Por Roberta Kwok
Publicado na Nature
Em 2016, Liz Haswell tirou um ano sabático e viciou-se em podcasts como os de jornalismo investigativo This American Life e Serial. Haswell — que é botânica na Universidade Washington em St. Louis, Missouri — amou o estilo informal e falante do meio de comunicação, e também a conveniência de ouvir enquanto realiza outras tarefas. Ela começou a considerar a ideia de fazer um podcast de ciência com um amigo. Porém, a ideia não saiu do papel até o editor chefe do The Plant Cell, um jornal publicado pela Sociedade Americana de Biólogos das Plantas (ASPB em sigla inglesa), o qual Haswell ajudou a editar, convidou-a para montar um clube de jornalismo.
Haswell e seu amigo Ivan Baxter, também botânico no Centro de Plantas Donald Danforth em St. Louis, propuseram então criar e co-apresentar um podcast. A ASPB concordou, e Haswell e Baxter encontraram seis cientistas para serem seus convidados na primeira temporada de seu show, denominado The Taproot. Episódios exploram as histórias dos bastidores dos estudos de botânica; por exemplo, um pesquisador contou que perguntou a outros cientistas pelo Twitter se podiam ajudá-lo à analisar dados genômicos de um surto de uma doença fúngica que ele havia postado online.
Episódios de The Taproot foram coletivamente baixados aproximadamente 36.000 vezes, e a equipe lançará a terceira temporada em Dezembro de 2019. “Eu realmente amo as conversas que temos com as pessoas”, afirma Haswell.
Ela não está sozinha na defesa do conteúdo em áudio. Em 2005, a plataforma de podcast da Apple ofertava mais de 3.000 shows ativos; em 2018, esse número passou os 600.000. Mesmo que os shows de ciência componham uma pequena fração do total, eles estão crescendo, de acordo com um estudo por Lewis MacKenzie, um físico biomédico e divulgador científico na universidade Durham no Reino Unido (L. E. MacKenzie R. Soc. Open Sci. 6, 180932; 2019). O número de podcasts científicos na língua inglesa identificados por MacKenzie cresceu de aproximadamente 200 em 2010 para 952 em 2018, e 38% desdes eram produzidos independentemente. Há uns 10-15 anos atrás, “todo mundo estava começando um blog”, Haswell diz. “Agora todo mundo está fazendo um podcast.”
Isso acontece porque os podcasts se tornaram mais fáceis de produzir e acessar. No passado, criadores de podcasts geralmente precisavam de estúdios com equipamento de gravação, e as audiências tinham que baixar os arquivos de áudio em seus computadores e aí transferir para seus tocadores de MP3 para ouvir, ressalta Kat Arney, diretor do First Create the Media Ltd., uma consultoria de divulgação científica em Maidenhead, Reino Unido. Agora, gravadores decentes não são caríssimos, software de edição estão disponíveis de graça e serviços online tornaram a distribuição descomplicada. “Não há nenhuma barreira virtual para entrar,” Arney diz. Além disso, ouvintes podem baixar episódios em seus telefones com o toque de um dedo. Porém, a ausência de barreiras no mercado pode fazer com que seja difícil achar audiências. “Você tem que perceber que realmente é um mercado superlotado,” afirma Alison Ballance, uma produtora sênior na Rádio New Zealand em Wellington, Nova Zelândia. Em seu estudo, MacKenzie descobriu que praticamente metade dos podcasts de ciência não duravam mais que dois anos.
Da mesma forma, apenas 24% dos podcasts de ciência atualmente parecem ganhar algum lucro, que vem através de propagandas, doações e venda de produtos, conforme o estudo de MacKenzie. Para muitos dos pesquisadores que usam o áudio como principal ferramente de comunicação científica, fazer dinheiro não é o ponto. “Faço algo que amo,” afirma Haswell. “Não há nada melhor que uma atividade de divulgação com a qual você está verdadeiramente apaixonado.”
Alguns cientistas notam que o ato de fazer um podcast pode levar a benefícios tangíveis na carreira. Convidar pesquisadores renomados para uma conversa é um ótimo jeito de conhecê-los e pode ser menos intimidador que, por exemplo, abordá-los em uma conferência sem um motivo específico, afirma Hugh Osborn, astrônomo no Laboratório de Astrofísica de Marselha, na França, e co-apresentador do podcast Exocast. Haswell diz que apresentar o The Taproot elevou seu perfil entre os botânicos. Em um encontro da ASPB, outros pesquisadores a reconheceram do podcast. Em 2017, ela foi eleita como delegada do conselho de ciências biológicas na Associação Americana para o Avanço da Ciência em Washington DC, e ela suspeita que mencionar o podcast em sua biografia ajudou-a à conseguir tal feito.
Pesquisadores no início de carreira podem apontar a produção de podcasts como divulgação. Marcos Vinicius Dantas-Queiroz, estudante de doutorado em botânica na Universidade de São Paulo, coproduziu o podcast de ciência Dragões de Garagem independentemente por quase três anos. Ele menciona o trabalho em seu currículo e espera que as habilidades de comunicação que ele ganhou aumentem suas chances de se lançar em carreira acadêmica. “Eu penso que esse podcast abrirá muitas portas na minha carreira,” afirma ele.
