Pular para o conteúdo

John Horgan é “Cético com os Céticos”

Este texto traduz a resposta de Steven Novella às críticas que John Horgan fez ao movimento cético internacional. Recomendo a leitura da tradução do texto original de Horgan e a leitura dos textos seguintes do debate.

Você também pode encontrar as quatro traduções do debate Horgan, Novella e Pinker neste único pdf que fiz com todas as referências para citação.

John Horgan é “Cético com os Céticos”

Tradução por Thomas Victor Conti a partir do texto de Steven Novella, 17 de Maio de 2016, Neurologica Blog, URL: http://goo.gl/QLH5vg

N. do T.: Este não é o único artigo que Novella escreveu criticando o texto de Horgan. Embora muito interessante e pertinente, o outro texto de Novella pega um erro central de Horgan e o explora com maior detalhe. Recomendo a leitura, mas por questões de espaço não o traduzi aqui. URL: https://goo.gl/JzneEm

Este fim de semana passado no NECSS 2016 convidamos o jornalista científico John Horgan para dar uma palestra sobre “Ceticismo: Alvos difíceis versus alvos fáceis.” Estamos sempre dispostos à alguma introspecção crítica. Elas no mínimo mantêm as coisas interessantes.

Infelizmente a conversa, que ele agora publicou no site da Scientific American (o que significa que é um jogo justo), foi mais do que um pouco decepcionante – não porque ele foi crítico, mas porque ele não parece entender o ceticismo seja com “C” minúsculo ou maiúsculo. O resultado foi uma série de espantalhos escolhidos a dedo.

Ele começa assim:

  • Eu odeio pregar aos convertidos. Se você fosse budista, eu criticaria o budismo. Mas vocês são céticos, então eu tenho que criticar o ceticismo.

Isso faz de você um contrário, não um cético. Que tal chamar as coisas pelo que elas são? A maioria das ideias e movimentos são uma mistura de bom e mau, e muitas vezes leva algum esforço e cuidado para separá-las. Ou, você pode apenas “bater” em toda uma filosofia de forma simplista porque lhe apetece ser um pensador independente. Também não há nada de errado com “pregar” para o coro – não é sobre a conversão, mas educação.

Ele continua:

  • Eu sou um jornalista da ciência. Eu não comemoro a ciência, eu a critico, porque a ciência precisa de críticos mais do que precisa de líderes de torcida. Aponto lacunas entre o hype científico e a realidade. Isso me mantém ocupado, porque, como você sabe, a maioria das afirmações científicas com revisão por pares estão erradas.

Tenha em mente, ele intitulou a versão escrita do seu discurso, “Caros “céticos”, critiquem a Homeopatia e o Pé-Grande Menos, mamografias e guerra mais.” Ele está explicitamente adereçando aos céticos e nos dizendo o que fazer. Quando você faz algo assim, com toda a sua presunção, certifique-se de saber sobre o que você está falando. [N. do T.: o outro texto que Novella escreveu criticando Horgan versa apenas sobre este problema de Horgan.]

Especificamente, não dê tapinhas nas suas próprias costas por apontar algo para alguém, como se você estivesse ensinando-lhes algo novo, quando eles estiveram gritando exatamente os mesmos pontos durante anos. Isso faz você parecer intelectualmente preguiçoso e extremamente tolo.

Realmente – a maioria de relatórios ciência é moda sensacionalista? Isso é praticamente uma coluna semanal na SGU. A maioria das afirmações científicas estão erradas, você diz? Eu devo ter deixado isso passar nas primeiras 30 vezes que escrevi sobre isso.

Eu me pergunto quem seriam estes líderes de torcida que ele está falando. Espere – ele pensa que os céticos são líderes de torcida sem cabeça que festejam qualquer coisa apresentada pela mídia como a ciência? Será que ele confunde a comunicação social da ciência com a própria ciência? Isso não pode ser, porque ele é um jornalista de ciência. Como ele diz:

  • Eu sou um jornalista da ciência. Eu não comemoro a ciência, eu a critico, porque a ciência precisa de críticos mais do que precisa de líderes de torcida.

Isto é o que “céticos” chamam de falsa dicotomia. Você pode ser, simultaneamente, um líder de torcida da ciência, defendendo a metodologia científica, o poder da ciência quando é bem feita, e se maravilhar com as descobertas da ciência, e criticar a má ciência, os problemas com as instituições de ciência e a comunicação científica de baixa qualidade. Como exemplos, basta ver praticamente qualquer podcast ou blogs céticos.

