voyager levou.

Cientistas chineses estão projetando uma missão semelhante, chamada Expresso Interestelar, que pode ser lançada na mesma época. “Apertem o cintos”, entusiasma Jim Bell, cientista planetário da Universidade Estadual do Arizona, em Tempe (EUA), e ex-presidente da Sociedade Planetária. “É uma corrida espacial até a borda do Sistema Solar!”

Um desafio para McNutt e seus colegas é vender uma missão que deve durar pelo menos 50 anos, exigindo três ou mais gerações de cientistas. Mais assustador pode ser conquistar corações e mentes na física espacial, que é dominada por especialistas em clima espacial – as erupções solares e ejeções de massa coronal que podem causar estragos em satélites e redes elétricas. “As pessoas estão com muito medo de que um grande projeto sugue todo o financiamento para o resto da ciência que queremos fazer”, disse o físico espacial da APL Pontus Brandt, cientista-chefe do estudo de conceito da missão IP. Mas Merav Opher, astrofísico da Universidade de Boston, diz que ampliar os limites do campo é importante. “Seria míope se continuarmos a financiar apenas o clima espacial.”

“A Voyager em esteroides”, como McNutt chama IP, pode tropeçar nesse primeiro obstáculo. “É um tiro no escuro”, disse Bell, que não tem participação no projeto. Mas a IP tem uma poderosa arma em McNutt, disse Opher, a quem ele chama de “um fantástico líder e agitador”. De acordo com Bell, as excelentes habilidades de mentoria de McNutt também serão críticas. “Você realmente tem que pensar além de sua própria vida”, disse ele.

O espaço interestelar tem sido uma busca ao longo da vida de McNutt, que diz ter sido “um garoto introvertido e nerd” com paixão por ficção científica. Um trabalho que deixou uma impressão profunda nele foi Time for the Stars, de Robert Heinlein, cuja premissa era o paradoxo dos gêmeos, um experimento mental do início do século 20 que procurava explicar um aspecto alucinante da teoria da relatividade especial de Albert Einstein. No romance, um adolescente telepata se junta a uma expedição para procurar planetas habitáveis ​​em torno de outras estrelas; ele passa 4 anos em uma nave espacial que pode viajar perto da velocidade da luz. Ele volta para casa e encontra seu gêmeo idêntico terrestre com 71 anos. Essa premissa inspirou McNutt, de 16 anos, a inventar uma missão interestelar como seu projeto para a feira de ciências de Fort Worth, Texas, EUA, em 1970. Ele expôs os obstáculos físicos de uma viagem tão épica e até criou um protótipo de espaçonave com cartolina, madeira balsa e cola de Elmer.

Ralph McNutt pode angariar apoio para uma missão sobre a qual ele refletiu por meio século? (Créditos: Marvin Joseph/The Washington Post via Getty Images)

No ensino médio, McNutt trabalhou duro para satisfazer sua sede por ciência. Os administradores da escola “estavam mais interessados ​​em evitar que as crianças abandonassem a escola”, mas ele e vários colegas estudantes solicitaram com sucesso um curso de física. Alguns anos depois, McNutt teve a chance de conhecer o “pai das viagens espaciais”: Wernher von Braun, um ex-cientista de foguetes nazista que se mudou para os Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e se tornou o arquiteto-chefe do programa lunar da NASA. Von Braun estava dando uma palestra na Universidade Cristã do Texas e McNutt foi escolhido para um painel de estudantes que faria perguntas. Ele perguntou a von Braun se a NASA tinha planos de colocar humanos em Marte até, digamos, 1990. “Isso não está nos planos”, von Braun respondeu secamente. Em vez disso, disse ele, a agência espacial se concentraria em sondas robóticas. “Fiquei realmente irritado”, disse McNutt. “Eu estava pensando em algo como, ‘O que diabos há de errado com você?’”

