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A vida secreta das partículas de vida longa

Por Sarah Charley
Publicado na Simmetry Magazine

O universo é desequilibrado.

A gravidade é tremendamente fraca. Mas a força nuclear fraca, que permite às partículas interagir consigo mesmas e se transformarem, é surpreendentemente forte. A massa do bóson de Higgs é desconfiadamente pequena. E a receita dos ingredientes que compõem o cosmos? Está noventa e seis por cento incompleta.

Quase toda observação do universo subatômico pode ser explicada pelo Modelo Padrão de Física de Partículas – uma robusta estrutura teórica transbordando de predições verificáveis. No entanto, por causa de alguns quebra-cabeças não resolvidos, a matemática é bizarra, incompleta e recheada de restrições.

Um pouco mais de partículas resolveriam quase todas essas frustrações. A Supersimetria (de apelido SUSI, em inglês) é um modelo colossal que introduz novas partículas às equações do Modelo Padrão. Ela dá acabamento à matemática e amarra as pontas soltas. O único problema é que após décadas de pesquisa, os físicos não acharam nenhuma dessas novas amigas partículas.

Mas talvez a razão pela qual os físicos não tenham comprovado ainda a SUSI (ou outra teoria física pra explicar as partículas além do Modelo Padrão) seja porque eles estão olhando pela perspectiva errada.

“Belos conjuntos de modelos continuam sendo descartados”, afirma Jessie Shelton, física teórica na Universidade de Illinois, “então nós tivemos que dar um passo para trás e considerar toda uma nova dimensão em nossa pesquisa, que é o tempo de vida dessas partículas”.

No passado, físicos postularam que novas partículas produzidas em colisões iriam decair imediatamente, precisamente quase até seu estado fundamental. Cientistas podem capturar partículas que se comportam dessa maneira por exemplo, o bóson de Higgs  em detectores de partículas construídos ao redor dos pontos de colisão. Mas e se as novas partículas tiverem um tempo de vida muito grande e viajarem centímetros  até quilômetros  antes de se transformarem em algo que os físicos poderiam detectar?

Isso não é algo inédito. Os Quarks Bottom, por exemplo, podem percorrer alguns milímetros antes de decaírem em partículas mais estáveis. E os múons podem viajar vários quilômetros (o que dá sustento à relatividade especial) antes de virarem elétrons e neutrinos. Muitos teóricos estão agora prevendo que podem existir espécies clandestinas de partículas que se comportam analogamente. A única vantagem é que essas partículas duradouras interagem muito raramente com matéria ordinária, o que explica elas terem sobrevivido à detecção tanto tempo. Uma explicação possível para esse comportamento reservado é que as partículas de vida longa habitam em um setor escondido da física.

“Partículas do departamento escondido da física são separadas da matéria normal por uma barreira de energia quântica-mecânica  como dois vilarejos separados por uma montanha”, diz Henry Lubatti da Universidade de Washington. “Eles podem estar lado a lado, mas sem um enorme aumento de energia para chegarem ao topo da montanha, eles nunca serão capazes de interagir consigo mesmos”.

Colisões de alta energia geradas pelo Grande Colisor de Hádrons (LHC, em sigla em inglês) poderiam impulsionar essas partículas do departamento escondido da física para além da barreira energética, até o regime da matéria. E, se o LHC pode produzi-las, cientistas devem ser capazes de encontrar a “impressão digital” das partículas de longa vida em seus dados.

Partículas duradouras lançadas pelo LHC em nosso mundo iriam transitar, mais provavelmente, à velocidades próximas à da luz, podendo viajar desde alguns micrômetros até centenas de milhares de quilômetros, antes de se transformarem em matéria ordinária que podemos medir. Esse espectro incrivelmente grande torna difícil a tarefa dos cientistas de descobrir onde e como procurar por elas.

Mas o tempo de vida de uma partícula subatômica é em tudo muito semelhante à de uma criatura viva. Cada tipo de partícula tem uma vida útil média, mas o tempo exato que uma partícula individual “vive” é variável. Se essas partículas de longa vida podem viajar milhares de quilômetros antes de decaírem, cientistas estão na esperança de que consigam capturar algumas das azaradas antes de se transformarem e deixarem o detector para trás. Lubatti e seus colaboradores também propuseram a construção de um novo detector superficial no LHC, que estenderia o alcance da pesquisa em muitas ordens de magnitude.

Justamente porque as partículas duradouras não interagem com o detector, o sinal que apareceria seria idêntico ao de um punhado de matéria comum aparecendo espontaneamente do nada.

“Por exemplo, se uma partícula de vida longa decaísse em quarks dentro do detector de múons, o sinal que receberíamos imitaria a aparência de uma aglomerado de múons juntos”, afirma Lubatti. “Nós estamos nos deparando com eventos como esse no experimento ATLAS”. Depois de registrarem esses eventos, cientistas usam algoritmos adaptados para reconstruir as origens dessas partículas aglomeradas para checar se podem descender de um parente invisível de longa vida.

Se descoberta, esse novo tipo de matéria poderia ajudar a responder inúmeras questões persistentes no campo da física.

“Partículas de longa vida não são previsões de uma nova teoria individual. Ao invés disso, são fenômenos que poderiam se encaixar em quase todas as estruturas e modelos que vão além do Modelo Padrão da Física de Partículas”, diz Shelton.

Em adição, para completar a matemática do Modelo Padrão, partículas duradouras inertes podem ser primas da matéria escura uma forma invisível da matéria que interage com o cosmos visível somente através da gravidade. As partículas duradouras inertes poderiam também ajudar a explicar a origem da matéria logo após o Big Bang.

“Tantos de nós passamos uma vida inteira estudando uma fração ínfima do universo”, afima Lubatti. “Nós já entendemos muito, mas ainda existem muitas partes que não entendemos  uma quantidade gigantesca de coisas que não compreendemos. Isso interrompe o meu trabalho e o de meus colegas”.

Maria Vitória Moura Cabrera

Maria Vitória Moura Cabrera

Um universo de átomos e um átomo no universo. Medalhista olímpica nacional e internacional, divulgadora científica e pesquisadora em Magnetismo. Entusiasta de todas as ciências que desvendam o universo. Fã de indie rock, sushi e de tipos de personalidade.