Fica pior:

  • “O Delírio da Ciência” é comum entre Céticos com C maiúsculo. Você não aplica o seu ceticismo de forma igualitária. Você é extremamente crítico da crença em Deus, fantasmas, paraíso, paranormalidade, astrologia, homeopatia e o Pé Grande. Você também ataca a descrença no aquecimento global, nas vacinas e nos alimentos geneticamente modificados.
  • Essas crenças e descrenças merecem críticas, mas elas são o que eu chamo de “alvos fáceis”. Isso porque, na maioria das vezes, você está atacando pessoas de fora da tribo, que você ignora. Você acaba pregando para os convertidos.
  • Enquanto isso, você negligencia o que eu chamo de alvos difíceis. Essas são as afirmações duvidosas e até mesmo prejudiciais promovidas pelos principais cientistas e instituições. No resto desta conversa, eu lhes darei exemplos de alvos difíceis na física, medicina e biologia. Vou encerrar com um discurso sobre a guerra, o alvo mais difícil de todos.

Esta é a jogada – não gaste seu tempo e esforço em coisas que você acha que são importantes, gaste-os em coisas que eu acho que são importantes. “Alvos fáceis” são coisas que Horgan não acha que são importantes, ou cuja importância ele não compreende. Enquanto “alvos difíceis” são coisas que ele se importa, mesmo se elas refletem sua ideologia política pessoal.

Na verdade, ele estava surpreso que Jamy Ian Swiss trouxe o Pé-Grande em sua defesa do ceticismo. Isso se deve a que Horgan parece desconhecer completamente o meme “ceticismo Pé-Grande”. Este é um meme que ele está repetindo sem perceber, daí a sua confusão.

Horgan segue para exemplos específicos para ilustrar seu ponto:

  • Em primeiro lugar, a física. Por décadas, físicos como Stephen Hawking, Brian Greene e Leonard Susskind têm elogiado a teoria das cordas e do multiverso como nossas descrições mais profundas da realidade.
  • Aqui está o problema: cordas e multiversos não podem ser detectados experimentalmente. As teorias não são falseáveis, o que as torna pseudocientíficas, como a astrologia e a psicanálise freudiana.

Como a maioria de suas reivindicações, isso é errado em vários níveis. Em primeiro lugar, Hawking e outros não apresentaram a teoria das cordas e as teorias do multiverso como descrições da realidade, mas como modelos matemáticos. Mais ao ponto, o status exato dessas teorias tem sido calorosa e profundamente debatido dentro da física e do ceticismo.

Horgan dá uma análise muito superficial que na minha opinião chega ao ponto de estar errada. Ele afirma que não são falsificáveis, portanto são pseudocientíficas “Como a astrologia.” Para aqueles de vocês que jogam o bingo da falácia lógica, esta é uma falsa analogia. Há muitos problemas com a astrologia que não se aplicam à teoria das cordas.

A crítica do “não-falsificável” tem sido levantada por céticos inúmeras vezes, e as implicações desta ter sido discutido longamente. Resumidamente, é verdade que a teoria das cordas e a teoria do multiverso atualmente não são testáveis e, portanto, elas não são ciências completas em si mesmas. Mas eles tentam sim dar intuições sobre o que as realidades mais profundas do universo físico podem ser ao explorar modelos matemáticos em busca de consistência interna, da capacidade de explicar o que já sabemos, e da elegância.

Elas acabarão por chegar a nada se não pudermos encontrar alguma maneira de testá-las, mas isso não significa que elas não servem de nada agora. Além disso, está em disputa que elas não seriam testáveis ​​agora, mas vou deixar isso para os físicos e para outro dia.

O ponto principal é, o resumo do Horgan foi superficial ao ponto de estar errado, e trai a sua completa ignorância sobre o que os céticos discutem e qual é a nossa posição real sobre os exemplos que ele dá.

  • Os físicos ainda estão promovendo a ideia de que o nosso universo é uma simulação criada por alienígenas super-inteligentes. No mês passado, Neil de Grasse Tyson disse que “a probabilidade pode ser muito elevada” de que estamos vivendo em uma simulação. Mais uma vez, isso não é ciência, é um experimento mental de alguém drogado fingindo ser ciência.

Mais uma vez – este é um ponto de diálogo entre os céticos, inclusive na SGU. A premissa de Horgan é que nós não examinamos as afirmações de nossos cientistas celebridades. Errado de novo. Não só nós fazemos isso, como alguns céticos vão criticar outros céticos por não o fazerem suficientemente ou em casos específicos. Eu também não acho que o universo simulado foi em qualquer momento concebido para ser outra coisa senão um experimento de pensamento. Horgan não entende seus próprios exemplos.

Horgan continua a cometer o mesmo erro sobre a Singularidade (e seu resumo também não está certo). Este é um ponto quente do debate entre os céticos.