McNutt saiu do encontro com o autógrafo de von Braun – agora em seu porão, junto com o modelo da feira de ciências – e uma determinação feroz de se tornar um cientista espacial. Ele tinha talento para matemática – “Eu costumava fazer competições de velocidade com régua de cálculo”, ele confessa – e se formou em física na Universidade A&M do Texas, em College Station (EUA). No MIT, como membro júnior da equipe da Voyager, ele foi ao Cabo Canaveral para o lançamento da Voyager 1 em 1977, e ele se lembra vividamente de uma visita dois anos depois ao controle da missão no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL). Monitores de TV no refeitório do JPL mostravam as primeiras imagens de Io, a lua vulcânica extravagantemente colorida de Júpiter. “Parecia uma laranja podre ou uma torta de pizza. Eu pensei, ‘Oh meu Deus, é tão bonito.’”

As revelações da Voyager sobre os enigmáticos planetas externos continuavam chegando. E as sondas destemidas continuaram. No início dos anos 2000, parecia plausível que um ou ambos atingissem a heliopausa – a fronteira entre a heliosfera e o espaço interestelar, onde a explosão de partículas carregadas do Sol, o vento solar, se extingue. Amenizando essa perspectiva emocionante estava o fato de que as sondas foram projetadas principalmente para interpretar a poderosa magnetosfera de Júpiter, não os campos e partículas muito mais fracos do meio interestelar. “Pelos padrões de hoje, as informações que você pode obter da espaçonave Voyager são primitivas”, disse Bell. Ainda assim, McNutt acrescenta: “O fato de conseguirmos algo foi muito melhor do que nada”.

Uma grande surpresa veio em 2007, quando a Voyager 2, mergulhando abaixo do plano da eclíptica em que os planetas orbitam, cruzou o choque de terminação: onde o vento solar começa a enfraquecer quando é atingido pelo gás e poeira interestelar que atravessa o Sistema Solar. A Voyager 1 havia cruzado o choque 3 anos antes, cerca de 94 unidades astronômicas (UA) da Terra. (Uma UA, a distância média entre a Terra e o Sol, é de aproximadamente 150 milhões de quilômetros.) Mas seu detector de plasma falhou em Saturno em 1980, de modo que não pôde medir a desaceleração do vento solar. Os modelos previam que o vento desaceleraria de 1,2 milhão de quilômetros por hora para cerca de 300.000 quilômetros por hora. Mas a Voyager 2 registrou uma velocidade do vento de 540.000 quilômetros por hora. “Passando pelo choque de terminação, as pessoas diziam ‘Mas que p@$ra!?’”, disse Brandt.

Também intrigante foi que a Voyager 2 atravessou o choque 10 UA mais perto da Terra do que a Voyager 1. Depois que um membro da equipe da Voyager deu a notícia em uma conferência na Suíça, “todo mundo estava tipo, ‘O que está acontecendo?’ disse Elena Provornikova da APL, líder de heliofísica da IP, que estava então no Instituto de Pesquisa Espacial da Academia Russa de Ciências em Moscou. “Começamos imediatamente a falar sobre o que poderia causar essa assimetria – qual poderia ser a física por trás disso.”

(Créditos: C. Bickel/Science)

Os físicos espaciais mais tarde descobriram que os modelos ignoraram amplamente os campos magnéticos interestelares, que comprimem a heliosfera abaixo da eclíptica, disse Provornikova. Os modelos também assumiram que o vento solar é um vendaval constante. Mas oscila com o ciclo de 11 anos de atividade magnética do Sol, outra razão pela qual as duas sondas atingiram o choque a distâncias diferentes.

Para explicar a fraqueza do choque de terminação, os físicos espaciais se voltaram para as descobertas de outras sondas planetárias, como a Cassini, a espaçonave que desvendou os mistérios de Saturno e seus anéis. Uma foi uma melhor compreensão dos íons “captadores”: átomos neutros, principalmente hidrogênio, do espaço interestelar que se ionizam quando encontram o vento solar ou a radiação ultravioleta do Sol. “A Voyager não estava equipada para medir íons captadores”, disse Brandt. “E estes são realmente centrais aqui.” Os cientistas inferiram que os íons captadores que viajam junto com o vento solar ganhariam energia suficiente atravessando o choque de terminação para explicar por que o vento não diminuiu tanto quanto o previsto.

