Por Chris Baraniuk
Publicado na BBC
Era setembro de 2011 e o físico Antonio Ereditato tinha acabado de chocar o mundo.
O anúncio que tinha feito prometeu derrubar a nossa compreensão do Universo. Se os dados recolhidos por 160 cientistas que trabalham no projeto OPERA estivessem corretos, o impensável tinha sido observado.
Partículas – neste caso, neutrinos – tinham viajado mais rápido que a luz.
De acordo com a teoria da relatividade de Einstein, isso não seria possível. E as implicações para mostrar que tinha acontecido eram vastos. Muitas partes de física precisariam ser reexaminadas.
Embora Ereditato tivesse dito que ele e sua equipe tinham “alta confiança” no seu resultado, eles não afirmaram que o que eles sabiam era totalmente preciso. Na verdade, eles estavam pedindo ajuda à outros cientistas para entender o que tinha acontecido.
No final, descobriu-se que o resultado do OPERA estava errado. Um problema de tempo tinha sido causado por um cabo mal encaixado que deveria ter transmitido sinais precisos dos satélites GPS.
Houve um atraso inesperado no sinal. Como consequência, as medições de quanto tempo os neutrinos levaram para percorrer a distância dada estava errada cerca de 73 nanossegundos, fazendo com que parecesse que tinham percorrido a distância mais rapidamente do que a luz.
Apesar de meses de verificações cuidadosas antes do experimento, e várias checagens duplas dos dados mais tarde, desta vez os cientistas entenderam errado. Ereditato se retratou, embora muitos apontaram que erros como estes acontecem o tempo todo em máquinas extremamente complexas como aceleradores de partículas.
Por que sugerir – mesmo como uma possibilidade – de que algo tenha viajado mais rápido que a luz é tão importante? E será que temos realmente certeza de que nada pode?
Vamos olhar para a segunda dessas questões em primeiro lugar. A velocidade da luz no vácuo é 299.792.458 metros por segundo – cerca de 300.000 km/s. Isso é muito rápido. A luz do Sol leva apenas oito minutos e 20 segundos para percorrer 150 milhões de km e atingir a Terra.
Será que alguma coisa criada pelo homem pode competir em uma corrida com a luz? Um dos mais rápidos objetos já construídos pelo homem, a sonda espacial New Horizons, passou por Plutão e Caronte em julho de 2015. Ele atingiu uma velocidade em relação à Terra de pouco mais de 16 km/s, bem abaixo 300.000 km/s.
Entretanto, fazemos partículas minúsculas viajar muito mais rápido do que isso. No início de 1960, William Bertozzi no Instituto de Tecnologia de Massachusetts experimentou acelerar elétrons cada vez mais.
Pelo fato dos elétrons terem carga negativa, é possível impulsiona-los – ou melhor, repeli-los – através da aplicação da mesma carga negativa a um material. Quanto mais energia aplicada, mais rápido os elétrons serão acelerados.
Você pode imaginar que você só precisa aumentar a energia aplicada, a fim de atingir a velocidade necessária de 300.000km/s, mas verifica-se que simplesmente não é possível que os elétrons se movam tão rápido. Os experimentos de Bertozzi descobriram que usar mais energia simplesmente não causa um aumento diretamente proporcional na velocidade dos elétrons.
Em vez disso, ele precisava usar quantidades cada vez maiores de energia adicional para fazer diferenças cada vez menores na velocidade dos elétrons. Eles ficavam cada vez mais perto da velocidade da luz, mas nunca chegavam à ela.
Imagine viajar por uma porta em uma série de movimentos, em cada um dos quais você viaja exatamente a metade da distância entre a sua posição atual e a porta. Estritamente falando, você nunca vai chegar à porta, porque depois de cada movimento que você faz você ainda tem alguma distância para percorrer. Esse é o tipo de problema que Bertozzi encontrou com seus elétrons.
