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Estudar Economia gera ganância?

Por Adam M. Grant1
Publicado na Psychology Today

O quanto as Ciências Humanas tem de objetividade e capacidade de explicação do mundo real? O quanto conseguimos nos livrar de nossos preconceitos e ideologias prévios, assim como de nossa socialização cultural e política, a ponto de realizarmos estudos minimamente enviesados? Em busca de uma abordagem interdisciplinar para os mesmos objetos, diversas ciências vem propondo explicações, assim como correções para áreas vizinhas. É o caso, por exemplo, dos estudos sociológicos e psicológicos acerca da Economia. Tais estudos acabaram por fundar, inclusive, subáreas próprias e renomadas dentro do mundo acadêmico, como a Sociologia Econômica e a Economia Comportamental.

No artigo a seguir, Adam Grant nos apresenta um apanhado de estudos psicológicos acerca dos economistas, e do quanto a teoria econômica, a princípio elaborada para explicar o mundo, pode acabar por influenciar os teóricos e suas próprias percepções e ações no mundo social. Tais contribuições trazidas não sinalizam uma “guerra das ciências”, pura e simplesmente: podem apontar para um futuro frutífero e consiliente, para que as teorias das Ciências Humanas apontem em convergência na construção de modelos mais refinados (e menos enviesados) da realidade.

Introdução e tradução:
Lucas Walmrath

Em 1776, Adam Smith escreveu notoriamente: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar nosso jantar, mas da consideração deles por seu próprio interesse”.

Os economistas partiram desse insight por centenas de anos, e alguns especialistas acham que foram longe demais. Robert Frank, economista da Cornell, acredita que sua profissão está esmagando a cooperação e a generosidade. E ele acredita que ele tem a evidência para provar isso. Considere os pontos destes dados:

Menor doação para caridade: Nos EUA, os professores de economia deram menos dinheiro à caridade do que os professores de outras áreas – incluindo história, filosofia, educação, psicologia, sociologia, antropologia, literatura, física, química e biologia. Mais do que o dobro de professores de economia deram zero dólares para caridade do que professores de outras áreas [1].

Mais fraudes para ganho pessoal: Estudantes de economia na Alemanha foram mais propensos do que os estudantes de outros cursos a recomendar um encanador mais caro que o preço comum quando eram pagos para fazê-lo [2].

Maior aceitação da cobiça: Estudantes de economia e estudantes que haviam cursado pelo menos três cursos/matérias de economia eram mais propensos do que seus pares em avaliar a ganância como “geralmente boa”, “correta” e “moral” [3].

Menor preocupação com a justiça: Em um estudo, alunos receberam 10 dólares e tiveram que fazer uma proposta sobre como dividir o dinheiro com um colega. Se o colega aceitasse, eles tinham um acordo, mas se o par se recusasse, os dois lados não recebiam nada. Em média, os estudantes de economia propuseram manter 13% mais dinheiro para si do que estudantes de outras grandes áreas [4].

Em outro experimento, os alunos recebiam dinheiro e podiam mantê-lo ou doá-lo para o fundo comum, onde seria multiplicado e dividido igualmente entre todos os participantes. Em média, os alunos contribuíram com 49% do seu dinheiro, mas os estudantes de economia contribuíram com apenas 20%. Quando perguntados sobre o que era uma contribuição “justa”, os não-economistas eram claros: 100% deles disseram “metade ou mais” (um total de 25% disse “tudo”). Os economistas lutaram com essa questão. Mais de um terço deles se recusou a responder ou deu respostas ininteligíveis. Os pesquisadores escreveram que o “significado de ‘justiça’ […] era um tanto estranho para esse grupo” [5].

Corações da escuridão

Mas talvez estudar economia não mude as pessoas. Pode ser o caso de uma auto-seleção: alunos que já acreditam no autointeresse são atraídos pela Economia.

