Benjamin Page, professor de Ciência Política
na Northwestern University (EUA)
Jason Seawright, professor de Ciência Política
na Northwestern University (EUA)
Matthew Lacombe, professor de Ciência Política
no Barnard College da Columbia University (EUA)
Publicado originalmente pelos autores no The Guardian
Se julgarmos os bilionários norte-americanos pelos seus pares mais famosos, eles podem parecer um grupo bastante atraente: um grupo ideologicamente diverso (talvez até tendendo à centro-esquerda), franco em falar sobre suas opiniões políticas e composto por generosos filantropos que ajudam com o bem comum – para não mencionar os bens e empregos que ajudaram a produzir.
Os titãs mais importantes – Warren Buffett, Jeff Bezos e Bill Gates – assumiram posições de centro-esquerda em várias questões, e Buffett e Gates são modelos de filantropia. O ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, é conhecido por defender o controle de armas, os direitos dos gays e a proteção ambiental. George Soros (protetor dos direitos humanos em todo o mundo) e Tom Steyer (focado em jovens e questões ambientais) foram grandes doadores para os democratas. Nos últimos anos, jornalistas investigativos também chamaram a atenção do público Charles e David Koch, mega doadores para causas ultra-conservadoras. Mas, dada a grande proeminência de vários bilionários de centro-esquerda, isso [as matérias sobre os bilionários conservadores] pode parecer apenas um acerto da balança, preenchendo uma imagem de uma espécie de um pluralismo Madisoniano [1] entre os bilionários.
Infelizmente, esta imagem é enganosa. Nosso novo estudo sistemático dos 100 americanos mais ricos indica que Buffett, Gates, Bloomberg et al não são de todo típicos. A maioria dos bilionários americanos mais ricos – que são muito menos visíveis e menos relatados – se assemelha mais a Charles Koch. Eles são extremamente conservadores em questões econômicas: obcecados em cortar impostos, especialmente impostos sobre propriedades – que se aplicam apenas aos americanos mais ricos; opostos à regulamentação governamental do meio ambiente ou dos grandes bancos; desinteressados nos programas governamentais para ajudar com empregos, renda, assistência médica ou aposentadorias – programas apoiados pela grande maioria dos americanos; tentados a cortar déficits e encolher o governo cortando ou privatizando benefícios garantidos da seguridade social.
Como isso pode ser assim? Se isso é verdade, por que os eleitores não estão cientes e zangados com isso?
A resposta é simples: bilionários que favorecem políticas econômicas impopulares e ultraconservadoras e trabalham ativamente para promovê-las (ou seja, a maioria dos bilionários politicamente ativos) permanecem quase inteiramente calados sobre essas questões em público. Esta é uma escolha deliberada. Os bilionários têm bastante acesso à mídia, mas a maioria deles escolhe não dizer nada sobre as questões políticas do dia. Eles deliberadamente seguem uma estratégia do que chamamos de “política furtiva” [stealth politics, em inglês].
Chegamos a essa conclusão com base em um estudo exaustivo, baseado em web-scraping, de tudo o que os 100 bilionários mais ricos dos EUA disseram ou fizeram, durante um período de 10 anos, sobre várias questões importantes de políticas públicas. Para cada bilionário, usamos várias dezenas de palavras-chave cuidadosamente selecionadas para encontrar todas as informações publicamente disponíveis sobre suas conversas ou ações específicas relacionadas a qualquer aspecto da previdência social, qualquer tipo de tributação ou qualquer coisa relacionada ao aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo ou política de imigração.
Considere, por exemplo, a seguridade social, o maior e mais popular programa doméstico dos Estados Unidos. A seguridade social tem sido objeto de debates espirituosos há décadas. A seguridade social está indo à “falência”? (Não). Seus benefícios devem ser ampliados, para manter a renda de todos os aposentados bem acima da linha de pobreza? Ou – como defendido pelo bilionário Pete Peterson (co-fundador da empresa de private equity Blackstone) e seus aliados ricos que temem que altos gastos e déficits do governo corroam os valores dos títulos – os benefícios garantidos devem ser cortados, talvez por ajustes menos generosos relativos aos custos de vida ou mesmo encerrados inteiramente, deixando aposentados com contas privadas sujeitas a flutuações do mercado de ações?