Horgan segue para a medicina:

  • Mas os testes muitas vezes fazem mais mal do que bem. Para cada mulher cuja vida é estendida porque uma mamografia detectou um tumor, até 33 mulheres recebem tratamento desnecessário, incluindo biópsias, cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Para homens diagnosticados com cancro da próstata após um teste de PSA, a proporção é de 47 para um. Dados semelhantes estão surgindo em colonoscopias e outros testes.

Aqui estão quase 40 artigos da medicina baseada em evidências no tema do sobrediagnóstico na medicina tradicional, incluindo vários artigos sobre a mamografia. O padrão deve agora ter ficado claro – Horgan dá um resumo simplista de uma questão, mostrando que ele próprio tem uma compreensão superficial dos pontos relevantes, acusando os cépticos de não lidar com essas questões de forma suficiente. Enquanto isso, já existe uma discussão aprofundada da questão em círculos céticos que é muito mais profunda do que o tratamento de Horgan.

Fica pior quando ele fala sobre doenças mentais:

  • Medicamentos psiquiátricos ajudam algumas pessoas no curto prazo, mas ao longo do tempo, em conjunto, eles fazem as pessoas mais doentes. O jornalista Robert Whitaker chega a esta conclusão no seu livro Anatomy of an Epidemic (Anatomia de uma Epidemia).
  • Ele documenta o grande aumento de prescrições de medicamentos psiquiátricos desde o final dos anos 1980. O maior aumento foi entre as crianças. Se os medicamentos realmente funcionam, as taxas de doença mental deveriam diminuir. Certo?
  • Em vez disso, as taxas de deficiência mental têm aumentado drasticamente, especialmente entre as crianças. Whitaker constrói uma forte defesa que os medicamentos estão causando a epidemia.

Se Horgan é um fã de Whitaker, então sua confusão é fácil de explicar. Whitaker, como Horgan, criticou a psiquiatria do lado de fora sem ter uma mínima compreensão da evidência que ele estava usando como base de sua crítica. Como um resenhista colocou:

  • Quando se trata de esquizofrenia e drogas anti-psicóticas, entretanto, Whitaker entendeu quase tudo errado. Ele cometeu tantos erros que é difícil saber por onde começar…

Whitaker citou evidências de que medicamentos anti-psicóticos fazem as manifestações da esquizofrenia piorarem. Na verdade, a própria evidência citada por ele mostrou que os medicamentos melhoram os resultados. No entanto, a mudança para uma definição mais estreita da esquizofrenia dá a ilusão de que os resultados são piores, porque agora estamos contando apenas os casos mais graves.

Horgan continua:

  • Ao longo das últimas décadas, os geneticistas já anunciaram a descoberta de “genes para” virtualmente cada característica ou transtorno. Nós já tivemos o gene Deus, o gene gay, Gene do alcoolismo, gene guerreiro, gene liberal, gene inteligência, gene da esquizofrenia, e por aí vai.
  • Nenhuma dessas ligações de genes individuais para características complexas ou distúrbios foi confirmada. Nenhuma! Mas reivindicações gene-mágicas continuam chegando.

Este é um bom exemplo de confundir a comunicação da ciência com a ciência em si, um erro chocante para um jornalista de ciência. A noção de que existe um único gene para um traço complexo é uma ficção da mídia. Alguns cientistas podem simplificar demais as implicações de sua pesquisa, ou não comunica-la bem, mas geralmente isso não é uma ilusão entre os geneticistas.

Ademais, os céticos e comunicadores de ciência têm estado na vanguarda na tarefa de apontar isso, corrigindo a tola divulgação de notícias científicas que relatam um “Gene de X.”

Horgan acaba por falar sobre o alvo mais difícil de todos, a guerra. Ele começa a falar sobre a “teoria da raiz profunda da guerra”, a noção de que os seres humanos são uma espécie inerentemente belicosa. Horgan afirma que há “evidência é esmagadora” de que a guerra é cultural, mas, em seguida, fornece referências de apenas para um artigo que ele escreveu em um estudo muito limitado sobre caçadores-coletores japoneses.

Este é, obviamente, um tema complexo, mas eu não acho que nenhum cético esteja argumentando que a guerra é geneticamente inevitável. Claro que há uma enorme componente cultural. Enquanto Horgan cita Steven Pinker como um exemplo da teoria da raiz profunda, ele perde o ponto que Pinker também está argumentando que a guerra e a violência têm diminuído ao longo do tempo histórico, e que podemos livrar-nos da guerra, em parte através da compreensão guerra em primeiro lugar.

Embora seja certamente simplista dizer que a guerra é genética, é igualmente simplista descartar a natureza humana e argumentar que a guerra é inteiramente cultural. É provável que seja ambos, em uma complexa interação entre natureza e criação (nurture) como todo o comportamento humano.