Depois de navegar pela primeira fronteira, as sondas Voyager entraram na heliobainha, a região onde o vento solar diminuído continua a enfraquecer sob uma fuzilaria de gás e poeira enquanto o Sistema Solar avança pelo espaço. Antes do encontro da Voyager, a heliosfera era vista como a fina “pele” da heliosfera. Mas com um vento solar mais forte emergindo de um choque de terminação fraco, a heliobainha deveria ser mais espessa. O vento solar iria mais longe antes de parar na heliopausa, onde o plasma quente e fino de nossa heliosfera dá lugar ao plasma frio e denso do espaço interestelar.

Sem um detector de plasma funcionando, a Voyager 1 foi pressionada a confirmar essa imagem. Mas no início de 2013, cientistas da missão, analisando dados de outros detectores, declararam que a sonda havia de fato deixado a heliosfera meses antes, em 25 de agosto de 2012 – cerca de 122 UA da Terra. Uma queda vertiginosa nos íons do vento solar de energia mais alta e um aumento concomitante nos raios cósmicos resolveram o caso, disseram eles. Seis anos depois, a Voyager 2 atingiu a heliopausa quase à mesma distância do Sol, em uma fase diferente do ciclo solar – sugerindo que, ao contrário do choque de terminação, a heliopausa é insensível à variação solar. “Isso foi simplesmente incrível”, disse Provornikova.

Outros dados não bateram. O campo magnético do Sol, embutido no vento solar, é torcido em espiral pela rotação do Sol. Atravessando a heliopausa, a Voyager 1 deve ter observado uma mudança na direção do campo magnético, já que o campo de torção do vento solar dá lugar a campos interestelares com orientação diferente. “Mas era basicamente a mesma maldita direção do Sol”, disse Brandt. “Todas as pessoas que conhecem a teoria por trás disso ficam perplexas.”

Fisk acha que é um sinal de que as sondas ainda não alcançaram o espaço interestelar. Na edição de 1 de março do The Astrophysical Journal, ele e o colega da UM George Gloeckler propõem que as Voyager 1 e 2 ainda estão na heliobainha, onde encontraram um plasma único contendo dois campos magnéticos: não apenas o campo incorporado no vento, mas um um adicional criado por íons móveis que não são levados pelo vento. “A física muda drasticamente quando você leva em conta isso”, disse ele. Provornikova e outros mantêm a posição firme que as sondas estão no espaço interestelar, argumentando que o campo magnético do vento solar evidentemente se dissipa em distâncias muito maiores do que os modelos anteriores auguravam. “Não vejo um cenário em que a Voyager ainda esteja dentro da heliosfera”, disse Opher.

Não importa quem esteja certo, os cientistas acham as esquisitices do espaço interestelar da Voyager tentadoras. “A Voyager não nos deu as respostas que procurávamos, e devemos aproveitar isso”, disse Fisk. McNutt concorda e, em 2017, montou uma equipe de colaboradores de 45 pessoas – incluindo Fisk e Opher – para desenvolver um conceito de missão. Os cientistas contemplam uma missão interestelar há 50 anos, desde antes da Voyager, disse McNutt, mas “ninguém se sentou e executou os números e fez a engenharia”. O grupo divulgou seu relatório de 498 páginas na reunião da União Geofísica Americana em dezembro de 2021.