A maioria dos bilionários norte-americanos mais ricos fez contribuições financeiras substanciais – no valor de centenas de milhares de dólares reportados anualmente, além de contribuições não reveladas de “dinheiro escuro” – a candidatos e funcionários republicanos conservadores que preferem os cortes muito impopulares em vez de expandir benefícios previdenciários. No entanto, durante o período de 10 anos que estudamos, 97% dos bilionários mais ricos não disseram nada sobre política de seguridade social. Nada sobre os níveis de benefícios, ajustes no custo de vida ou privatização. (Também nada sobre a popular ideia de aumentar as finanças da seguridade social, removendo o baixo “limite” de renda sujeito a impostos sobre a folha de pagamento e aumentando a renda dos ricos). Como os eleitores podem saber que a maioria dos bilionários está trabalhando para reduzir seus benefícios da previdência social?
De fato, as pessoas que prestam mais atenção à mídia podem ser as mais enganadas, porque a maioria dos poucos bilionários que se manifestaram sobre previdência social – como Buffett e Soros – apoiaram um generoso sistema de previdência social em entrevistas na televisão e artigos de jornal.
Ou considere o imposto sobre heranças [2]. Nosso estudo descreveu as atividades silenciosas de 12 dos bilionários mais ricos – incluindo os Kochs e (talvez sem surpresa) vários herdeiros ricos das fortunas de Walton e Mars – com o objetivo específico de cortar ou abolir o imposto sobre imóveis. Eles deram dinheiro a organizações orientadas a políticas públicas que procuravam abolir o imposto, ou fundaram essas organizações, e participaram em seus conselhos. Nenhum bilionário realizou essa atividade para apoiar esse imposto.
No entanto, também aqui os cidadãos podem ser seriamente enganados pelo que um punhado de bilionários famosos disse em público. Entre os que se manifestaram, mais da metade apoiou o imposto imobiliário. Isso inclui nossos suspeitos de sempre – Gates, Buffett e Bloomberg – que são muito atípicos dos bilionários dos EUA como um todo.
Nossas descobertas ajudam a esclarecer como a rede política construída pelos irmãos Koch poderia ter se tornado tão poderosa. Os Kochs têm um campo fértil de bilionários conservadores menos conhecidos para cultivar centenas de milhões de dólares em contribuições secretas e não relatadas. O empreendedorismo e as habilidades organizacionais dos Kochs, juntamente com as contribuições furtivas desses bilionários pouco conhecidos, produziram um grande empecilho político.
Tanto como indivíduos quanto como contribuintes dos consórcios do tipo Koch, a maioria dos bilionários norte-americanos doou grandes quantias em dinheiro – e muitos se envolveram em atividades intensas – para promover políticas econômicas impopulares, exacerbadoras e altamente conservadoras. Mas eles fizeram isso muito discretamente, dizendo pouco ou nada em público sobre o que estão fazendo ou por quê. Eles evitaram a responsabilidade política. Acreditamos que esse tipo de política furtiva é prejudicial à democracia.
Referência do livro: PAGE, Benjamin I.; SEAWRIGHT, Jason; LACOMBE, Matthew J. Billionaires and Stealth Politics. 1a ed. Chicago; London: University of Chicago Press, 2018.
[1] pluralismo madisoniano: referência a James Madison, filósofo político e 4º presidente dos EUA (1809-1817). Madison defendia que o sistema político-democrático deveria ser plural, abrangendo várias tendências políticas e demandas da sociedade, em contraposição a um sistema dominado por apenas uma facção política.
[2] em inglês estate taxes: imposto sobre heranças monetárias ou em forma de propriedades