Encontrando um nicho
Podcasts são frequentemente descritos como íntimos. Muitas pessoas os escutam sozinhas com seus fones de ouvido e os apresentadores e convidados podem contar histórias de modo informal em seus próprios tons. “Você fica todo elétrico e animado,” diz Ballance. Ouvintes frequentemente dão play enquanto estão em trânsito, se exercitando, fazendo tarefas ou no laboratório.
Alguns pesquisadores utilizam o meio para obter a perspectiva que eles acreditam estar faltando do jornalismo científico. Exocast, que consegue aproximadamente 500-600 downloads por episódio, tenta oferecer discussões equilibradas e profundas de resultados que não receberam uma atenção crítica da mídia, ressalta Osborn. Por exemplo, em um de seus episódios, Osborn deu um banho de água fria nas notícias sobre a Estrela de Tabby, corpo celeste que era alvo especulações da mídia sobre estruturas alienígenas estarem circundando-a.
E podcasts podem fornecer orientações e dicas valiosas para a comunidade pesquisadora. O The Taproot almeja mostrar que as dificuldades de pesquisa são comuns, além de ressaltar desafios que seus convidados enfrentam. Uma convidada uma vez contou uma história de seus anos de graduação sobre a dificuldade que foi conseguir colaboradores renomados entrarem em consenso sobre a nomenclatura de uma família de genes.
Cientistas os quais querem começar um podcast devem ter um nicho único em mente, MacKenzie afirma, como por exemplo sobre um campo não muito conhecido e explorado ou um formato inusitado, tal como a comédia científica.
Alex Lathbridge, estudante de doutorado em bioquímica na Universidade de Bath no Reino Unido, sabia seus ouvintes-alvo quando ele começou o podcast Why Aren’t You a Doctor Yet? (Porque Você Não É Médico ainda?, em tradução livre) em 2017. Ele queria criar um show com perspectivas mais culturalmente diversas do que aquelas vistas frequentemente em mídias relacionadas à ciência e que apelariam para pessoas que ele – um Londrino millennial e filho de pais Ganenses expatriados – tinha crescido ao redor. O show cobriria assuntos relacionados à ciência e tecnologia em geral, mirando em uma audiência multicultural entre 18-34 anos.
Para tal feito, Lathbridge recrutou três co-apresentadores que também eram membros de minorias étnicas, e a equipe frequentemente tratava de tópicos relevantes para essas populações. Em um episódio, os locutores discutiram o mecanismo de identificação de possíveis membros de gangues da Polícia Metropolitana de Londres, a ser incorporado em um banco de dados — um sistema que críticos afirmam tornar homens negros jovens como alvos desproporcionais — e o uso de uma fórmula que pontua o risco de cada pessoa cometer crimes violentos. O grupo falou tanto da tecnologia quanto de suas perspectivas pessoais acerca do problema, diz Lathbridge. O podcast ficou destacado na primeira página do iTunes, e cada episódio é baixado uma média de 1.500 vezes durante a primeira semana após o lançamento.
Alguns pesquisadores acharam grandes audiências fugindo da dura competição no mercado de língua inglesa. No Brasil, há relativamente poucos podcasts de ciência, informa Dantas-Queiroz. Ele e seus amigos iniciaram Dragões de Garagem em 2012 para tratar assuntos relacionados à ciência em Português. O show, o qual tem um estilo informal e vira e mexe utiliza referências da cultura pop, agora alcança cerca de 19.000 downloads por episódio.
Encontrar o equilíbrio entre a linguagem técnica e a leiga pode ser desafiador para podcasts que tratam de assuntos específicos. Exocast é direcionado à qualquer um interessado em exoplanetas. Porém, mesmo a equipe querendo que o show seja acessível, explicar conceitos de astronomia básica em cada episódio provavelmente seria maçante e repetitivo para os ouvintes regulares, afirma Osborn. Ele percebeu que os apresentadores tentam dar uma ideia geral de termos que são fundamentais pra discussão, mas se ocorre de se referirem a um assunto brevemente, eles podem direcionar os ouvintes para um episódio anterior ou fonte externa para mais informações.
Hora do lançamento
Para começar a fazer um podcast, cientistas podem consultar tutoriais online. Emily Roberts, que tem instrução em engenharia biomédica e fundou a companhia Personal Finance for PhDs em Seattle, Washington, empresa que cuida das finanças de estudantes de doutorado, se sentiu intimidada quando decidiu criar um podcast com o mesmo nome em 2018. No entanto, ela encontrou dicas sobre como começar através de um tutorial grátis online que esclarecia os tópicos básicos, como microfones e distribuição dos episódios; é produzido por Pat Flynn, apresentador do show sobre negócios Smart Passive Income Podcast. Qualidade de áudio é um componente fundamental de um podcast (veja abaixo “Dicas de Áudio”). Se o podcast tem som distorcido ou mudanças estranhas de volume, “para mim, é decepcionante”, confessa Arney.