Há evidências para esta seleção. Em um estudo com mais de 28.000 estudantes na Suíça, 62% dos estudantes de Economia deram dinheiro pelo menos uma vez para ajudar os alunos necessitados, em comparação com 69% dos demais estudantes. Essas diferenças já estavam presentes antes dos estudantes fazerem um único curso de Economia: os alunos com taxas de doação mais baixas foram atraídos para a Economia. Como calouros, antes de suas primeiras palestras, 71% dos estudantes que escolheram Economia contribuíram, em comparação com 75% dos não-economistas.

Mas isso não exclui a possibilidade de que estudar Economia empurre as pessoas para o extremo egoísta. Além de aprender diretamente sobre o interesse próprio na sala de aula, porque as pessoas egoístas são atraídas pela Economia, os alunos acabam cercados por pessoas que acreditam e agem de acordo com o princípio do interesse próprio. Pesquisas extensivas [6] mostram que quando as pessoas se reúnem em grupos, elas desenvolvem crenças ainda mais extremas do que onde começaram. Os psicólogos sociais chamam isto de polarização de grupo. Ao passar tempo com pessoas que pensam da mesma forma, os estudantes de Economia podem se convencer de que o egoísmo é generalizado e racional – ou, pelo menos, que doar é algo raro e tolo.

Para descobrir se a educação econômica pode mudar as pessoas na direção egoísta, precisamos rastrear crenças e comportamentos ao longo do tempo – ou atribuí-los aleatoriamente à exposição econômica. Veja o que as evidências mostram:

  1. Valores altruístas caem entre estudantes de Economia

No início de seu primeiro ano, estudantes universitários israelenses que planejavam estudar Economia classificaram ser prestativo, honesto, leal e responsável como valores tão importantes quanto os estudantes que estavam estudando Comunicações, Ciência Política e Sociologia. Mas estudantes de Economia do terceiro ano classificaram esses valores como significativamente menos importantes do que os estudantes de Economia do primeiro ano [7].

  1. Os estudantes de Economia permanecem egoístas, apesar de seus pares se tornarem mais cooperativos

Quando confrontados com as escolhas entre cooperar e desertar, no geral, 60% dos estudantes de Economia desertaram, em comparação com apenas 39% de estudantes de outros cursos. Para os não-economistas, 54% dos calouros e do segundo ano desertaram, enquanto apenas 40% dos veteranos o fizeram. Os economistas, por outro lado, não diminuíram significativamente na desistência ao longo do tempo. Aproximadamente 70% desertaram, de modo geral. Os não-economistas se tornaram menos egoístas à medida que amadureciam; economistas, não [8].

  1. Depois de estudar Economia, os estudantes se tornam mais egoístas e esperam o pior dos outros

Frank e seus colegas [1] estudaram universitários em cursos de Astronomia, Teoria dos Jogos Econômicos e Desenvolvimento Econômico. O interesse próprio era uma suposição fundamental na aula de Teoria dos Jogos, mas tinha pouco papel na de Desenvolvimento Econômico. Nas três turmas, os alunos responderam a perguntas sobre o benefício de um erro de faturamento, em que receberiam dez computadores, mas pagariam apenas nove; e encontrariam um envelope perdido com 100 dólares. Eles relataram a probabilidade de comunicar o erro de faturamento e devolver o envelope, e previram as chances de que outras pessoas fizessem o mesmo.

Quando os alunos responderam a essas perguntas em setembro, no início do semestre, as estimativas foram semelhantes entre as três turmas. Quando eles responderam às perguntas novamente em dezembro, no final do semestre, a equipe de Frank registrou quantos alunos diminuíram suas estimativas. Depois de fazer o curso de teoria dos jogos, os alunos passaram a esperar um comportamento mais egoísta dos outros e ficaram menos dispostos a relatar o erro e a devolver o envelope.

“Os efeitos perniciosos da teoria do interesse próprio têm sido muito perturbadores”, escreve Frank em Passions Within Reason [8]. “Ao nos encorajar a esperar o pior dos outros, isso traz o pior de nós: temendo o papel de idiota, muitas vezes relutamos em atender nossos instintos mais nobres”.

