Traduzido por Julio Batista
Original de Carly Cassella para o ScienceAlert
As culturas humanas podem ver o mundo através de lentes muito diferentes, mas a maneira como classificamos as estrelas no céu noturno é surpreendentemente universal.
Mesmo quando separadas por grandes diferenças de tempo e espaço, muitas das mesmas constelações se destacam repetidas vezes na história humana, embora com nomes e histórias diferentes por trás delas.
A constelação de Órion é visível em todo o mundo e é um dos exemplos mais óbvios.
Enquanto os gregos antigos viam um caçador determinado diante de um touro que o atacava, com clava e escudo na mão, no hemisfério sul, um grupo muito mais antigo de aborígenes australianos, conhecido como Wiradjuri, via seu ancestral criador Baiame, empunhando um escudo e bumerangue.
Tanto Baiame quanto Órion estão perseguindo sete jovens, conhecidas como irmãs Yugarilya ou irmãs Plêiades, respectivamente. No entanto, no hemisfério sul, a constelação de Órion aparece de cabeça para baixo, inspirando histórias de Baiame caindo em uma caçada enquanto sua constelação mergulha de cabeça no horizonte.
Longe de ser uma coincidência marcante, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia (EUA) propuseram agora que algo está nos atraindo para representações semelhantes de luzes no céu, independentemente de nossa cultura.
“Nossa hipótese é que a percepção de grupos de estrelas (constelações) pode ser explicada por um modelo simples de movimentos oculares em uma trajetória aleatória ao longo de uma rede de probabilidades de transição estrela para estrela”, escreveram em um resumo que foi apresentado em uma reunião da American Physical Society em março.
Os resultados completos ainda não foram publicados, mas os autores argumentam que esse ‘trajetória’ visual é influenciada pelo tamanho das estrelas e a distância entre elas, junto com os movimentos rápidos e minúsculos que os olhos humanos fazem quando estão examinando uma cena, também conhecido como sacadas.
Criando um modelo de energia livre com base nesses fatores, a equipe calculou a probabilidade de organizar mentalmente estrelas visíveis em aglomerados entre uma matriz altamente complexa.
Quando aplicado ao céu noturno, este modelo identificou com sucesso 88 constelações já reconhecidas pela União Astronômica Internacional.
“Mostramos que as estatísticas dos aglomerados de estrelas percebidos se alinham naturalmente com os limites das constelações verdadeiras”, concluem os autores.
Claro, isso não quer dizer que não existam diferenças culturais na percepção humana – apenas que existem consistências notáveis também.
No hemisfério sul, por exemplo, era mais comum que as culturas antigas usassem espaços escuros e também estrelas brilhantes para contar suas histórias, mas mesmo assim há sobreposições nas constelações.
Alguns australianos aborígines, por exemplo, veem um emu celestial nas faixas de poeira escura da Via Láctea. A mesma ausência de luz aparece como uma ema – um parente distante da emu – para o povo Tupi do Brasil e da Bolívia.
Obviamente, nem todas as constelações podem ser vistas totalmente ou na mesma orientação nos hemisférios sul e norte. Dependendo de onde no mundo você olhar, poderá ver algo um pouco diferente.
A Ursa Maior é uma constelação famosa vista apenas no hemisfério norte, mas para os Gwich’in do Alasca essas estrelas são parte de um quadro muito maior – que ocupa quase todo o céu noturno visível.
Cientistas e antropólogos há muito tempo se perguntam por que vemos semelhanças e diferenças no céu noturno. É cultural? É sobre localização? É algo mais inerente? É uma mistura de fatores? Essas são perguntas que ainda precisam ser respondidas, mas o novo estudo sugere que há algo universal na observação das estrelas, algo capaz de transcender o espaço, o tempo e as pessoas.
“Antigos povos de várias culturas conectavam grupos semelhantes de estrelas independentemente uns dos outros”, disse David, um estudante do ensino médio que trabalhou com a equipe ao Science News.
“E isso indica que existem alguns aspectos fundamentais da aprendizagem humana… que influenciam a maneira como organizamos as informações.”
E também a maneira como entendemos nosso próprio lugar no mundo.
O estudo foi apresentado no American Physical Society March Meeting.