A sociedade sob uma perspectiva histórica
Para o positivismo, a história é o processo universal de evolução da humanidade, cujos estágios o cientista pode perceber pelo método comparativo, capaz de aproximar sociedades humanas de todos os tempos e lugares. A história particular de cada sociedade desaparece, diluída nessa lei geral que os pensadores positivistas tentaram reconstruir. Essa forma de pensar torna insignificante as particularidades históricas, e as individualidades são dissolvidas em meio a forças sociais impositivas.
Fica claro que dessa forma apenas a lei da evolução, a generalização e a comparação entre formações sociais são valorizadas em detrimento dos processos históricos particulares.
Max Weber, figura dominante na sociologia alemã, com formação histórica consistente, se oporá a essa concepção. Para ele, a pesquisa histórica é essencial para a compreensão das sociedades. Essa pesquisa, baseada na coleta de documentos e no esforço interpretativo das fontes, permite o entendimento das diferenças sociais, que seriam, para Weber, de gênese e formação, e não estágios de evolução.
Portanto, segundo a perspetivas de Weber, o caráter particular e específico de cada formação social e histórica deve ser respeitado. O conhecimento histórico, entendido como a busca de evidências, torna-se um poderoso instrumento para o cientista social.
Weber consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as particularidades de cada sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos mais de gerais de cada fase do processo histórico. Na obra As causas sociais do declínio da cultura antiga, por exemplo, Weber analisou, com base em textos e documentos, as transformações da sociedade romana em função da utilização de mão-de-obra escrava e do servo de gleba, mostrando a passagem da Antiguidade para a sociedade medieval.
Weber, entretanto não achava que uma sucessão de fatos históricos fizesse sentido por si mesma. Para ele, todo historiador trabalha com dados esparsos e fragmentário. Por isso, propunha para suas análises o método compreensivo, isto é, um esforço interpretativo do passado e de sua repercussão nas características peculiares das sociedades contemporâneas. Essa atitude de compreensão é que permite ao cientista atribuir aos fatos esparsos um sentido social e histórico.
A ação social: uma ação com sentido
Cada formação social adquiriu, para Weber, especificidade e importância próprias. Mas o ponto de partida da sociologia de Weber não estava nas entidades coletivas, grupos ou instituições. Seu objetivo de investigação é a ação social, a conduta humana dotada de sentido, isto é, de uma justificativa subjetivamente elaborada. Assim, o homem passou a ter, como indivíduo, na teoria weberiana o significado e especificidade. É o agente social que dá sentido à sua ação: estabelece a conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos.
Para a sociologia positivista, a ordem social submete os indivíduos como força exterior a eles. Para Weber, ao contrário, não existe oposição entre o indivíduo e sociedade: as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação. Cada sujeito age levado por um motivo que é dado pela tradição, por interesses racionais ou pela emotividade. O motivo que transparece na ação social permite desvendar o seu sentido, que é social na medida em que cada indivíduo age levando em conta a resposta ou a reação de outros indivíduos.
Para Weber, a tarefa do cientista é descobrir os possíveis sentidos das ações humanas presentes na realidade social que lhe interessa estudar. O sentido, por um lado, é expressão da motivação individual, formulado expressamente pelo agente ou implícito em sua conduta. O caráter social da ação individual decorre, segundo Weber, da interdependência dos indivíduos. Um ator age sempre em função de sua motivação e da consciência de agir em relação a outros atores. Por um lado, a ação social gera efeitos sobre a realidade em que ocorre. Tais efeitos escapam, muitas vezes, ao controle e à previsão do agente.
Ao cientista compete captar, pois, o sentido produzido pelos diversos agentes em todas as suas consequências. As conexões que se estabelecem entre motivos e ações sociais revelam as diversas instâncias da ação social – políticas, econômicas ou religiosas. O cientista pode, portanto, descobrir o nexo entre as várias etapas em que se decompõe a ação social. Por exemplo, o simples ato de enviar uma carta é composto de uma série de ações sociais com sentido – escrever, selar, enviar e receber -, que terminam por realizar um objetivo. Por outro lado, muitos agentes ou atores estão relacionados a essa ação social – o atendente, o carteiro etc. Essa interdependência entre os sentidos das diversas ações – mesmo que orientadas por motivos diversos – é que dá a esse conjunto de ações seu caráter social.
É o indivíduo que, por meio dos valores sociais e de sua motivação, produz o sentido da ação social. Isso não significa que sujeito possa prever com certeza todas as consequências de determinada ação. Como disse, cabe ao cientista perceber isso. Não significa também que a análise sociológica se confunda com a análise psicológica. Por mais individual que seja o sentido da minha ação, o fato de agir levando em consideração o outro dá um caráter social a toda ação humana. Assim o social só se manifesta em indivíduos, expressando-se sob forma de motivação interna e pessoal.
Por outro lado, Weber distingue a ação da relação social. Para que se estabeleça uma relação social é preciso que o sentido seja compartilhado. Por exemplo, um sujeito que pede informação a outro estabelece uma ação social: ele tem um motivo e age em relação a outro indivíduo, nas tal motivo não é compartilhado. Numa sala de aula, em que o objetivo da ação dos vários sujeitos é compartilhado, existe uma relação social.