  1. Apenas pensar em economia pode nos tornar menos caridosos

A exposição a palavras econômicas pode ser suficiente para inibir a compaixão e a preocupação pelos outros, mesmo entre executivos experientes. Em um experimento [9], Andy Molinsky, Joshua Margolis e eu recrutamos presidentes, diretores executivos, sócios, vice-presidentes, diretores e gerentes de empresas que supervisionavam uma média de 140 funcionários. Nós aleatoriamente os designamos para desembaralhar 30 sentenças, com frases neutras como “árvore, verde, era, um” ou palavras econômicas como “continua, economia, crescendo, nossa”.

Então, os executivos escreveram cartas transmitindo más notícias a um funcionário que foi transferido para uma cidade indesejável, assim como disciplinando uma funcionária altamente competente por estar atrasada para as reuniões porque ela não tinha carro. Codificadores independentes classificaram suas cartas por grau de compaixão.

Os executivos que decifraram frases com palavras econômicas expressaram significativamente menos compaixão. Havia dois fatores em jogo: empatia e falta de profissionalismo. Depois de pensar em economia, os executivos sentiam menos empatia – e mesmo quando demonstravam empatia, temiam que expressar preocupação e oferecer ajuda fossem medidas inapropriadas.

Mudando a Economia e a Educação Empresarial

Como professor de administração, esses efeitos me preocupam. A Economia é amplamente ensinada nas escolas de negócios, fornecendo uma base para cursos de administração, finanças e contabilidade. Administração agora é o mais popular curso de graduação nos EUA [10], e está crescendo em participação de mercado. De 1997 a 1998 a 2007-2008, o número de bacharelados conferidos nos EUA cresceu 32%. No mesmo período, o número de executivos cresceu em torno de 45%. É verdade também no nível de pós-graduação: os graus de Negócios estão logo atrás da Educação como os diplomas de pós-graduação mais comuns conferidos nos EUA.

A Economia empresarial pode ser mais devastadora do que outros cursos. Ao comparar os estudantes em Economia Política e Economia de Negócios, os economistas descobriram que “a disposição de contribuir diminui drasticamente para os estudantes de negócios”. Pode ser por isso que o falecido professor de Stanford, Hal Leavitt, lamentou [11] que a educação empresarial distorça os alunos em “criaturas com cérebros tortos, corações de gelo e almas encolhidas”.

Se a Economia pode desencorajar o comportamento pró-social, o que devemos fazer sobre isso? Não estou sugerindo que paremos de ensinar Economia. Uma compreensão da Economia tem importância vital para os indivíduos e a sociedade. Em vez disso, recomendo três etapas para reduzir as chances de que a Economia corrompa os alunos:

  1. Exigir que os estudantes de Economia façam cursos de Economia Comportamental, que considera o papel das “preferências sociais” como justiça [12], altruísmo [13], cooperação [14] e até mesmo ser racionalmente altruísta;
  2. Exigir que os estudantes de Economia façam cursos de larga escala em Ciências Sociais, como Antropologia Biológica [15], Sociologia e Psicologia [16], que enfatizam substancialmente a forma como as pessoas se preocupam com as outras, não apenas com elas mesmas;
  3. Fazer um trabalho melhor nos cursos de Economia, definindo o princípio do interesse próprio em torno da utilidade, que envolve qualquer coisa que uma pessoa valorize – inclusive ajudar os outros. Isso pode significar abordar a evidência de que a seleção natural pode favorecer o comportamento altruísta [17] e que o egoísmo puro é menos comum do que ser “grupal” [18] (disposto a colocar os interesses do grupo à frente de seus interesses pessoais) e “alheio” [19] (muitas vezes motivado a ajudar os outros e a si próprio ao mesmo tempo).

Até lá, podemos estar condenando os estudantes e a sociedade a um destino anunciado pelo economista e filósofo Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel. Chamando os economistas de “tolos racionais”, Sen observou: “O homem puramente econômico está perto de ser um idiota social” [20].

