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Dietas com restrição de carboidratos e os tratamentos para diabetes

AVISO: Ao cogitar alguma mudança na sua dieta, certifique-se de que buscou as melhores e mais confiáveis orientações profissionais. Nunca altere sua dieta sem antes consultar profissionais da saúde, sobretudo nutricionistas. Qualquer modificação dietética pode oferecer riscos à sua integridade física.

O texto a seguir busca trazer uma discussão acerca do artigoDietary carbohydrate restriction as the first approach in diabetes management: Critical review and evidence base, que é uma revisão crítica de artigos revisados por pares, fruto da colaboração entre pesquisadores de diversos países: Alemanha, Canadá, Dinamarca, EUA, Finlândia, Kuwait, Reino Unido (Escócia) e Suécia. Foi publicado no periódico Nutrition em 2015 e é de livre acesso.

Este trabalho aborda o emprego de dietas com restrição de carboidratos para os casos de diabetes, as chamadas dietas low-carb. É tido que esse tipo de dieta se constitui da forma inicial para se tratar diabetes do tipo 2 de modo eficaz, além de ser uma importante terapia adjuvante associada ao tratamento farmacológico para o diabetes tipo 1. É tido, inclusive, que a dieta com restrição de carboidratos permite até que se suspenda o uso de hipoglicemiantes orais, os medicamentos utilizados para diminuir a glicemia do indivíduo.

Considere:

Diabetes tipo 1 → Também conhecida como insulinodependente, é a que costuma se manifestar ainda na juventude e possui causas principalmente genéticas. As células do pâncreas que produzem insulina são destruídas ou inutilizadas pelo próprio organismo.

Insulina

Diabetes tipo 2 → É causada sobretudo pela dieta e pelo estilo de vida, associada a uma insuficiência progressiva do pâncreas em produzir insulina.

Serão usados como sinônimos:

Dietas muito pobre, pobre e dieta rica em carboidratos, respectivamente, para very low-carb, low-carb e high-carb.

Partamos então para o artigo:

Introdução e definições iniciais

O artigo começa abordando que a restrição na ingestão de carboidratos sempre foi compreendida como a melhor abordagem inicial no tratamento do diabetes, antes mesmo de existir conhecimento sobre o uso clínico da insulina. Apesar de controversas entre alguns profissionais, as dietas com restrição de carboidratos demonstram sua efetividade, apresentando baixo risco e permitindo boa adesão por parte do paciente.

É tido que um grande problema consiste de encontrar uma definição única para o que sejam as dietas com restrição de carboidratos. Os autores reconhecem que há diferentes níveis de tolerância aos açúcares em cada organismo, mas como forma de determinar isso objetivamente, foi estabelecida uma tabela com base em estudos empíricos que diz o seguinte:

Com base em 2000 quilocalorias por dia (kcal/d)

  • Muito pobre em carboidratos (20 a 50 gramas/dia ou menos de 10%);
  • Pobre em carboidratos (menos de 130 gramas/dia ou menos de 26%);
  • Moderada em carboidratos (de 26 a 45%);
  • Rica em carboidratos (acima de 45% da dieta).

Dito isso, vamos às evidências reunidas:

As 12 Evidências

1) Hiperglicemia é a característica que mais se destaca no diabetes. A restrição de carboidratos na dieta tem o maior efeito em reduzir os níveis de glicemia.

Uma vez compreendido que o aumento na taxa glicêmica faz parte do quadro clínico do diabetes, seja como sintoma ou como complicação clínica, as referências apontam que houve uma redução significativa da glicemia (o chamado perfil glicêmico) a partir da adoção de uma dieta reduzida em sua quantidade de carboidratos. Uma dieta muito pobre em carboidratos contribui para um melhor controle glicêmico.

2) Durante as epidemias de obesidade e diabetes tipo 2, o aumento na ingestão de calorias foi devido ao aumento na ingestão de carboidratos.