O estudo do conceito da missão resolve decisivamente uma questão de engenharia: lançar a sonda em direção ao Sol e usar sua enorme gravidade como um estilingue, uma ideia chamada manobra de Oberth. Depois de se reunir com especialistas de uma empresa de materiais térmicos, a equipe de IP descobriu que o escudo térmico necessário para a sonda passar tão perto do Sol adicionaria muita massa – e risco. “Você não chegaria lá mais rápido” em comparação com um lançamento convencional de uma sonda mais leve, disse McNutt – desde que o lançamento seja em um foguete de carga pesada com um raro terceiro e quarto estágio. McNutt está de olho no Sistema de Lançamento Espacial da NASA, um foguete gigantesco, maior que o Saturno V, que pode ver seu primeiro lançamento neste semestre, enquanto a NASA contempla o envio de astronautas de volta à Lua. E ele acenou para a SpaceX e a Blue Origin sobre um lançamento em um dos grandes lançadores que essas empresas privadas estão desenvolvendo. Após o aumento da gravidade de Júpiter, o IP deve atingir velocidades de mais de 7 UA por ano, cerca de duas vezes mais rápido que as sondas Voyager.

A Sonda Interestelar voaria duas vezes mais rápido que a Voyager. (Créditos: Johns Hopkins APL/Steve Gribben)

A missão Expresso Interestelar da China enviaria duas sondas em direções opostas: uma em direção ao nariz da heliosfera, onde os modeladores acham que ela é bombardeada pelo vento de partículas no espaço interestelar, e a outra em direção à cauda. As observações de ambas as missões “nos darão uma imagem mais abrangente da heliosfera”, disse Wang Chi, diretor-geral do Centro Nacional de Ciências Espaciais da Academia Chinesa de Ciências. Quando sua equipe propôs a missão em 2014, imaginou uma terceira sonda que seria lançada em um caminho perpendicular ao plano da eclíptica, usando propulsão nuclear para escapar da heliosfera. Mas os desafios técnicos são assustadores, e essa sonda por enquanto está no gelo. “Como diz o velho ditado chinês, uma jornada de mil milhas começa com um único passo”, disse Wang. “Devemos fazer com que as duas sondas sejam bem-sucedidas primeiro.”

Embora McNutt diga que a equipe chinesa “guarda suas cartas no bolso”, ele também vê as missões como complementares. “Quanto mais melhor!” disse ele. “Na medida em que você conseguir perspectivas diferentes da estrutura heliosférica e no meio interestelar próximo, você aprenderá muito sobre o que está acontecendo lá fora.”

O relatório de conceito da APL apresenta uma miscelânea científica que a IP pode ter que lidar, dependendo dos instrumentos que ela carrega. No topo da lista está um conjunto de quatro detectores que mediriam partículas em um amplo espectro de energia – desde o plasma mais frio e os íons captadores mais fracos até os raios cósmicos quentes o suficiente para fritar uma fita de DNA. “Com a Voyager, temos lacunas de energia gigantescas”, disse a física da APL Alice Cocoros. Uma melhor detecção de íonsc captadores pode ser a capacidade mais importante, disse Brandt, com os físicos espaciais apenas começando a apreciar o papel não anunciado que eles desempenhariam nas bordas da heliosfera.

Um detector de poeira curaria outro ponto cego da Voyager. “Não sabemos praticamente nada sobre quanta poeira interestelar realmente entra no Sistema Solar”, disse Provornikova, ou como ela interage com o vento solar. Em sua jornada de ida, a IP também pode mapear a nuvem de poeira nos confins do Sistema Solar, remanescente de sua formação. Os contornos dessa poeira “zodiacal” podem refinar os modelos de formação, mas são amplamente desconhecidos porque as medições foram feitas apenas de dentro da nuvem, disse McNutt.

Percorrer-se além da nuvem zodiacal ofereceria outra vantagem: uma visão desobstruída da luz do fundo extragaláctico (FEG) – a soma de toda a radiação produzida desde o Big Bang. A espaçonave New Horizons, cruzando além de Plutão, descobriu recentemente um mistério quando observou um pedaço de céu escuro e registrou cerca de duas vezes mais luz visível do que o atual censo de galáxias pode explicar, informou a equipe da missão na edição de 1 de março do The Astrophysical Journal. Equipado com os instrumentos certos, disse McNutt, a IP “poderia pela primeira vez determinar o brilho absoluto do FEG” em todos os comprimentos de onda.

