Por Michael Shermer
Publicado na Scientific American
Em um ensaio de 1946 no Tribune, de Londres, intitulado “Diante de seu nariz”, o escritor George Orwell observou que “todos somos capazes de acreditar em coisas que sabemos ser inverdades, e, então, quando fica provado que estávamos errados, distorcemos os fatos como que para provar que tínhamos razão. Intelectualmente, é possível manter esse processo por um longo tempo: o problema é que, cedo ou tarde, a falsa crença se chocará com a dura realidade, em geral em um campo de batalha”.
Os campos de batalhas intelectuais hoje são as universidades, onde as profundas convicções dos estudantes sobre raça, etnia, gênero e orientação sexual e sua justiça social avessa ao capitalismo, imperialismo, racismo, privilégio dos brancos, misoginia, e “heteropatriarcado cissexista” se chocaram com a realidade de fatos contraditórios e visões opostas, levando ao caos e mesmo à violência no campus. Estudantes da Universidade da Califórnia em Berkeley e agitadores externos, por exemplo, se rebelaram à simples menção de que os controversos conservadores Milo Yiannopoulos e Ann Coulter haviam sido convidados a falar (no fim, nunca o fizeram). Os estudantes da Faculdade Middlebury atacaram fisicamente o autor libertário Charles Murray e sua anfitriã liberal, a professora Allison Stanger, de quem puxaram o cabelo e torceram o pescoço, mandando-a para um pronto-socorro.
Uma causa subjacente dessa situação pode ser vista no que aconteceu no Evergreen State College, em Olympia, Washington, em maio, quando o professor autodeclarado “profundamente progressista” Bret Weinstein se recusou a participar do “Dia da Ausência” em que “estudantes, funcionários e docentes brancos são convidados a deixar o campus para as atividades do dia”. Weinstein colocou suas objeções em um e-mail: “numa universidade, o direito de falar – ou estar – jamais deve se basear na cor da pele”. Em resposta, uns 50 furiosos estudantes interromperam sua aula, cercaram-no, acusaram-no de racista e insistiram que ele se demitisse. Weinstein afirma que a polícia do campus informou a ele que o presidente da faculdade lhes pediu que recuassem, mas ele foi forçado a se afastar para sua própria segurança.
Como a situação chegou a esse ponto? Uma tendência foi apontada por Weinstein num ensaio em The Wall Street Journal: “Os tradicionais campos empírico e dedutivo, incluindo todas as ciências exatas, conviveram lado a lado com ‘teoria crítica’, pós-modernismo e seus parentes baseados em percepção. Desde a criação, nos anos 1960 e 1970, dos novos campos orientados por justiça, essas visões de mundo incompatíveis vêm se repelindo mutuamente”.
Em artigo para Quillette a respeito dos “Métodos por trás da insanidade do campus”, o pesquisador de pós-graduação Sumantra Maitra, da Universidade de Nottingham, relatou que 12 dos 13 acadêmicos que protestaram contra Yiannopoulos eram de “teoria crítica, estudos de gênero e de formação pós-colonial/pós-modernista/marxista”. Essa é uma mudança na teoria marxista do conflito de classes para conflito de política de identidades; em vez de julgar pessoas pelo conteúdo de seu caráter, elas agora devem ser julgadas pela cor de sua pele (ou sua etnia, gênero, orientação sexual, etc.). “Pós-modernistas tentaram sequestrar a biologia, dominaram grandes partes da ciência política, quase toda a antropologia, história e inglês”, prossegue Maitra, “e proliferaram as autorreferenciais publicações especializadas, círculos de citações, pesquisas não replicáveis, e o cerceamento do debate matizado por meio de ativismos e marchas, instigando um grupo de estudantes ingênuos a intimidarem quaisquer ideias contrárias”.
Estudantes estão sendo ensinados por esses professores pós-modernos que não há verdade, que ciência e fatos empíricos são meios de opressão do patriarcado branco, e que quase todos na América são racistas e fanáticos, incluindo seus professores, a maioria dos quais são liberais ou progressistas dedicados a combater esses males sociais. Dos 58 docentes de Evergreen que assinaram uma declaração “em apoio aos estudantes”, pedindo punição contra Weinstein por “colocar em risco” a comunidade ao conceder entrevistas à mídia nacional, eu contei apenas sete de ciências. A maioria tem especialização em inglês, literatura, artes, humanidades, estudos culturais, estudos sobre a mulher, estudos da mídia e “cotidianos imperialismos, geografia intermetropolitana e apropriação indevida”. Um curso chamado “resistências fantásticas” é descrito como “um dojo para aspirantes a guerreiros da justiça social”, como foco em “assimetrias de poder”.
Se alguém ensina estudantes a combater todas as assimetrias de poder, não se surpreenda quando eles se voltarem contra seus professores e gestores. É o que acontece quando se separa fatos de valores, empirismo de moralidade, ciência de humanidades.