Pela frequência com que certas ações sociais se manifestam, o cientista pode conceber as tendências gerais que levam os indivíduos, em dada sociedade, a agir de determinado modo.
A tarefa do cientista
Weber rejeita a maioria das proposições positivistas: o evolucionismo, a exterioridade do cientista social em relação ao objeto de estudo e a recusa em aceitar a importância dos indivíduos e dos diferentes momentos históricos na análise da sociedade. Para a sociologia weberiana, o cientista, como todo individuo em ação, também age guiados por seus motivos, sua cultura e suas tradições, sendo impossível descartar-se de suas prenoções como propunha Durkheim. Existe sempre certa parcialidade na análise sociológica, intrínseca à pesquisa, como a toda forma de conhecimento. As preocupações dos cientistas orientam a seleção e a relação entre os elementos da realidade a ser analisada. Os fatos sociais não são coisas, mas acontecimentos que o cientista percebe e cujas causas procura desvendar. A neutralidade durkheimiana se torna impossível nessa visão.
Entretanto, uma vez iniciado o estudo, este deve se conduzir pela busca da maior objetividade da análise dos acontecimentos. A realização da tarefa científica não deveria ser dificultada pela defesa das crenças e das ideias pessoais do cientista social. Weber, assim como Durkheim e Marx, também era racionalista e estava preocupado em fazer ciência.
Portanto, para a sociologia weberiana, os acontecimentos que integram o social tem origem nos indivíduos. O cientista parte de uma preocupação com o significado subjetivo, tanto para ele como para os demais indivíduos que compõem a sociedade. Sua meta é compreender, buscar os nexos casuais que dêem o sentido da ação social.
Qualquer que seja a perspectiva adotada pelo cientista, ela sempre resultará numa explicação parcial da realidade. Um mesmo acontecimento pode ter causas econômicas, políticas e religiosas, sem que nenhuma dessas causas seja superior à outra em significância. Todas elas compõem um conjunto de aspectos da realidade que se manifesta, necessariamente, nos atos individuais. O que garante a cientificidade de uma explicação é o método de reflexão, não a objetividade pura dos fatos. Weber relembra que, embora os acontecimentos possam ser quantificáveis, a análise do social envolve sempre uma questão de qualidade, interpretação, subjetividade e compreensão.
Assim, para entender como a ética protestante interferia no desenvolvimento do capitalismo, Weber analisou os livros sagrados e interpretou os dogmas da fé do protestantismo. A compreensão da relação entre valor e ação permitiu-lhe entender a relação entre religião e economia.
O tipo ideal
Para atingir a explicação dos fatos sociais, Weber propôs um instrumento de análise que chamou de “tipo ideal”. Assim, por exemplo, em As causas sociais do declínio da cultura antiga, ele procura entender o que teria sido o patrício romano no auge do império, o aristocrata dono de terras que constituía a elite política e econômica de Roma.
Trata-se de uma construção teórica abstrata a partir dos casos particulares analisados. O cientista, pelo estudo sistemático das diversas manifestações particulares, constrói um modelo acentuado naquilo que lhe pareça característico ou fundante. Nenhum dos exemplos representará a forma perfeita e acabada do tipo ideal, mas manterá com ele uma grande semelhança e afinidade, permitindo comparações e a percepção de semelhanças e diferenças. Constitui-se em um trabalho teórico indutivo que tem por objetivo sintetizar aquilo que é essencial na diversidades da manifestações da vida social, permitindo a identificação de exemplares em diferentes tempos e lugares.
O tipo ideal não é um modelo perfeito a ser buscado pelas formações sociais históricas nem mesmo em qualquer realidade observável. É um instrumento de análise científica, numa construção do pensamento que permite conceituar fenômenos e formações sociais e identificar na realidade observada suas manifestações. Permite ainda comparar tais manifestações.
Para Florestan Fernandes, o tipo ideal de Max Weber corresponde a conceitos sociológicos construídos interpretativamente enquanto instrumentos de ordenação da realidade. O conceito, ou tipo ideal, é previamente construído e testado, depois aplicado a diferentes situações em que dado fenômeno possa ter ocorrido. À medida que o fenômeno se aproxima ou se afasta de sua manifestação típica, o sociólogo pode identificar e selecionar aspectos que tenham interesse à explicação, como, por exemplo, os fenômenos típicos “capitalismo” e “feudalismo”.
É preciso deixar claro que o tipo ideal nada tem a ver com as espécies sociais de Durkheim, que pretendiam ser exemplos de sociedades observadas em diferentes graus de complexidade num continuum evolutivo.
A ética protestante e o espírito do capitalismo
Um dos trabalhos mais conhecidos e importantes de Weber é A ética protestante e o espírito do capitalismo, no qual ele relaciona o papel do protestantismo na formação do comportamento típico do capitalismo ocidental moderno.