Mas a luz é feita de partículas chamadas fótons. Por que essas partículas viajam à velocidade da luz quando as partículas como os elétrons não podem?
“À medida que objetos viajam mais e mais rápido, eles ficam mais e mais pesados – e quanto mais pesados eles ficam, mais difícil é conseguir a aceleração, por isso você nunca chegará à velocidade da luz”, diz Roger Rassool, físico da Universidade de Melbourne, Austrália.
“Um fóton, na verdade, não tem massa”, diz ele. “Se tivesse massa, não poderia viajar à velocidade da luz”.
Os fótons são muito especiais. Eles não somente não têm massa, o que lhes dá total liberdade quando se trata de viajar no vácuo, como eles não precisam acelerar. A energia natural que possuem, viajando como ondas, significa que no momento em que são criados eles já estão em alta velocidade.
Na verdade, em alguns aspectos, faz mais sentido pensar na luz como energia do que como um fluxo de partículas, mas sinceramente ela é – um pouco confusa – ambos.
Ainda assim, a luz, por vezes, parece viajar mais lentamente do que poderíamos esperar. Embora os técnicos da internet gostem de falar sobre comunicações viajando a “velocidade da luz” através de fibras ópticas, a luz, na verdade, viaja em torno de 40% mais lenta através do vidro dessas fibras do que viajaria através do vácuo.
Na realidade, os fótons ainda estão viajando a 300.000km/s, mas encontram uma espécie de interferência causada por outros fótons sendo liberados dos átomos de vidro à medida que a onda de luz principal passa. É um conceito complicado, mas é digno de nota.
Da mesma forma, experiências especiais com fótons individuais conseguiram atrasá-los, alterando a sua forma.
Ainda assim, na maioria das vezes, é justo dizer que a luz viaja a 300.000 km/s. Nós realmente não observamos ou criamos qualquer coisa que pode ir tão rapidamente, ou mais rapidamente. Existem alguns casos especiais, mencionados abaixo, mas antes vamos resolver essa outra questão. Por que é tão importante que esta regra da velocidade da luz seja tão rigorosa?
A resposta está, como tantas vezes na física, com um homem chamado Albert Einstein. Sua teoria da relatividade especial explora muitas das consequências destes limites universais da velocidade.
Um dos elementos importantes na teoria é a ideia de que a velocidade da luz é uma constante. Não importa onde você esteja ou o quão rápido esteja viajando, a luz sempre viaja na mesma velocidade.
Mas isso cria alguns problemas conceituais.
Imagine um raio de luz de uma lanterna apontado para um espelho no teto de uma nave espacial parada. A luz vai brilhar, refletir no espelho, e bater no chão da nave espacial. Vamos dizer que a distância percorrida é de 10m.
Agora vamos imaginar que a nave começa a viajar a uma velocidade de arrepiar os cabelos, muitos milhares de quilômetros por segundo.
Quando você acende a lanterna novamente, a luz ainda parece se comportar como antes: ele vai brilhar, bater o espelho, e bater no chão. Mas, a luz terá viajado diagonalmente em vez de verticalmente. Afinal de contas, o espelho agora está se movendo rapidamente junto com a nave espacial.
A distância que a luz viaja, portanto, aumenta. Vamos imaginar que tem um aumento global de 5m. Ou seja, no total, 15 m, em vez de 10m.
E, no entanto, mesmo que a distância tenha aumentado, as teorias de Einstein insistem que a luz ainda está viajando na mesma velocidade. Uma vez que a velocidade é a distância dividida pelo tempo, para a velocidade de ser a mesma, mas a distância ter aumentado, o tempo deve também ter aumentado.
Sim, o próprio tempo deve ter se esticado. Isso parece maluco, mas foi provado experimentalmente.
É um fenômeno conhecido como dilatação do tempo. Isso significa que o tempo viaja mais lentamente para pessoas que viajam em veículos se movendo rapidamente em relação àqueles que são parados.