A Voyager 2 sendo montada antes do lançamento em 1977. Ela atravessaria a heliopausa 41 anos depois. (Créditos: NASA/Interim Archives/Getty Images)

Uma vez no espaço interestelar, a IP também pode seguir a tradição de outras sondas de longo alcance e olhar para casa. Mas, em vez do ponto azul pálido da Terra, capturaria uma imagem de toda a heliosfera. “Você pode ver tudo isso de uma só vez”, disse McNutt, usando uma câmera exclusiva que fotografa uma paisagem noturna giratória de átomos neutros energéticos (ANEs) no estilo Van Gogh gerados na heliobainha quando os íons do vento solar colidem com átomos de hidrogênio interestelar, neutralizando o íons. ANEs de alta energia – aqueles acima de 50 kiloelétron-volts (keV) – são especialmente reveladores. “As simulações mostram que, uma vez acima de 50 keV, algo notável acontece – você começa a ver imagens da forma da heliosfera”, disse Brandt. Mas ele disse com um sorriso: “Provavelmente será a imagem mais cara da história”.

A NASA teve uma prévia em 2008, quando colocou uma espaçonave do tamanho de um pneu de ônibus chamada Interstellar Boundary Explorer (IBEX) em órbita ao redor da Terra. Suas duas câmeras de ANEs capturaram o primeiro mapa de todos os céus de ANEs na heliosfera externa – e revelaram algo incrível: uma fita sinuosa que é mais rica em ANEs do que as áreas circundantes. “O grande círculo no céu”, como Brandt o chama, pode ser uma região logo além da heliopausa, onde os íons presos em um campo magnético geram ANEs. O lançamento ideal da IP em 2036 dispararia a sonda diretamente pela fita.

Os primeiros dados do IBEX apoiaram a noção tradicional de uma heliosfera em forma de cometa, com uma cauda se estendendo duas a três vezes mais no espaço do que o nariz. Mas medições subsequentes do IBEX, Cassini e Voyager apontam para uma heliosfera mais arredondada, e modelos recentes sugerem que é côncava de um lado, como um croissant. Como um companheiro de missão do IBEX, a NASA em 2025 planeja lançar o Interstellar Mapping and Acceleration Probe (IMAP), que observaria a heliopausa de uma estação orbital entre o Sol e a Terra com resolução de imagem muito mais nítida. “O IMAP fornecerá muito para nós”, disse McNutt. Mas a IP, disse ele, será capaz de fornecer o mapa ENA mais revelador de todos, uma vez que saia da heliosfera e tire a foto dos ANEs de alta energia iluminando a heliosfera.

A ciência não pararia depois que a sonda chegasse ao espaço interestelar. Opher diz que IP seria uma “mudança de jogo” em nossa compreensão das nuvens interestelares de gás e poeira que o Sistema Solar atravessa durante a órbita de 230 milhões de anos do Sol em torno do centro da Via Láctea. Como oásis em um deserto, essas nuvens são provavelmente remanescentes de berçários estelares, ricas fontes de hidrogênio que colapsaram sob a gravidade para formar estrelas. Físicos espaciais montaram um atlas de nuvens rudimentares da vizinhança interestelar local. “Parece o esboço de uma criança – mas é tudo o que temos”, disse Brandt.

A IP amostraria diretamente gás, poeira e outras propriedades da Nuvem Interestelar Local, a casa do Sistema Solar nos últimos 60.000 anos. E medindo a absorção da luz das estrelas por átomos de poeira e hidrogênio, poderia sondar a nuvem G próxima, na qual mergulharemos nos próximos 2.000 anos – se a transição ainda não tiver começado. “Não temos ideia do que vai acontecer a seguir”, disse Brandt. Quanto mais densa e fria for uma nuvem, mais impulso ela irá pegar do vento solar. Isso poderia esmagar o casulo magnético do Sol, em detrimento da nossa biosfera.