Referências

[1] FRANK, Robert H.; GILOVICH, Thomas; REGAN, Dennis T. Does Studying Economics Inhibit Cooperation? The Journal of Economic Perspectives, v. 7, n. 2, p. 159–171, 1993.

[2] FRANK, Björn; SCHULZE, Günther G. Does economics make citizens corrupt? Journal of Economic Behavior & Organization, v. 43, n. 1, p. 101–113, 1 set. 2000.

[3] WANG, Long; MALHOTRA, Deepak; MURNIGHAN, J. Keith. Economics Education and Greed. Academy of Management Learning & Education, v. 10, n. 4, p. 643–660, 1 dez. 2011.

[4] CARTER, John R.; IRONS, Michael D. Are Economists Different, and If So, Why? The Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 2, p. 171–177, 1991.

[5] MARWELL, Gerald; AMES, Ruth E. Economists free ride, does anyone else?: Experiments on the provision of public goods, IV. Journal of Public Economics, v. 15, n. 3, p. 295–310, 1 jun. 1981.

[6] ISENBERG, Daniel J. (1986). Group polarization: A critical review and meta-analysis. Journal of Personality and Social Psychology, 50(6), 1141-1151.

[7] GANDAL, Neil et al. Personal value priorities of economists. Human Relations, v. 58, n. 10, p. 1227–1252, 1 out. 2005.

[8] FRANK, Robert H. Passions Within Reason: The Strategic Role of the Emotions. New York, NY: W. W. Norton & Company, 1988.

[9] MOLINSKY, Andrew L.; GRANT, Adam M.; MARGOLIS, Joshua D. The bedside manner of homo economicus: How and why priming an economic schema reduces compassion. Organizational Behavior and Human Decision Processes, v. 119, n. 1, p. 27–37, 1 set. 2012.

[10] FRANEK, Rob. Top 10 College Majors. Educacional. Disponível em: <https://www.princetonreview.com/college-advice/top-ten-college-majors>. Acesso em: 17 dez. 2018.

[11] LEAVITT, Harold J. Educating Our MBAs: On Teaching What We Haven’t Taught. California Management Review, v. 31, n. 89, mar. 1989. Disponível em: <http://connection.ebscohost.com/c/articles/4762957/educating-our-mbas-teaching-what-we-havent-taught>. Acesso em: 17 dez. 2018.

[12] RABIN, Matthew. Psychology and Economics. Journal of Economic Literature, v. 36, n. 1, p. 11–46, 1998.

[13] BÉNABOU, Roland; TIROLE, Jean. Incentives and Prosocial Behavior. Working Paper, nº 11535. [S.l.]: National Bureau of Economic Research, ago. 2005. Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w11535>. Acesso em: 17 dez. 2018.

[14] FEHR, Ernst; GÄCHTER, Simon. Altruistic punishment in humans. Nature, v. 415, n. 6868, p. 137–140, jan. 2002.

[15] BOEHM, Christopher. Moral Origins: The Evolution of Virtue, Altruism, and Shame. 1ª ed. New York: Basic Books, 2012.

[16] DOVIDIO, John F. et al. The Social Psychology of Prosocial Behavior. 1ª ed. Mahwah, N.J: Psychology Press, 2006.

[17] SOBER, Prof Elliott; WILSON, David Sloan. Unto Others: The Evolution and Psychology of Unselfish Behavior. New Ed edition ed. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1999.

[18] HAIDT, Jonathan. The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion. Reprint edition. New York: Vintage, 2013.

[19] GRANT, Adam. Give and Take: Why Helping Others Drives Our Success. New York, N.Y: Viking, 2013.

[20] SEN, Amartya K. Rational Fools: A Critique of the Behavioral Foundations of Economic Theory. Philosophy & Public Affairs, v. 6, n. 4, p. 317–344, 1977.

1The Wharton School, University of Pennsylvania

Lucas Walmrath

Lucas Walmrath