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O que é pleiotropismo antagonista?

   Existe um conceito, pleiotropismos antagonista, pouco conhecido, na genética e consequentemente na ciência. Esse conceito ajuda a explicar porque muitos fenótipos, apesar de apresentarem características que atentam contra a adaptabilidade de um organismo, têm seus alelos mantidos estáveis na população. Isso, em um primeiro momento, parece ser estranho, pois, segundo a Teoria da Evolução todas as características que prejudicam a adaptabilidade tendem a ser eliminadas pela seleção natural. Antes de discutir o conceito de pleiotropismo antagonista e seu mecanismo é importante definir antes o que é pleiotropismo.

   Pleiotropismo

   Pleiotropismo é a capacidade de um alelo em um gene interferir em diversas propriedades de um organismo. Por exemplo, em camundongos existe um gene responsável pela coloração da pelagem. Um determinado alelo dominante quando em heterozigose faz com que os camundongos apresentem a coloração da pelagem amarela, já o mesmo alelo em homozigose é letal ainda na fase embrionária. Na prática, o gene está relacionado tanto com o fenótipo da cor do pelo, mas também com a capacidade de sobrevivência dos camundongos.

   Outro exemplo pode ser dado com a coloração da cebola, onde o alelo recessivo responsável pela coloração vermelha também codifica uma serie de enzimas antifúngicas e antibactericidas que não são encontradas nas cebolas brancas. Sendo assim, o gene responsável pela coloração da cebola é ao mesmo tempo, responsável pela produção de substâncias de proteção a esse organismo.

   Em seres humanos temos exemplos mais explícitos, por exemplo, a doença de Huntington é causada por uma mutação (expansão CAG) no gene HTT cromossomo 4. Os portadores de Huntington apresentam uma serie de fenótipos distintos, a partir de uma única mutação, como debilitação motora (perda de equilíbrio e distúrbio na fala, coreia, dificuldade na deglutição); cognitiva (demência , perda de memória); psicológica (pensamento suicida, depressão) entre outras.

   Assim, vimos alguns exemplos acima, na qual alelos de um gene podem codificar fenótipos distintos em tecidos diferentes. Frente a esses esclarecimentos prévios retomaremos a pergunta: o que é pleiotropismo antagonista?

   Pleiotropismo antagonista:

   A pleiotropia antagonista é um conceito elaborado pelo Biólogo evolutivo George C. Williams em 1957. O conceito, basicamente é: alelos de um gene podem controlar características distintas e que as mesmas podem ser contraditórias em relação a adaptabilidade. Na prática, um alelo pode ser tanto bom, quanto ruim. Muitas vezes, de forma simultânea para adaptabilidade (sobrevivência e reprodução) de um organismo.

George C. Williams
George C. Williams

   Sendo assim, podemos observar na natureza alelos em genes que atentam contra a adaptabilidade, mas que ao mesmo tempo favorecem a adaptabilidade. Em um primeiro momento parece ser um pouco confuso pois, via de regra, raciocinamos de maneira formal, onde não admitimos a possibilidade de aspectos contraditórios estarem na mesma unidade. Sendo assim, que exemplos temos de alelos de um gene que codificam características progressivas e regressivas ao mesmo tempo?

  A doença de Tay Sachs (DTS) é uma doença hereditária e neurodegenerativa, causada pela atividade insuficiente da enzima hexosaminidase A, que é uma enzima presente nos lisossomos e responsável pela decomposição de fosfolipídios. Quando a hexosaminidase A é insuficiente ocorre o acúmulo de lipídios no cérebro causando neurodegeneração. O alelo da doença tem alta prevalência nos judeus de Asquenazes que são oriundos da Europa central e oriental. É muito provável que a mutação tenha surgido nessa região ou lá seja uma região de efeito fundador.

   Uma questão importante é que o alelo ao apresentar uma alta prevalência em uma população, e ser uma mutação, significa que o mesmo apresenta uma dinâmica de se fixar (aumentar na população). Mas porque um alelo que causa um prejuízo tão grande no indivíduo quando em homozigose e apresentaria dinâmica de fixação?

   A resposta é que os portadores do alelo em heterozigose apresentam uma resistência significativa contra tuberculose, doença que matava milhares de pessoas na Europa no passado, principalmente antes do surgimento dos antibióticos. Nesse sentido portar o alelo em heterozigose da doença de Tay Sachs era significativamente vantajoso.

   Muitas vezes a característica antagônica pode ocorrer no mesmo tecido, porém o tempo faz com que elas se manifestem de maneira radicalmente oposta. Por exemplo, a mutação de uma única base nitrogenada no gene ALOX15 está associada a redução do risco de osteoporose em mulheres em idade pré-menopausa em relação ao grupo controle (pessoas sem mutação). Porém, já nas mulheres com idade pós-menopausa que apresentam a mutação no gene ALOX15 há risco superior de desenvolverem osteoporose em relação ao grupo controle, ou seja, esse alelo é extremamente vantajoso durante a idade reprodutiva mas se torna extremamente prejudicial no período onde as mulheres não podem mais reproduzir.

   Já no caso de Câncer temos processos curiosos: o gene AR (andrógeno receptor) apresenta uma sequência de repetições de trinucleotídeos CAG que codifica o aminoácido glutamina na proteína. Uma redução dessa repetição por deleção faz com que a proteína do gene AR sofra uma alteração. O resultado é que essa mutação tem resultados contraditórios acerca do risco de câncer em órgãos diferentes.

  Mulheres que apresentam a mutação (redução no número de trinucleotídeos) em AR tem maiores chances de desenvolverem câncer de ovário. No entanto, essa mesma mutação reduz a probabilidade de câncer de mama e potencializa a fertilidade (elemento fundamental para adaptação das espécies e manutenção do alelo na população).

  Existem outros inúmeros exemplos que poderiam ser citados, como os Heterozigotos para Anemia Falciforme ou para os portadores da Beta-Talassemia que apresentam resistência a malária. Assim como os portadores da Doença de Machado-Joseph(SCA3) que tem aumento em seu fitness genético (aumento de fecundidade) o que ajudaria a explicar porque uma doença dominante e que apresenta a tendência de se manifestar cada vez mais cedo no passar das gerações consegue manter seus alelos em dinâmica de estabilidade/crescimento.

  Nesse sentido, o conceito de pleiotropismo antagonista é fundamental para compreender como alelos que estão relacionados a redução da adaptabilidade se mantem e/ou crescem na população. Os fenótipos, de uma maneira geral são interações de elementos genéticos com o ambiente; quando falamos ambiente podemos extrapolar a diversos níveis, uma gota de orvalho, uma floresta e até um planeta.

  Mas ambientes distintos podem também ser regiões diferentes de um mesmo organismo, como tecidos, órgãos, etc. Assim fazendo com que o fenótipo codificados por um gene seja expresso de múltiplas formas em regiões distintas, e muitas vezes até de forma contraditória. Isso só mostra como os elementos biológicos são essencialmente complexos, encantadores e dialéticos.

Para saber mais:

Essa é uma revisão de Pleiotropia Antagonista:
http://bmcmedgenet.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2350-12-160

Esse é um artigo que trata do aumento do fitness em SCA3
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17683516

Pra quem não é familiarizado com os conceitos de genética e quer se aprofundar sugiro a leitura do livro Introdução a Genética do Griffiths, capítulos 1.,2,3 e 6.

Lucas Sena

Lucas Sena

Mestre e doutorando em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).