Os dados apontam que entre 1974 e 2000, período em que uma série de estudos foram realizados nos EUA sobre o perfil nutricional da população (National Health and Nutrition Examination Surveys – NHANES), o aumento expressivo na ingestão de carboidratos foi responsável pela expansão dos casos de obesidade e diabetes tipo 2. Vale ressaltar que os acúmulos de gordura no fígado e no pâncreas estão relacionados com o surgimento de diabetes tipo 2, porque a gordura tira a sensibilidade das células que produzem insulina (as células beta das ilhotas de Langerhans, localizadas no pâncreas).

3) Benefícios da dieta com restrição de carboidratos não requerem perda de peso*.

É importante ressaltar que um elemento do quadro clínico do diabetes tipo 2 é justamente a perda de peso, da mesma forma em que pacientes diabéticos não apresentam sobrepeso. Emagrecer não é um requisito para que ocorra um controle glicêmico e dos outros sintomas do diabetes. As evidências apontam que é possível fazer isso sem que uma coisa esteja relacionada com a outra. A isso se adiciona a dificuldade que comumente as pessoas apresentam para perder peso.

* Observação: (entenda peso como sinônimo para massa, o que é um erro consagrado pelo uso que repetirei aqui com frequência).

O emagrecimento é uma característica do quadro diabético.

4) Apesar da perda de peso não ser requerida para o benefício, nenhuma intervenção dietética é melhor do que restrição de carboidratos para se perder peso.

Quando comparados dois grupos, um realizando uma dieta pobre em carboidratos, enquanto que o outro realizava uma espécie de “dieta saudável” largamente recomendada no Reino Unido, ao grupo que reduziu carboidratos teve perda de peso muito mais significativa do que o segundo grupo. A possibilidade de emagrecimento ocorreu de modo mais importante quando da redução de açúcares, do que no grupo que reduziu a ingestão de lipídios. Os resultados apresentados nas dietas pobres em lipídios são pouco expressivos, por exemplo, quando estudado esse suposto efeito em um grupo de mulheres na pós-menopausa.

Nota: Obviamente, e eu faço aqui essa ressalva, uma coisa não exclui a outra. Não está aqui se justificando dietas com excesso de gorduras. A tudo se pede moderação e acompanhamento profissional.

5) A aderência a dietas pobres em carboidratos em pessoas com diabetes tipo 2 é pelo menos tão benéfica quanto a aderência a qualquer outra intervenção dietética e é com frequência significativamente melhor.

Trocando em miúdos… Isso está relacionado com a capacidade que proteínas e gorduras possuem de promover saciedade, em detrimento de carboidratos. Os hormônios relacionados com a saciedade, e nisso a insulina apresenta um papel fundamental como mediadora, ajudam a entender como funciona o nosso comportamento em relação à comida. O número de calorias consumidas pode ser igualado em dietas pobres em carboidratos, tendo uma função tão ou mais significativa para o indivíduo. O que ajuda a sentir saciedade por mais tempo, e com menos carboidratos.

6) Reposição de carboidrato com o emprego de proteína é geralmente benéfica.

Diversas análises de outras pesquisas apontam que dietas com reduzida quantidade de carboidratos são mais favoráveis a efeitos, como por exemplo, a já citada perda de peso e a redução no risco de doenças cardiovasculares. No caso das proteínas, um nutriente constitutivo da estrutura corporal, quando numa dieta em que elas se encontram mais presentes que os carboidratos (high-protein diets), elas ajudam o corpo a conservar mais energia e ainda contribuem para a redução destes riscos, favorecendo maior perda de peso e um ganho significativo para a composição corporal em geral.

7) Gorduras totais e saturadas da dieta não estão correlacionadas com o risco para doenças cardiovasculares.

Existe uma hipótese que sustenta a necessidade de uma chamada “dieta do coração”, porém, a literatura aponta que as tentativas de se estabelecer esse tipo de dieta são falhas. Não há associação estatisticamente significativa que reforce a ideia de que os lipídios, no geral, sejam responsáveis pelo surgimento de doenças cardiovasculares, apesar de existirem casos individuais documentados.

8) As gorduras saturadas no plasma sanguíneo são mais controladas pelos carboidratos da dieta do que pelos lipídios.

