Por Carlos Zahumenszky
Publicado na Gizmodo
Até agora, as agências espaciais têm concentrado suas atenções em Marte quando o objetivo é a busca por vida extraterrestre, porque Vênus não é nada menos do que um inferno. Sua superfície está submetida a pressão atmosférica e a temperaturas brutais, mas e a atmosfera? Um novo estudo revela dados fascinantes.
A superfície de Vênus é inabitável nos dias de hoje, mas os modelos climatológicos sugerem que, em algum momento do passado, ela tinha água líquida e uma temperatura moderada o suficiente para manter a vida. Essas condições se estenderam por um período de aproximadamente 2 bilhões de anos. Não só é tempo suficiente para Vênus evoluir suas próprias formas de vida. É ainda mais tempo do que teve Marte.
Em algum momento, as condições em Vênus pioraram de forma dramática. As temperaturas do planeta aumentaram e a atmosfera se tornou mais densa, colocando em movimento um efeito estufa galopante. A água evaporou e subiu para as camadas superiores da atmosfera, acelerando ainda mais o sobreaquecimento. As temperaturas na superfície aumentaram para 450 graus Celsius com uma pressão atmosférica 92 vezes maior que a da Terra.
Semelhante apocalipse teve que varrer qualquer forma de vida grande, seja animal ou vegetal, mas e os microrganismos? Pode ser que a água que acabou na atmosfera de Vênus transportou passageiros. Na Terra, descobrimos que as bactérias viajam em vapor de água e vivem na atmosfera a altitudes de até 41 quilômetros. Da mesma forma, sabemos que existem bactérias capazes de viver em ambientes incrivelmente hostis, alimentando-se de dióxido de carbono e gerando ácido sulfúrico.
As nuvens de Vênus são compostas de dióxido de carbono, vapor de água e um pouco de ácido sulfúrico. A coincidência dessa mistura é grande demais para ser ignorada.
Nuvens de bactérias
O que o novo estudo publicado na revista Astrobiology sugere é que em Vênus pode haver abundante vida bacteriana nas camadas superiores da atmosfera, a uma altitude entre 48 e 52 quilômetros. De acordo com essa distância da superfície, as temperaturas oscilam entre zero e 60 graus Celsius com uma pressão atmosférica que oscila entre 0,4 e duas atmosferas. Nesta região, até hoje, há condições para abrigar a vida bacteriana.
A ideia da atmosfera de Vênus abrigando a vida não é nova. O próprio Carl Sagan sugeriu em 1967. O astrobiólogo David Grinspoon investigou a possibilidade em 1997, e dois anos depois descobriram que as condições na atmosfera venusiana eram suficientemente promissoras.
Análises posteriores revelaram que a atmosfera de Vênus naquela região tem estranhas manchas escuras com ácido sulfúrico e outras partículas que não puderam ser reconhecidas que são abundantes. A hipótese da equipe internacional de investigadores liderada pelo cientista planetário Sanjay Limaye, publicada em Astrobiology, é justamente que essas nuvens são ecossistemas bacterianos flutuantes. Diferentes tipos de bactérias capazes de absorver certas frequências de luz são conhecidas na Terra. Não seria tão raro encontrar microrganismos semelhantes em Vênus.
Um drone a bordo de uma sonda russa
Como confirmar essa hipótese sugestiva? A opção mais próxima para isso se chama VAMP, e é um robô metade dirigível e outra metade drone que a Northrop Grumman desenvolveu para a NASA. VAMP (siglas para Venus Atmospheric Maneuverable Platform) poderá sobrevoar a atmosfera de Vênus e analisar essas nuvens com instrumentos específicos para detectar vida bacteriana.
VAMP poderá chegar a Vênus de mão com a sonda russa Venera-D que a agência Roscosmos planeja enviar a Vênus no final da década de 2020. Até lá teremos que esperar, mas seria irônico se acabássemos encontrando vida no Sistema Solar, onde não esperaríamos encontrá-la.