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Novas representações de antigos hominídeos visam superar vieses artísticos

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Representações de ancestrais e primos humanos extintos costumam ser mais arte do que ciência.

Tomemos, por exemplo, duas reconstruções da criança de Taung, um crânio de Australopithecus africanus de 2,8 milhões de anos descoberto na África do Sul em 1924. Uma versão, feita usando a intuição de um escultor, parece mais simiesca. Uma segunda versão, feita enquanto trabalhava ao lado de um cientista, parece mais humana.

Agora, os pesquisadores que produziram as duas imagens estão tentando remover parte dessa subjetividade, introduzindo padrões que podem fornecer retratos mais precisos e reproduzíveis de espécies conhecidas apenas por ossos fossilizados. A equipe aponta algumas das falhas nas reconstruções faciais de hominídeos antigos – e as implicações sociais e éticas que os retratos enganosos podem ter – em um relatório publicado em 26 de fevereiro na Frontiers in Ecology and Evolution.

Essas duas reconstruções da criança de Taung dependem de decisões subjetivas que podem fazê-la parecer mais simiesca (esquerda) ou humana (direita). Créditos: G. Vinas / R.M. Campbell / M. Henneberg / R. Diogo.

Fazer as representações corretas é importante, disse Rui Diogo, um antropólogo biológico da Universidade Howard em Washington, DC (EUA). Quando os visitantes do museu veem representações artísticas de Neandertais ou hominídeos extintos, eles muitas vezes não percebem o quanto o viés pode estar presente no trabalho. “Eles acham que é a realidade”, disse ele. E isso pode distorcer os pontos de vista das pessoas e reforçar os preconceitos existentes nas pessoas de hoje.

Por exemplo, reconstruções de vários hominídeos extintos no Museu Nacional de História Natural Smithsonian em Washington, DC, retratam a pele ficando cada vez mais clara à medida que as espécies se tornam cada vez mais bípedes. “Mas não há evidências para dizer que a pele estava ficando mais branca”, disse Diogo. Essa representação pode dar a impressão equivocada de que as pessoas com pele mais clara são mais evoluídas.

As representações dos artistas também podem fornecer visões errôneas da evolução humana e da inteligência e comportamento das espécies extintas, disse o coautor de Diogo, Ryan Campbell, um cientista anatômico e antropólogo físico da Universidade de Adelaide, na Austrália. Por exemplo, os neandertais costumam ser retratados como tendo cabelos emaranhados e sujos. “É como se houvesse um preconceito em retratar nossos ancestrais como se eles fossem estúpidos e não tivessem higiene”, disse ele.

Mas animais de todos os tipos cuidam de si próprios e não há razão para pensar que os neandertais ou outros hominídeos extintos fossem diferentes. Na verdade, apresentar reconstruções sem cabelo pode ser mais preciso, disse Campbell. O cabelo geralmente não é preservado em fósseis e os dados de DNA dos ossos podem indicar a cor do cabelo, mas não revelam hábitos de higiene.

Descrições artísticas precisas de hominídeos extintos começam com varreduras precisas de achados esqueléticos, como esta varredura digital de um molde feito do fóssil do crânio original da criança de Taung. Créditos: G. Vinas / R.M. Campbell / M. Henneberg / R. Diogo.

“Reconstruir o cabelo não é nem mesmo especulação informada”, disse Campbell. “É especulação imaginária”.

Cientistas e artistas costumam trabalhar juntos para produzir reconstruções, mas as escolhas que fazem podem ser motivadas mais por caprichos do que pela ciência, afirmam os pesquisadores. Ao estudar os músculos dos grandes símios e de outros primatas não-humanos, Diogo e seus colegas construíram bancos de dados de referência que os cientistas podem usar na reconstrução de rostos a partir de fósseis. Mesmo assim, quando um escultor escolhe os músculos do chimpanzé ou de humanos como ponto de partida, pode produzir resultados muito diferentes.

“As reconstruções do passado, a maior parte delas não tinham base científica”, disse Diogo. “Nosso objetivo é mudar os métodos e os vieses” para dar uma visão mais precisa da evolução humana.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.