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Seríamos nós descendentes dos porcos?!

Poderia um híbrido de porco e chimpanzé originar uma espécie completamente nova e intimamente relacionada conosco, ou melhor, nós? É essa a alegação do geneticista Eugene M. McCarthy propõe em seu livro: On the Origins of New Forms of Life: A New Theory (A Origem de novas formas de vida: Uma nova teoria, em tradução livre). A ideia, inicialmente impactante e curiosa vem despertando o interesse de muitas pessoas, mas será que ela faz sentido e merece notoriedade ou figura como uma possibilidade alternativa ao já mais que consolidado mecanismo evolutivo proposto por Charles Darwin há dois séculos e que desde então só vem ganhando cada vez mais força e servindo como base da Biologia Geral: a seleção natural? É isso que vamos discutir, brevemente, aqui.

O processo de hibridização em si, não é um fato recorrente na natureza, porém, existe. E a primeira vista parece ser um fato curioso e contraditório. Mas por que e como híbridos são possíveis?

McCarthy afirma categoricamente que sua teoria de origem e especismo se dão através da correlação entre diferentes espécies que convivem pacificamente num mesmo ambiente e que, pelas suas competências anatômicas, dão origem a novas espécies a partir do sucesso desse relacionamento, ou seja, um processo macroevolutivo radical e conveniente, inicialmente servindo como um direcionamento evolutivo verdadeiramente impactante – do ponto de vista genético, morfológico e, inclusive, ecológico; uma vez que novas espécies introduzidas num determinado nicho ecológico forçam uma pressão seletiva ainda maior acirrando a luta por alimento, herdando características de ambas as espécies e gerando desequilíbrio ambiental, por exemplo.

Mas, do ponto de vista genético, por que alguns animais diferentes conseguem originar derivados únicos que incluem informações e caracteres compartilhados? A possibilidade se dá pelos transposons, sequências de DNA capazes de se movimentar de uma região a outra do genoma, concedendo caráter dinâmico ao DNA e promovendo a ativação e inativação de sequências gênicas características de cada espécie e que se reflete em seus aspectos morfológicos e moleculares. Em miúdos, é o que mantém a semelhança entre indivíduos de uma mesma espécie e os distancia de outras. Transposons semelhantes são encontrados em espécies que compartilham um último ancestral comum (LUCA – Last Universal Common Ancestor) e que, portanto, são minimamente conservadas entre espécies aparentadas onde quanto menor a distância parental, maior a semelhança genética, o que possibilita a combinação dos cromossomos em vários trechos levando a gestação parental e origem híbrida entre espécies.

Até aí tudo bem, temos indícios de híbridos entre várias espécies, inclusive citados pelo próprio McCarthy, como mulas, ligres e zebroides. No entanto, todos associados e compartilhando um LUCA, porém, a alegação de McCarthy propõe a absurda ideia de que espécies tão distintas podem originar novas espécies, contrariando o princípio básico da correlação entre transposons e compartilhamento de um LUCA, além da semelhança genética como, por exemplo, pareamento de cromossomos (porcos têm 40 cromossomos contra 48 de macacos, de uma forma geral) o que devido a grande disparidade, promove a existências de dismorfismos que induziriam o aborto espontâneo do embrião em formação, ainda que tal cruzamento fosse possível. McCarthy vai mais longe, além de afirmar que a dependência de dados genéticos levam ao atraso do avanço científico, propõe semelhanças anatômicas como evidências de sua teoria, chegando ao absurdo de comparar caracteres anatômicos herdados e amplamente difundidos entre diferentes espécies dentro de uma classe, como a dos mamíferos alegando semelhanças estruturais compartilhadas não somente entre chimpanzés e porcos, mas entre diversos outros animais pertencentes a esta classe.

A hipótese de McCarthy se baseia no retrocruzamento onde essas diferentes espécies, por algum motivo não esclarecido, mantivessem este relacionamento incessante diminuindo as diferenças genéticas e estreitando as semelhanças que, segundo ele, eram próximas.

Diante de tal absurdo, resta-nos esperar que evidências comprováveis sejam postas a prova, e que uma ideia inicialmente absurda e chocante se traduzam em dados científicos. Afinal de contas, não há um só exemplo natural que preveja um evento evolutivo tão extremo que recorra, inclusive, à promiscuidade interespécie.

Enquanto isso não ocorre, McCarthy, como nossos ancestrais comuns humanos bem próximos, parece levar a série a ideia de que ratos poderiam originar morcegos, assim, enquanto vende seus livros e espalha suas ideias através de um site pessoal, esperaremos ansiosos pelos detalhes e evidências experimentais comprovadas e sua publicação em revistas científicas. Aguardemos a revolucionária ideia da origem humana.

Nunca achei que chegaríamos ao ponto de que chamarmos alguém de porco extrapolaria a conotação pejorativa.

Fontes:

  1. Human Origins – Are we Hybrids?
  2. On The Origins of New Forms of Life: A New Theory.

Referências:

  1. Families of Transposable Elements, Population Structure And The Origin of Species.
  2. The Diversity of Class II Transposable Elements in Mammalian Genomes Has Arisen From Ancestral Phylogenetic Splits During Ancient Waves of Proliferation Through the Genome.
Thiago Ferreira

Thiago Ferreira

Estudante de Ciências Biológicas - Modalidade Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com experiência na área de Neuroanatomia Celular e atualmente aluno de Iniciação Científica do Laboratório de Bioquímica de Vírus, do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM - UFRJ). Apaixonado por Ciências, sendo entusiasta e hobista nas áreas de Paleontologia e Astronomia, fã declarado de Ficção Científica e literatura fantástica, aficionado por RPG e jogos eletrônicos.