Dicas de áudio
Aqui estão alguns conselhos para começar na produção de podcasts:
- Invista em um bom microfone. Algumas marcas de referência sugeridas por apresentadores são Audio-Technica e Blue.
- Grave em um quarto silencioso com mobília suave para aumentar a qualidade da gravação. Universidades frequentemente possuem estúdios de gravação.
- Limite para até quatro o número de pessoas em uma conversa. Apresente os convidados no começo do episódio e mencione novamente seus nomes e detalhes, tais como ocupação, para ajudar os ouvintes a distinguir suas vozes.
- Para maior qualidade, cada pessoa deve gravar uma faixa de áudio exclusiva, e essas podem ser editadas juntas.
- Durante cada episódio, dê uma perspectiva dos episódios futuros.
- Use software de edição. Opções populares incluem o Audacity (grátis) e REAPER (entre 60 e 225 dólares).
- Considere utilizar serviços online como Libsyn e Blubrry.com, eles podem ajudar os produtores à distribuírem o show aos interessados.
Produtores utilizam vários mecanismos para conectar locutores aos convidados distantes. Haswell e Baxter contam com um sistema de produção de podcast online denominado Cast, e Roberts utiliza o software de videoconferência da Zoom. Osborn e seus co-apresentadores, que vivem em diferentes cidades, falam através do Skype, e cada pessoa grava uma faixa de áudio individual em seu celular ou notebook; depois, eles editam e juntam as faixas. Há também o caso da equipe de Lathbridge que se encontra pessoalmente para gravar os shows juntos. “Nós nos mantemos da energia uns dos outros”, ele diz. “É como conversar com seus colegas; então, conseguir que nós estejamos no mesmo quarto é primordial para mim.”
Para alcançar os ouvintes, os criadores devem divulgar seus podcasts através de redes sociais e anexar as notas do show ou a transcrição do podcast em seu website para aumentar as chances de serem encontrados através da pesquisa do Google. Cientistas com seu próprio podcast podem pedir para produtores de podcasts parecidos divulgarem-no, e vice-versa. Osborn inclui um slide sobre o Exocast ao fim da maioria de suas apresentações em conferências. Além disso, convidados com muitos seguidores nas redes sociais podem maximizar a divulgação do show.
Novos criadores de podcasts podem ficar desanimados quando os downloads são poucos, mas “é importante lembrar porque você começou a fazer o podcast em primeiro lugar”, diz Arney. Alguns cientistas querem melhorar sua habilidade de comunicação, trabalhar melhor com amigos ou só se divertir. Nesses casos, Arney afirma, pesquisadores podem medir seu sucesso com base no quão orgulhosos estão, o quanto melhoraram o podcast através do tempo e se estão aproveitando o processo.
Uma audiência que dá sua opinião e encoraja através das redes sociais ou e-mail pode motivar os produtores à continuar mesmo se os números estiverem baixos, nota MacKenzie. Depois que o The Taproot lançou um episódio sobre saúde mental de estudantes de graduação, em maio de 2018, e alguns pesquisadores elogiaram no Twitter o fato do show estar tratando desse assunto. Críticas podem estimular o show à melhorar. Um ouvinte tuitou sobre a baixa diversidade étnica apresentada no The Taproot, o que motivou Haswell e Baxter a variar mais os convidados na próxima temporada.
Renda
Alguns criadores conseguem financiamento ou outro tipo de suporte através dos podcasts. A ASPB cobre algumas despesas do The Taproot, como a assinatura do serviço de gravação Cast, conta Haswell. A equipe de Lathbridge ganha cerca de 1.300 dólares da Sociedade de Bioquímica de Londres por sua divulgação científica. Eles utilizaram parte dos fundos para produzir 5 episódios tratando de temas da biologia. Em 2018, Arney começou um podcast para a Sociedade de Genética de Londres chamado Genetics Unzipped e decidiu hospedá-lo no Acast, uma plataforma de podcast que assegura anunciantes e concede aos criadores uma parte da receita. (Working Scientist, Nature Careers Podcast e Nature Podcast estão todos também na plataforma Acast).
Ainda há poucas oportunidades para pesquisadores que querem viver do podcast, como que profissionalmente. Depois de seu doutorado em desenvolvimento genético, Arney conseguiu um trabalho em divulgação científica na organização Cancer Research UK, em Londres, que trata de pesquisa oncológica; sua função incluiu fazer um podcast. Agora ela trabalha como escritora freelancer, locutora de rádio e produtora de podcast. Ballance, que tem instrução em zoologia, começou pesquisando vida animal para documentários, trabalhou até conseguir produzir e dirigi-los e então mudou para uma rádio. Como pagamento, produção de áudio de modo freelancer gera de 250 à 500 dólares por dia, revela Arney. Já Ballance estima que jornalistas de rádios na Nova Zelândia façam de 35.000 à 40.000 dólares ao ano.
Cientistas podem se intimidar pela ideia de entrar no mercado congestionado de podcasts. Mas ainda há espaço para mais vozes, diz Haswell. “Acho que ainda não atingimos a saturação,” afirma ela. “Ninguém deveria sentir que não há espaço para novas opiniões.”