Mario Bunge (1919)
Mario Bunge é argentino, doutorou-se em Física e Matemática, mas é mais conhecido como filósofo. Sua obra abrange Semântica, Ontologia, Epistemologia, Filosofia da Ciência e Ética.
Bunge e a Pseudociência
Bunge introduziu dois outros campos cognitivos, além de ciência e pseudociência (BUNGE, 1982):
Ciência Ex.: Física, Química, Biologia, etc. |
Protociência Ex.: Abiogênese, Criônica, Teoria M, Sociobiologia, etc. |
Não-ciência Ex.: Artes, etc. |
Pseudociência Ex.: Parapsicologia, Psicanálise, Frenologia, etc. |
Para Bunge, a pseudociência é perigosa porque
- passa especulação selvagem e dados não controlados por resultados de pesquisa científica
- representa mal a atitude científica (o ‘espírito’ da Ciência);
- contamina alguns campos da ciência, especialmente os ‘soft’;
- é a acessível a milhões de pessoas (enquanto a ciência genuína é difícil e, portanto, elitista);
- tornou-se um negócio multibilionário alimentando-se da crendice popular;
- tem o suporte de poderosos grupos de pressão – às vezes, igrejas e partidos políticos – e a simpatia dos meios de comunicação de massa.
Visões populares de Ciência
Bunge aponta que a Ciência é popularmente vista como:
- Consensual: ciências humanas abrigam controvérsia e Ciência, não. Mas, e as controvérsias sobre a Mecânica Quântica?
- Empírica: Ciência só aceita dados empíricos e sínteses indutivas, excluindo hipóteses. Mas, e não-observáveis como átomos, etc.?
- Utilitária: só resultados práticos contam. Mas isso poderia ser um critério para Tecnologia; a Ciência procura a verdade.
- Formalista: um corpo de conhecimento é científico se foi totalmente matematizado. Mas, e as Ciências em estado embrionário? E a pesquisa experimental?
- Refutacionista: a marca da Ciência é a refutabilidade. Então toda crença refutável é Ciência?
- Metodista: o único requisito para a Ciência é adotar o ‘método científico’. No entanto, a “correlação entre o comprimento do nariz e opinião política” é científica?
Portanto, para Bunge, estes não seriam critérios de demarcação.
Critérios de demarcação de Bunge
Para Bunge (1982), um campo cognitivo tem 8 características C={G, F, D, B, P, K, O, M}:
- G: visão de mundo, ou fundamentação teórica de C;
- F: base formal, ferramentas matemáticas ou lógicas empregáveis em C;
- D: domínio ou universo de discurso de C: os objetos de que C trata;
- B: base específica, conjunto de pressupostos de C, emprestados de outros campos cognitivos;
- P: problemática, ou conjunto de problemas que C pode tratar;
- K: fundo específico de conhecimento acumulado por C;
- O: objetivos ou metas de C;
- M: métodos utilizados por C.
Para um campo cognitivo ser ciência, há 10 condições:
- cada uma das oito componentes acima de C é mutável, embora lentamente, ao longo do tempo, como resultado do próprio avanço da pesquisa;
- a visão de mundo G contém
a. uma ontologia dos objetos;
b. uma epistemologia realista;
c. um espírito de livre pesquisa; - a base formal F é uma coleção atualizada de teorias matemáticas e lógicas;
- o domínio D é composto exclusivamente de entidades reais;
- o fundo específico de conhecimento B é uma coleção atualizada de dados, hipóteses e teorias bem confirmados, obtidos de outros campos cognitivos relevantes a C;
- a problemática P consiste exclusivamente de problemas cognitivos relativos à natureza do domínio D;
- o fundo de conhecimento K é uma coleção de teorias, hipóteses e dados atualizados e testáveis, compatíveis com aqueles em B e obtidos em C previamente;
- os objetivos O incluem descobrir ou utilizar as leis em D, sistematizar hipóteses sobre D em teorias e refinar os métodos em M;
- os métodos em M consistem exclusivamente de procedimentos verificáveis e justificáveis;
- C é uma componente de um campo cognitivo mais amplo.
Qualquer campo de conhecimento que falhar em satisfazer todos as dez condições acima será designada uma pseudociência.
De outra forma, uma pseudociência é um campo cognitivo PS={G, F, D, B, P, K, O, M} tal que
- as oito componentes acima de C mudam muito pouco ao longo do tempo e, se mudam, o fazem de forma limitada, como resultado de pressões externas, não de pesquisa científica;
- a visão de mundo G inclui
a. uma ontologia dos objetos contendo entidades ou processos imateriais, tais como espíritos;
b. uma epistemologia que dá lugar a argumentos de autoridade ou modos de cognição acessíveis apenas para os ‘iniciados’;
c. um espírito de defesa do dogma, incluindo violência, se necessário; - a base formal F de PS é modesta; a lógica não é respeitada e a modelagem matemática é a exceção, em vez da regra;
- o domínio D de PS contém entidades irreais ou não verificáveis, tais como influências astrais, espíritos, superegos, destino, objetos voadores não identificados, etc.
- o fundo específico de conhecimento B de PS é muito pequeno ou nulo; uma pseudociência aprende pouco de outros campos de conhecimento e, por sua vez, contribui pouco para os outros campos;
- a problemática P de PS inclui muito mais problemas práticos relativos à vida humana (incluindo ‘como sentir-se melhor’) do que problemas cognitivos (pseudociências, talvez, fossem melhor descritas como pseudotecnologias);
- o fundo de conhecimento K de PS é praticamente estagnado e contém muitas hipóteses não testáveis ou falsas, em conflito com hipóteses científicas bem confirmadas, e não contém leis;
- os objetivos O de PS são mais práticos do que cognitivos; em geral, não incluem a busca de leis previsões de fatos a partir de leis;
- os métodos em M de PS não são nem verificáveis por procedimentos científicos nem são justificáveis por teorias bem confirmadas; em geral, crítica não é bem vinda nas pseudociências;
- não há outro campo cognitivo, exceto, talvez, outra pseudociência que partilhe com PS e esteja, assim, em posição de enriquecer ou controlar PS; isto é, cada pseudociência PS é praticamente isolada.
Referências
- BUNGE, Mario. Demarcating Science from Pseudoscience. Fundamenta Scientiæ, v. 3, n. 3&4, pp. 369-388, 1982.
- BUNGE, Mario. Teoria e Realidade. São Paulo: Perspectiva.
- BUNGE, Mario. ¿Qué son las seudociencias? Buenos Aires: La Nación, Lunes 19 de febrero de 2001.