Por Mario Bentes
Publicado no Jornal GGN
Um dia após a abertura das inscrições do projeto “Mars One”, que tem como meta realizar, até o ano de 2023, uma arriscada viagem tripulada com o objetivo de colonizar o árido planeta Marte, um brasileiro de São Paulo resolveu por seu nome à disposição dos holandeses responsáveis pelo projeto para ser um dos integrantes da missão. O paulistano Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira, de 22 anos, usou as redes sociais para divulgar, nesta terça-feira (23), a confirmação de sua inscrição no projeto.
Além de representar o primeiro intento humano presencial no planeta vermelho – o máximo que foi feito até agora foi o envio de sondas e rovers pela NASA –, a missão “Mars One” tem uma peculiaridade: a viagem não terá volta. Isso porque uma grande operação de ida e volta encareceria ainda mais o projeto, que tem orçamento previsto de US$ 6 bilhões. Uma vez em Marte, os 24 astronautas selecionados (divididos em equipes de 4) deverão viver no planeta e iniciar os passos para a colonização.
Outro fator que chama atenção: todo o processo pós-seleção dos 24 integrantes será transmitido mundialmente, em uma espécie de reality show. O objetivo é manter a atenção mundial ao projeto e, assim, obter mais recursos. Quem explica é o holandês Bas Lansdorp, cofundador do Mars One, em coletiva de imprensa realizada no último dia 22, em Nova York. Na ocasião, ele disse que o primeiro dia de inscrições recebeu mais de 10 mil e-mails de cem países de interessados em participar.
Estudante de astronomia e envolvido em atividades relacionadas a divulgação científica, Douglas afirma que a missão se trata de uma “oportunidade única na vida” e que, mesmo sem nenhum tipo de apoio da família – que diz que o jovem está carimbando o “passaporte para a morte” –, ele acredita no potencial da missão enquanto adota, ao mesmo tempo, uma visão cética sobre a questão: “se não der certo hoje, basta continuar tentando. Dará certo amanhã, a humanidade é assim”.
GGN – O projeto Mars One deixa claro que se trata de uma viagem sem volta ao planeta Marte com o objetivo de iniciar a colonização. O que levou você a se interessar no projeto?
Douglas Rodrigues – É uma oportunidade única na vida, conhecer outro planeta. Seria um feito extraordinário na história da ciência, igual ou ainda mais grandioso do que quando Neil Armstrong pisou na Lua. Eu tenho vontade de conhecer outras partes deste incrível Universo. Desde pequeno já sonhava em ser astronauta e seria fantástico ver a própria Terra de um ângulo diferente, nosso pálido ponto azul.
Na antiguidade, nos séculos que se passaram, os homens que mudaram a história da civilização, não foram aqueles que mantiveram o sistema funcionando. Claro, eles eram extremamente necessários. Mas os que mudaram a sociedade foram os heróis, os conquistadores. E o que eram essas pessoas, se não o ser humano comum, porém com coragem o suficiente para ir mais além do que todos os outros jamais sonhariam?
Minha vontade é ser um desses que irá além das fronteiras estabelecidas. Existem diversas maneiras de fazer isso na Terra, mas que maneira seria mais épica do que pisar nas areias de Marte?
GGN – Outro ponto que consta no projeto é que haverá uma seleção e que todo o processo será transmitido ao resto da Terra, incluindo treinamento, viagem e demais passos. É como se fosse um reality show. Acha que, do ponto de vista científico, esta espetacularização é interessante?
Douglas – Olha, existem várias maneiras de visualizar esses fenômenos sociais da comunicação, como o BBB. Podemos considerá-lo “só um reality show”, mas também podemos vê-lo por tudo o que representa enquanto estrutura da mídia. Os reality shows são mais uma invenção humana que, como tantas outras, traz pontos negativos, mas também pontos positivos. Na sociedade do espetáculo, convivemos com essas invenções. A partir disso, nós temos três opções: ignorá-las, desprezá-las ou ver o que elas têm a nos oferecer.
No caso do “Mars One”, nos deparamos com um feito sem precedentes: a oportunidade de prover ao povo o acompanhamento midiático de uma conquista e toda a sua história. Seria como filmar a conquista das Américas, ouvir no rádio “Terra à vista!” quando os navios se aproximavam das areias das praias brasileiras.