Por exemplo, o tempo corre 0,007 segundos mais lentamente para os astronautas na Estação Espacial Internacional, que estão se movendo a 7,66 km/s em relação à Terra, em comparação com pessoas no planeta.
As coisas ficam interessantes para as partículas, como os elétrons acima mencionados, que podem viajar a velocidades próximas à da luz. Para estas partículas, o grau de dilatação do tempo pode ser grande.
Steven Kolthammer, físico experimental da Universidade de Oxford, no Reino Unido, aponta para um exemplo envolvendo partículas chamadas múons.
Os múons são instáveis: eles rapidamente decaem em partículas mais simples. Então, rapidamente, de fato, a maioria dos múons que deixam o Sol deveriam ter decaído muito antes de atingir a Terra. Mas, na realidade, os múons chegam à Terra, vindos do Sol, em grande quantidade. Isso foi algo que os cientistas encontraram grande dificuldade para entender.
“A resposta para este enigma é que os múons são gerados com tanta energia que eles estão se movendo em velocidades muito perto da velocidade da luz”, diz Kolthammer. “Então, a experiência de tempo deles, seus relógios internos, realmente funcionam muito lentamente”.
Os múons foram “mantidos vivos” mais que o esperado em relação a nós, graças a uma verdadeira curvatura natural do tempo.
Quando os objetos se movem rapidamente em relação a outros objetos, os seus comprimentos se contraem. Estas consequências, dilatação do tempo e contração do comprimento, são exemplos de mudanças espaço-temporais baseadas no movimento das coisas – como você, eu ou uma nave espacial – que têm massa.
Crucialmente, como disse Einstein, a luz não é afetada da mesma forma – porque não tem massa. É por isso que é tão importante que todos estes princípios caminhem lado a lado. Se as coisas pudessem viajar mais rápido que a luz, eles iriam desobedecer a estas leis fundamentais que descrevem como o Universo funciona.
Isso resume os princípios fundamentais. Neste ponto, podemos considerar algumas exceções e advertências.
Por um lado, enquanto nada nunca foi observado viajando mais rápido que a luz, isso não significa que não é teoricamente possível quebrar este limite de velocidade em circunstâncias muito especiais.
Tomemos, por exemplo, a expansão do próprio Universo. Existem galáxias no Universo afastando-se uma da outra a uma velocidade maior do que a velocidade da luz.
Outra situação interessante diz respeito a partículas que parecem estar expressando as mesmas propriedades, ao mesmo tempo, não importa quão afastadas elas estejam.
Isso é chamado de “emaranhamento quântico”. Essencialmente, um fóton vai virar para trás e para frente entre dois estados possíveis ao acaso – mas essas viradas serão refletidas exatamente em outro fóton em outro lugar, se os dois estiverem entrelaçados.
Dois cientistas, cada um estudando o seu próprio fóton obterão os mesmos resultados ao mesmo tempo, mais rápido do que a velocidade da luz.
No entanto, em ambos os exemplos, é importante notar que nenhuma informação viaja mais rápido do que a velocidade da luz entre duas entidades. Podemos calcular a expansão do Universo, mas não podemos observar qualquer objeto viajando mais rápido do que a luz nele: eles desapareceriam de vista.
Quanto aos dois cientistas com seus fótons, apesar de conseguirem o mesmo resultado ao mesmo tempo, eles não poderiam confirmar o fato com o outro mais rápido do que a luz poderia viajar entre eles.
“Isso nos leva a outros problemas, porque se você for capaz de enviar sinais mais rápido do que a luz você pode construir paradoxos bizarros, onde as informações de alguma forma podem voltar no tempo”, diz Kolthammer.
Existe ainda uma outra maneira possível em que viajar mais rápido do que a luz é tecnicamente possível: fendas no próprio espaço-tempo que permitem que um viajante escape das regras da viagem normal.
