Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Um raio gama cósmico detectado cruzando a Via Láctea quebrou o recorde do mais energético que encontramos até agora, atingindo 957 trilhões de elétronvolts (teraeletronvolts, ou TeV).
Isso não apenas mais que dobra o recorde anterior, mas nos aproxima da faixa de petaeletronvolts (que é um quatrilhão de elétronvolts) – finalmente confirmando a existência de superaceleradores cósmicos que podem impulsionar fótons para essas energias na Via Láctea.
Esse superacelerador é chamado de PeVatron. Encontrá-los nos ajudará a descobrir o que está produzindo os raios gama de alta energia que cruzam a galáxia.
“Este trabalho pioneiro abre uma nova janela para a exploração do universo extremo”, disse o físico Jing Huang, da Academia Chinesa de Ciências. “As evidências observacionais representam um marco importante para a revelação das origens dos raios cósmicos, que intrigam a humanidade há mais de um século.”
A detecção foi a mais enérgica em uma série de 23 raios gama de ultra-alta energia detectados pela equipe, acima da faixa de 398 TeV, em ASgamma, uma instalação administrada em conjunto pela China e pelo Japão no Tibete desde 1990.
Curiosamente, e ao contrário do detentor do recorde anterior, que foi rastreado até a Nebulosa do Caranguejo, esses 23 raios gama não pareciam apontar para uma fonte, mas se espalharam de forma difusa pelo disco galático.
Eles poderiam, no entanto, ainda nos dizer onde poderíamos tentar procurar PeVatrons dentro da Via Láctea – o que, por sua vez, poderia nos levar a finalmente descobrir onde nascem os raios cósmicos mais poderosos do Universo.
Primeiro, precisamos fazer uma distinção entre raios cósmicos e raios gama. Os raios cósmicos são partículas como prótons e núcleos atômicos que fluem constantemente através do espaço quase na velocidade da luz.
Acredita-se que os raios cósmicos de ultra-alta energia venham de fontes como supernovas e remanescentes de supernovas, regiões de formação de estrelas e buracos negros supermassivos, onde campos magnéticos poderosos podem acelerar as partículas. Mas tem sido difícil analisar essas ideias com observações porque os raios cósmicos carregam uma carga elétrica; isso significa que sua direção muda quando eles viajam através de um campo magnético – o qual a galáxia está absolutamente carregada.
Masssss… Essas pequenas partículas poderosas não se movem livremente sem consequências. Eles podem interagir com o meio interestelar – gás e poeira que paira no espaço entre as estrelas – que por sua vez produz fótons de raios gama de alta energia, com cerca de 10% da energia de seus parentes raios cósmicos.
Isso acontece perto do PeVatron – e os raios gama não têm carga elétrica, então eles se movem direto pelo espaço de A a B, completamente livres de campos magnéticos.
Se tivermos sorte, esse B é a Terra; o raio gama colide com nossa atmosfera, produzindo uma chuva em cascata de partículas inofensivas. É esse chuveiro que o Air Shower Array da ASgamma consegue capturar.
Os detectores Cherenkov em água subterrânea foram adicionados em 2014 para detectar múons produzidos por raios cósmicos, permitindo aos cientistas aqui na Terra extrair os dados de raios cósmicos de fundo a fim de detectar e reconstruir de forma mais nítida os chuveiros de raios gama.
Foi assim que a colaboração detectou o raio gama da Nebulosa do Caranguejo, que bateu o recorde; e agora, como eles encontraram seus 23 raios gama de ultra-alta energia, incluindo o raio gama que quebrou esse recorde de PeV.
Sua existência e distribuição difusa implicam na existência de prótons acelerados talvez até mesmo na faixa de 10 PeV – sugerindo PeVatrons onipresentes espalhados pela Via Láctea, disseram os pesquisadores.
O próximo passo será tentar encontrá-los. É possível que pelo menos alguns deles estejam extintos e não mais ativos, deixando apenas os raios cósmicos e os raios gama como evidências.
“Desses PeVatrons mortos, que estão extintos como os dinossauros, só podemos ver seus fósseis – os raios cósmicos que eles produziram ao longo de alguns milhões de anos, espalhados pelo disco galático”, disse o astrofísico Masato Takita, da Universidade de Tóquio, no Japão.
“Se pudermos localizar PeVatrons reais e ativos, podemos estudar muito mais questões. Que tipo de estrela emite nossos raios gama sub-PeV e seus raios cósmicos relacionados? Como uma estrela pode acelerar os raios cósmicos até as energias PeV? Como os raios se propagam dentro do nosso disco galático?”
É até possível – como com tantas coisas – que haja mais de uma resposta para todas essas perguntas.
Trabalhos futuros, tanto do ASgamma quanto dos próximos detectores, como o Large High Altitude Air Shower Observatory, o Cherenkov Telescope Array e o Observatório de Raios Gama de Campo Amplo do Sul, podem finalmente nos ajudar a encontrá-los.
A pesquisa foi publicada na Physical Review Letters.