E mais do que isso! Hoje temos a noção de que os homens nos navios de Cabral, Colombo, Américo, todos eles tiveram de se preparar de alguma maneira. Mas imagine se todo o processo nos fosse apresentado de maneira detalhada? É uma forma de, finalmente, criar um documento histórico com uma versão extremamente extensa do processo de conquista e exploração, há muito tempo esperada.
E é claro, seria portanto uma grande novidade, muito mais grandiosa do que o próprio “Big Brother”, e devemos dar importância à diferença fundamental: isso daria uma visibilidade maior para a ciência (e uma visibilidade muito devida, que todos os cientistas esperam faz tempo), quem sabe a partir de uma transmissão desse nível, para um público leigo em questões científicas. Poderíamos, de alguma forma, abrir mais as mentes das pessoas em relação à ciência e à tecnologia.
É como Carl Sagan, que eu considero um grande mentor na minha vida, diria para eu fazer. Ele fez com seu programa Cosmos, na televisão, o que eu estarei fazendo presencialmente.
GGN – Sendo alguém que costuma agir de forma cética, como fez para saber as reais intenções científicas do projeto? Que referências buscou? Acredita que o “Mars One” tem base científica para levar um nave tripulada para Marte em segurança e que há condições de manter seres humanos no planeta?
Douglas – Em qualquer projeto é preciso que haja pessoas dispostas a serem as primeiras a fazer e a testar possibilidades, uma característica imanente do método científico. As referências que eu busquei sobre o projeto “Mars One” mostraram que o foco principal do projeto é colonizar Marte.
Se isso vai dar certo ou não, se faz ainda necessário o teste. Temos que tentar descobrir se essa hipótese é verdadeira ou falsa, com a nossa tecnologia atual. Quero dizer, todos sabemos que o tempo passa, a tecnologia avança. Sabemos que colonizações começam com cabanas no meio do mato e terminam em megacidades espalhadas por um país.
A análise cética que podemos fazer seria do quão viável é esta empreitada com a tecnologia e conhecimento possuído por nós nesse presente momento da civilização. Por outro lado, se não der certo hoje, basta continuar tentando. Dará certo amanhã. A humanidade é assim, insistente.
Eu acredito que o projeto tem bases científicas consistentes para realizar um evento desse nível. Eles possuem o apoio de agências espaciais de porte para adquirir os equipamentos necessários e realizar a missão. Agora, se vai dar certo manter seres humanos vivendo em Marte, eu devo confessar que estou bem cético em relação a isso, mas nada que tire a minha vontade de chegar aonde nenhum humano jamais chegou.
GGN – E o que sua família achou da ideia? Eles apoiam sua empreitada? Caso eles não tenham aceitado a ideia, que argumento você usou para embasar sua inscrição?
Minha família não aceitou a ideia e não a apoia de forma alguma. Eles argumentam que estou “carimbando meu passaporte para a morte”. O que eu digo a eles é que de qualquer forma, nada dura para sempre. Nossas vidas nesse pixel da galáxia são ínfimas, em tempo e também em importância perante o Universo. Até mesmo a nossa principal fonte de energia, o Sol, um dia vai morrer.
Acredito que devemos viver a vida tentando sempre realizar os nossos sonhos, independentemente do risco. Não existe um significado imposto pelo universo sobre as nossas vidas. O sentido da nossa existência, o motivo que norteia as nossas experiências, somos nós mesmos que damos. Se nós nos impedirmos de agir, sempre pensando no lado negativo das coisas, provavelmente a humanidade jamais chegaria aonde chegou. Quantos navios naufragaram antes de atingir as terras, hoje conhecidas como Brasil?
GGN – Caso você seja aprovado na seleção e passe nos treinamentos, sendo um dos membros da tripulação em definitivo, o que você diria ao por os pés em Marte?
Douglas – “Mais um pequeno passo para um homem, outro salto gigantesco para a humanidade” – em homenagem às sábias palavras de Neil Armstrong (primeiro homem a pisar na lua, pela missão Apollo 11, em junho de 1969).