Weber parte de dados estatísticos que lhe mostraram a proeminência de adeptos da Reforma Protestante entre os grandes homens de negócios, empresários bem-sucedidos e mão-de-obra qualificada. A partir daí, procura estabelecer conexões entre a doutrina e a pregação protestante, seus efeitos no comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista.
Weber descobre que os valores do protestantismo – como a disciplina ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao trabalho – atuavam de maneira decisiva sobre os indivíduos. No seio das famílias protestantes, os filhos eram criados para o ensino especializado e para o trabalho fabril, optando sempre por atividades mais adequadas à obtenção do lucro, preferindo o cálculo e os estudos técnicos ao estudo humanístico. Weber mostra a formação de uma nova mentalidade, um ethos – conjunto os costumes e hábitos fundamentais – propício ao capitalismo, em flagrante oposição ao “alheamento” e à atitude contemplativa do catolicismo, voltado para a oração, sacrifício e renúncia da vida prática.
Um dos aspectos importantes desse trabalho, no sentido teórico, está em expor as relações entre religião e sociedade e desvendar particularidades do capitalismo. Além disso, nessa obra, podemos ver de que maneira Weber aplica seus conceitos e posturas metodológicas.
Alguns dos principais aspectos da análise:
1. A relação entre a religião e a sociedade não se dá por meios institucionais, mas por intermédio de valores introjetados nos indivíduos e transformados em motivo da ação social. A motivação do protestante, segundo Weber, é o trabalho, enquanto dever e vocação, como um fim absoluto em si mesmo, e não o ganho material obtido por meio dele.
2. O motivo que mobiliza internamente os indivíduos é consciente. Entretanto, os atos individuais vão além das metas propostas e aceitas por eles. Buscando sair-se bem na profissão, mostrando sua própria virtude e vocação e renunciando aos prazeres materiais, o protestante puritano se adapta facilmente ao mercado de trabalho, acumula capital e o reinveste produtivamente.
3. Ao cientista cabe, segundo Weber, estabelecer conexões entre a motivação dos indivíduos e os efeitos de sua ação no meio social. Procedendo assim, Weber analisa os valores do catolicismo e do protestantismo, mostrando que os últimos revelam a tendência ao racionalismo econômico, base da ação capitalista.
4. Para construir o tipo ideal de capitalismo ocidental moderno, Weber estuda as diversas características das atividades econômicas em várias épocas e lugares, antes e após o surgimento das atividades mercantis e da indústria. E, conforme seus preceitos, constrói um tipo gradualmente estruturado a partir de suas manifestações particulares tomadas à realidade histórica. Assim, diz ser o capitalismo, na sua forma típica, uma organização econômica racional assentada no trabalho livre e orientada para um mercado real, não para a mera especulação ou rapinagem. O capitalismo promove a separação entre empresa e residência, a utilização técnica de conhecimentos científicos e o surgimento do direito e da administração racionalizados.
Análise histórica e método compreensivo
Weber teve uma contribuição importantíssima para o desenvolvimento da sociologia. Em meio a uma tradição filosófica peculiar, a alemã, e vivendo os problemas de seu país, diversos dos da França e da Inglaterra na mesma época, pode trazer uma nova visão, não influenciada pelos ideais políticos nem pelo positivismo de origem anglo-francesa.
Sua contribuição para a sociologia tornou-o referência obrigatória. Mostrou, em seus estudos, a fecundidade da análise histórica e da compreensão qualitativa dos processos históricos sociais.
Embora polêmicos, seus trabalhos abriram portas para as particularidades históricas das sociedades e para a descoberta do papel da subjetividade na ação e na pesquisa social. Weber desenvolveu suas análises de forma mais independente das ciências exatas e naturais. Foi capaz de compreender a especificidade das ciências humanas como aquelas que estudam o homem como um ser diferente dos demais e, portanto, sujeito a leis de ação e comportamento próprios.
Outra novidade do pensamento weberiano no desenvolvimento da sociologia foi a ideia do indeterminismo histórico. Ao contrário de seus predecessores, ele não admitia nenhuma lei preexistente que regulasse o desenvolvimento da sociedade ou a sucessão de tipos de organização social. Isso permitiu que ele se aprofundasse no estudo das particularidades, procurando entender as formações sociais em suas singularidades, especialmente a jovem nação alemã que ele via despontar como potência. Nesse sentido, contribuiu também para a formação de um orçamento alemão, crítico, histórico e consoante com sua época.
Outros sociólogos alemães puseram em prática o método compreensivo de Weber, como Sombart, igualmente um estudioso do capitalismo ocidental. Weber desenvolveu também trabalhos na área de história econômica, buscando as leis de desenvolvimento das sociedades. Estudou ainda, com base em fontes históricas, as relações entre o meio urbano e agrário e o acúmulo de capital auferido pelas cidades por meio dessas relações.
Bibliografia
- WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967.
- ____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix. 1970.
- ____. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Moraes, 1987.
- ____. As causas sociais do declínio da cultura antiga. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber, Sociologia. São Paulo: Ática, 1979.
- FERNANDES, Florestan. A natureza sociológica da sociologia. São Paulo: Ática, 1980. (Ensaios).