Por Adriano Ortiz
Não é muito incomum encontrarmos afirmações como “é apenas uma teoria”, “eu não acredito em evolução porque é uma teoria”, “big bang é apenas uma teoria”, entre outras. Há certa tendência às pessoas desvalorizarem determinado conhecimento científico com a palavra teoria. Entretanto, o que é de fato uma Teoria Científica?
Essa confusão normalmente é proveniente do fato da palavra teoria ser utilizada no cotidiano como um sinônimo de hipótese. Entretanto, para a Ciência são coisas bastante diferentes. Primeiramente, vamos analisar o que dois dicionários de língua portuguesa nos dizem a respeito (Consideramos aqui apenas o significado filosófico da palavra para a Ciência):
Teoria: “Conjunto de conhecimentos não ingênuos que apresentam graus diversos de sistematização e credibilidade, e que se propõem explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dado domínio de fenômenos ou de acontecimentos que se oferecem à atividade prática” (AURÉLIO, 2004).
“conhecimento sistemático, fundamentado em observações empíricas e/ou postulados racionais, voltado para a formulação de leis e categorias gerais que permitam a ordenação, a classificação minuciosa e, eventualmente, a transformação dos fatos e das realidades da natureza” (HOUAISS, 2009).
Hipótese: “Suposição que orienta uma investigação por antecipar características prováveis do objeto investigado e que vale, quer pela confirmação dessas características, quer pelo encontro de novos caminhos de investigação; hipótese heurística” ou “Proposição que se admite de modo provisório como princípio do qual se pode deduzir um conjunto dado de proposições” (AURÉLIO, 2004).
“Proposição (ou conjunto de proposições) antecipada provisoriamente como explicação de fatos, fenômenos naturais, e que deve ser anteriormente verificada pela dedução ou pela experiência” (HOUAISS, 2009).
Aqui já podemos perceber que teorias e hipóteses científicas são coisas bastante diferentes. Uma hipótese pode ser considerada como uma proposição inicial, e atente-se para um detalhe importante, que possa ser testada. Poderíamos adentrar em uma discussão mais profunda, acerca de postulados, que ao contrário das hipóteses, não podem ser testados, entretanto, deixaremos essa discussão para um próximo post.
Já a Teoria é um corpo conceitual bem estruturado dentro de um sistema lógico, e capaz de atingir um alto nível de abrangência para os fenômenos que pretende explicar, bem como para suas exceções. O poder explicativo de uma teoria vem da sua capacidade de tratar um diversificado número de fenômenos por meio de um pequeno número de hipóteses fundamentais. Uma Teoria Científica pode ser compreendida mediante uma visão filosófica sintática ou uma visão semântica. Vejamos brevemente o que cada uma delas nos proporciona.
A abordagem sintática requer derivações de generalizações empíricas dos axiomas e considera que as derivações de regras lógicas permitem operar sobre características formais dos axiomas. Isso se relaciona a um sistema dividido em duas partes: 1) Um sistema formal, no sentido lógico e matemático e os mecanismos que relacionam esse sistema com o mundo natural, denominados regras de correspondência; 2) o nível observacional, que corresponde à experiência direta aos conceitos empíricos.
Na visão semântica, os modelos são itens linguísticos, enquanto hipóteses e teorias são proposições abstratas expressas em qualquer linguagem. Isso implica que enquanto a abordagem sintática trata da Teoria como um corpo fundamentado em axiomas, leis suas derivações lógicas, desenvolvendo uma ligação entre o mundo das ideias e o mundo natural, a visão semântica considera uma Teoria como uma família de modelos científicos, haja visto que sua construção se dá pela relação direta Teoria -> modelos – > dados (mundo). Em suma, enquanto na abordagem sintática a relação entre a realidade e a teoria se dá por meio de regras lógicas, na abordagem semântica, ela se dá por meio de modelos.
Dentro desse jogo, entram diversos outros fatores, como: o papel da linguagem na construção do conhecimento científico, ou o papel epistemológico, bem como o significado dos modelos científicos nessa construção. Iremos discutir esses elementos ao longo de outros posts. No momento, fica a mensagem: quando lhe disserem que algo é “apenas” uma teoria científica, não leve tão a sério, afinal a Ciência não é construída de dogmas, e uma teoria científica pode não ser uma verdade absoluta, mas é o mais próximo que podemos chegar de alguma verdade com o nível de conhecimento humano de uma determinada época.
Fontes
- Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa; Antonio Houaiss (2009).
- Modelos Científicos e suas relações com a epistemologia da Ciência e a Educação Científica; ENPEC; Irinéa de Lourdes Batista; Rosana Figueiredo Savi; Lucken Bueno Lucas (2011).
- Novo Dicionário Aurélio Eletrônico de Língua Portuguesa; Aurélio Ferreira Buarque de Holanda (2004).
- O Ensino de Teorias Físicas mediante uma estrutura Histórico-Filosófica; Ciência & Educação; Irinéa de Lourdes Batista (2004).
- Philosophy of Science: A Contemporary Introduction; Alexander Rosenberg (2005).