Horgan em seguida claramente vagueia em sua ideologia política pessoal. Esta é uma outra profunda lata de vermes dentro do movimento cético, e Horgan a abre sem dar qualquer evidência de que ele está ciente de que este é um debate que tem sido travado há anos entre os céticos. É claro, a guerra é terrível e todos nós gostaríamos de erradicar a guerra, mas a melhor forma de atingir esse objetivo é uma questão complexa sem uma resposta científica clara, e está atolada em ideologia pessoal e valores.

Céticos diferem quanto ao grau em que deveríamos misturar política pessoal com o nosso ceticismo científico. Horgan está simplesmente tomando uma posição extrema neste debate, sem sequer saber que o debate existe.

Conclusão

A grande lição aqui é esta – se você vai criticar um movimento, disciplina, subcultura, ciência, ou grupo de fora, ao ponto de dizer-lhes o que eles deveriam estar fazendo, você deve ter pelo menos um conhecimento funcional daquele grupo.

Depois de ler o artigo dele, é seguro dizer que Horgan não tem sequer noções primárias sobre o ceticismo científico. O resultado foi um desfile de espantalhos apoiados por exemplos enviesados escolhidos a dedo e muitas vezes mal interpretados.

O ceticismo científico, como a maioria dos outros movimentos, inclui um uma variedade complexa de opiniões e abordagens, e, certamente, passou por uma grande quantidade de dores na última década devido ao seu crescimento. Eu, é claro, não posso subscrever a tudo que dizem aqueles que se autodenominam céticos. Mas eu tenho um conhecimento razoavelmente aprofundado dos principais expoentes.

Céticos (apesar do que nossos críticos afirmam) são pensativos, autocríticos, e não tem medo de assumir qualquer luta. Abordamos todas as questões que Horgan levanta, e de forma muito mais sofisticada do que o próprio Horgan. Nós já estamos quilômetros à frente do enquadramento superficial que Horgan dá.

Horgan também perde vários pontos importantes que os céticos já fizeram em defesa do nosso escopo escolhido. Nós abordamos toda a gama de questões dentro de nosso alcance, o que Horgan chamaria de alvos fáceis e difíceis, porque é útil fazer isso. Às vezes nós desconstruímos pseudociências simplistas e óbvias porque fornece um momento de ensino, de modo que o nosso público será mais capaz de desconstruir alvos mais complexos.

Além disso, algumas das coisas que Horgan considera como alvos fáceis ainda são questões extremamente importantes dentro de nossa cultura. A homeopatia continua a ser uma indústria de bilhões de dólares. Quem é que vai criticá-la se não os céticos? A maior diferença entre a opinião científica e a opinião pública é sobre a segurança das OGMs (Organismos Geneticamente Modificados). Mais uma vez – quem está lentamente mudando a direção desse navio?

Como um movimento, temos uma certa experiência – uma experiência em pseudociência, misticismo, negacionismo, as organizações que promovem estas coisas, regulamentos relevantes quando aplicáveis, e estratégias para enfrentá-los.

Deixe-nos fazer o nosso trabalho, no ponto certo de nossa experiência. Se você acha que alguma outra agenda é importante, então sinta-se livre para fazer que a sua prioridade. Boa sorte para você.

Mas por favor não tenha a pretensão de nos dizer o que fazer e o que deveríamos fazer quando, obviamente, você não investiu até mesmo a menor quantidade de tempo tentando primeiro entender o que é o que fazemos, ou se envolver-se conosco sobre as principais premissas da sua posição.

Em suma, Sr. Horgan, direcione esse olhar cético a si mesmo antes de ter a pretensão de direcioná-lo para os outros. E para deixar registrado, sim, isso é algo que defendemos que os céticos devem também fazer.


Sequência dos textos:

Você também pode encontrar as quatro traduções do debate Horgan, Novella e Pinker neste único pdf que fiz com todas as referências para citação.

Parte 1: John Horgan, “Caros “Céticos”, Critiquem menos a Homeopatia e o Pé Grande, e mais os mamogramas e a guerra”

Parte 2: Steven Novella, “John Horgan é “Cético com os Céticos””

Parte 3: Steven Pinker, “Steve Pinker destrói a visão de John Horgan sobre a Guerra”

Parte 4: John Horgan, “Respostas à Steven Pinker, David Gorski e Steven Novella”

Thomas Conti

Thomas Conti

28 anos, mestre em economia, professor assistente no Insper, docente na Especialização em Direito e Economia (Law & Economics) da Unicamp, consultor, pesquisador, programador em R e doutorando em economia pela Unicamp. Faço hora extra como divulgador científico e defendendo políticas públicas baseadas em evidências.