Gerald Cleaver na Universidade de Baylor, no Texas, considerou a possibilidade de que um dia poderia construir uma nave espacial mais rápida que a luz. Uma das maneiras de fazer isso poderia ser a de viajar através de um buraco de minhoca. Buracos de minhoca seriam loops no espaço-tempo, perfeitamente consistentes com as teorias de Einstein, que poderiam permitir que um astronauta salte de um Universo para outro através de uma anomalia no espaço-tempo, uma espécie de atalho cósmico.
O objeto que viaja através do buraco de minhoca não excede a velocidade da luz, mas poderia, teoricamente, chegar a um determinado destino mais rápido do que a luz.
Mas os buracos de minhoca podem não estar disponíveis para a viagem espacial. E se em vez disso você distorcer o espaço-tempo de uma forma controlada, para viajar mais rápido do que 300.000 km/s em relação à outra pessoa?
Cleaver investigou uma ideia conhecida como um “drive Alcubierre”, proposto pelo físico teórico Miguel Alcubierre em 1994. Essencialmente, ele descreve uma situação em que o espaço-tempo é achatado na frente de uma nave espacial, puxando-a para a frente, enquanto o espaço-tempo atrás a embarcação é expandido, como se estivesse empurrando a nave.
“Mas então”, diz Cleaver, “há as questões de como fazer isso, e quanta energia ele vai precisar”.
Em 2008, ele e o estudante Richard Obousy calcularam algumas das energias envolvidas.
“Se você pensar em uma nave com cerca de 10m x 10m x 10m – 1000 metros cúbicos – a quantidade de energia necessária para iniciar o processo estaria na ordem de toda a massa de Júpiter”.
Depois disso, a energia precisa ser fornecida continuamente, para assegurar que o processo não falhe. Ninguém sabe como isso seria possível, ou como seria a tecnologia para faze-lo.
“Eu não quero ser mal interpretado séculos a partir de agora por prever algo que nunca iria acontecer”, diz Cleaver, “mas agora não vejo soluções”.
Viajar mais rápido do que a luz, então, continua a ser uma fantasia no momento.
Mas, enquanto isso pode soar decepcionante, a luz não é. Na verdade, na maior parte deste artigo temos estado a pensar em termos de luz visível. Mas realmente a luz é muito, muito mais do que isso.
Tudo, desde ondas de rádio até microondas até luz visível, radiação ultravioleta, raios-X e os raios gama emitidos pela decomposição de átomos – todos esses raios fantásticos são feitos do mesmo material: fótons.
A diferença é a energia, e, portanto, seu comprimento de onda. Coletivamente estes raios compõem o espectro eletromagnético. O fato de que as ondas de rádio, por exemplo, viajam à velocidade da luz é extremamente útil para comunicações.
Em sua pesquisa, Kolthammer construiu um circuito que usa fótons para enviar sinais de uma parte do circuito para outra, então ele pode comentar sobre a utilidade da incrível velocidade de luz.
“A ideia de que nós construímos a infraestrutura da internet, por exemplo, e até mesmo antes disso o rádio, baseada na luz, certamente tem a ver com a facilidade com que podemos transmiti-la”, ressalta.
Ele acrescenta que a luz atua como uma força de comunicação para o Universo. Quando os elétrons de um telefone celular se agitam, os fótons são lançados para fora e fazem outros elétrons se agitarem em seu telefone celular também. É este processo que permite fazer um telefonema.
Essa agitação dos elétrons no Sol também emite fótons – a taxas fantásticas – o que, naturalmente, produz a luz que alimenta a vida na Terra.
A luz é a transmissão do Universo. Essa velocidade – 299,792.458 km/s – permanece asseguradamente constante. Enquanto isso, o espaço-tempo é maleável, e isso permite que todos possam experimentar as mesmas leis da física não importa sua posição ou movimento.
Quem gostaria de viajar mais rápido que a luz mesmo assim? A visão seria boa demais para perder.