Apesar de sempre ter se pensado que as gorduras saturadas estão relacionadas com o aumento das gorduras totais do organismo, não há uma correlação tão forte entre as duas variáveis. Além disso, é demonstrado que a gordura saturada do organismo, em humanos, está mais relacionada com o metabolismo dos carboidratos, nutriente esse que faz parte da síntese de ácidos graxos (o componente estrutural das gorduras) no organismo.

9) O melhor preditor ou indicador de complicações microvasculares, e num menor grau, das macrovasculares em pacientes com diabetes tipo 2 é o controle glicêmico.

O artigo indica, em vários pontos, a hemoglobina glicada (abreviada como HbA1c) como sendo o indicador para os riscos de se desenvolver lesões cardiovasculares, como os infartos que ocorrem nos vasos e no miocárdio. A hemoglobina é uma proteína constituinte do sangue, e que neste caso, apresenta afinidade enzimática com a glicose (ou seja, é a hemoglobina que apresenta aderência da glicose em sua estrutura molecular).

10) Restrição de carboidratos na dieta é o método mais efetivo de reduzir triglicerídeos circulantes e aumentar lipoproteínas de alta densidade (HDL).

A restrição de carboidratos age de modo bastante funcional como intervenção contra a chamada síndrome metabólica, que inclui dentre outras características, a concentração de gorduras no organismo. O HDL é tido como o lipídio mais saudável, por excelência. Inclusive, a redução no consumo de carboidratos colabora para a redução do LDL, que é uma lipoproteína de baixa densidade e tida como responsável por riscos cardiovasculares.

11) Pacientes com diabetes tipo 2 que realizam dietas com restrição de carboidratos reduzem e frequentemente eliminam a medicação. Pessoas com diabetes tipo 1 passam a depender de menos insulina.

Como este tipo de esquema dietético tem ampla efetividade, ele promove este tipo de alteração na vida dos pacientes com diabetes 1 e 2. A restrição de carboidratos diminui a severidade dos episódios hiper e hipoglicêmicos (aumentos e quedas intensas da glicemia), comuns a estes pacientes com o uso das medicações.

12) A redução intensiva da glicose através da restrição de carboidratos na dieta não possui efeitos colaterais se comparada aos efeitos do tratamento farmacológico intensivo.

Novamente, a preocupação deve existir quanto às medicações usadas para o controle da glicemia. É documentado que seu uso apresenta inúmeros riscos e pode ser visto em alguns fármacos ainda discutidos, como a rosiglitazona. Para comparações entre medicações, favor ler a tabela que está no artigo.

Discussão, possíveis desvantagens e conclusões

Os benefícios na restrição de carboidratos são imediatos e bem documentados pela literatura científica, conforme trazido no artigo e tão claramente demonstrado.

Apesar de tudo o que foi exposto, a maior desvantagem se encontra na dificuldade que cada indivíduo tem para aderir a dietas com restrição de carboidratos. Além disso, reduzir os carboidratos da alimentação implica em rever esquemas medicamentosos, sendo que muitos desses hipoglicemiantes trabalham justamente com a redução da glicose circulante. É preciso haver uma combinação entre as duas coisas, ou seja, reduzir a ingestão de carboidratos e reduzir o uso desses medicamentos.

O artigo sugere que um grande problema no entendimento dessas evidências se dá pelo desconhecimento dos ensaios clínicos randomizados como padrão-ouro na pesquisa científica, isto é, a melhor forma de se obter resultados confiáveis na clínica. Todas as evidências trazidas por este artigo são baseadas em conhecimentos elementares de Fisiologia e Bioquímica, e que deveriam ser adotadas como parâmetro para se mudar as recomendações no tratamento.

Este texto é uma síntese considerável do artigo. Para maiores informações, favor buscar o artigo original que está linkado no início. Qualquer dúvida é só perguntar, o texto será compartilhado na página do Universo Racionalista.

Créditos ao Rafael Bossoni, colega do UR, pela indicação do artigo e que pediu a tradução.

Pedro H. Costa

Pedro H. Costa

Bacharel em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atuo desde 2012 no Centro de Estudos e Pesquisas sobre Álcool e outras Drogas, pela mesma instituição. Interessado em saúde, educação, ciência e filosofia. Faça uma pergunta: ask.fm/phcs91