Controle de missão no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA na época do encontro da Voyager 1 com Saturno em 1980. (Créditos: Peter Ryan/Science Source)

A Voyager descobriu que 75% dos raios cósmicos vindos do espaço interestelar são filtrados nos confins da heliosfera. Se o encontro com a próxima nuvem espremer a heliosfera até a órbita da Terra, as formas de vida seriam expostas a um ambiente de radiação intensa que iria crivar o DNA com mutações, disse Brandt.

Há evidências de tal evento na época em que os primeiros hominídeos estavam apenas começando a pegar ferramentas de pedra, e Brandt reflete sobre uma possível conexão. “Deixe isso entrar na sua mente por um momento”, disse ele. Nos últimos anos, cientistas descobriram isótopos de ferro-60 em amostras de crosta oceânica que datam de 2 milhões a 3 milhões de anos atrás. O Ferro-60 não é encontrado naturalmente na Terra: é forjado nos núcleos de grandes estrelas. Então, ou uma supernova próxima explodiu a heliosfera com a poeira de ferro, ou a heliosfera flutuou através de uma densa nuvem carregada de ferro-60 de uma supernova anterior. De qualquer forma, Brandt comenta: “A heliosfera estava bem dentro de algo, e tivemos uma explosão completa de raios cósmicos galácticos e matéria interestelar por muito, muito tempo”. Para procurar relíquias de outros eventos desse tipo, a IP poderia usar antenas de ondas de plasma para medir essencialmente a temperatura dos elétrons próximos. Regiões quentes podem marcar os caminhos de explosão de material de supernovas passadas.

A equipe de IP está pensando grande de outras maneiras – até mesmo a possibilidade de que a sonda acabe se aproximando de outra estrela e caia em mãos alienígenas. Cada sonda Voyager carrega um disco de ouro cheio de música e vozes que amostram as culturas da Terra. IP provavelmente teria uma versão digital atualizada: um pen drive, talvez, oferecendo um sabor da vida na Terra para alienígenas inseridos em suas próprias heliosferas – desde que um departamento de TI extraterrestre possa descobrir como lê-lo.

Se a pesquisa de décadas apoiar a IP e a NASA a adotar, a agência espacial precisaria persuadir o Congresso de que este emissário de Star Trek vale o preço – e então decidir qual laboratório o comandaria. Recém-saído do mais recente sucesso da APL – a Parker Solar Probe de US$ 1,5 bilhão, que está voando mais perto do Sol do que qualquer outra missão – a equipe de McNutt está ansiosa para debater orçamentos novamente. “Temos muitas missões em nosso currículo. A Parker ficou com cerca de US$ 100 milhões abaixo do orçamento”, disse Brandt.

Enquanto isso, a APL está criando assiduamente a próxima geração de cientistas da IP. Literalmente. “Contamos 13 bebês nascidos durante o estudo de design conceitual”, disse Cocoros, que tem grandes esperanças de que seu filho Luke, que está prestes a completar 2 anos, se apaixone pelo espaço. Ela está esperando uma filha para nascer em novembro. “Acho que ela completará 14 anos até lá!” Durante o estudo de design, o Cocoros serviu como uma ponte entre cientistas e engenheiros enquanto buscavam um ponto ideal: uma carga útil de instrumento que atendesse aos principais objetivos científicos sem deixar pesado demais um lançador convencional. “Adorei ser a cola no meio do projeto”, disse ela.

Cocoros vê McNutt como um mentor. “Eu adoro ele. Se você fizer uma pergunta a ele, ele contará uma história. Uma novela”, disse ela. Ela diz que sua riqueza de conhecimento se reflete em seu escritório na APL, que está repleto de lembranças de uma vida dedicada ao espaço. “É como o cérebro dele. Pilhas e pilhas de fitas VHS de missões passadas, pastas gigantes de não sei o quê.”

Com futuros líderes de IP esperando nos bastidores – e alguns ainda de fraldas – McNutt espera que seu esforço para as estrelas finalmente receba o aval. “Não queremos chutar latas mais longe do que já foram”, disse ele. Para este veterano da Voyager, afinal, é uma viagem que está sendo feita há meio século.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.