Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
Uma caverna que os antigos romanos acreditavam ser um portão para o submundo era tão mortal que exterminava todos os animais que entravam em sua proximidade, sem prejudicar os sacerdotes humanos que os guiavam.
Milênios depois, os cientistas acreditam ter descoberto o porquê – uma nuvem concentrada de dióxido de carbono sufocava aqueles que a respiraram.
Com 2.200 anos, a caverna foi redescoberta por arqueólogos da Universidade de Salento em 2011.
Ela estava localizado em uma cidade chamada Hierápolis na antiga Frígia, hoje Turquia, e era usada para sacrifícios de touros guiados para o Plutônio – ou Portão de Plutão, para o deus clássico do submundo – por sacerdotes castrados.
Enquanto os sacerdotes conduziam os touros para a arena, as pessoas podiam sentar-se em assentos elevados na plateia e assistir enquanto os vapores que emanavam do portão levavam os animais à morte.
“Este espaço está cheio de um vapor tão enevoado e denso que mal se pode ver o solo. Qualquer animal que passar por dentro encontra a morte instantânea. Atirei pardais e eles deram o último suspiro imediatamente e caíram”, escreveu o historiador grego Estrabão (64 a.C. – 24 d.C.).
Foi esse fenômeno que alertou a equipe de arqueologia para a localização da caverna. Os pássaros voando muito perto da entrada da caverna sufocaram e caíram mortos – mostrando que, milhares de anos depois, ainda é tão mortal como era na época.
O culpado é a atividade sísmica subterrânea, de acordo com o vulcanologista Hardy Pfanz, da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, que liderou a pesquisa sobre o vazamento de gás da caverna em 2018. Uma fissura que corre nas profundezas da região emite grandes quantidades de dióxido de carbono vulcânico.
A equipe mediu os níveis de dióxido de carbono na arena conectada à caverna e descobriu que o gás – ligeiramente mais pesado que o ar – formou um ‘lago’ que se elevou 40 centímetros acima do chão da arena.
Esse gás é dissipado pelo Sol durante o dia, eles descobriram, mas é mais mortal ao amanhecer, após uma noite de acumulação. A concentração chega a mais de 50 por cento no fundo do lago, subindo para cerca de 35 por cento a 10 centímetros, o que pode até matar um humano – mas, acima de 40 centímetros, a concentração cai rapidamente.
Durante o dia, ainda há um pouco de dióxido de carbono se estendendo por cerca de 5 centímetros, evidenciado por besouros mortos encontrados pela equipe de pesquisa no chão da arena. E dentro da caverna, eles estimaram que os níveis de CO2 variaram entre 86 e 91 por cento em todos os momentos, já que nem o Sol nem o vento podem entrar.
A equipe observa em seu estudo que havia um forte elemento turístico nas propriedades da caverna. Os turistas podiam ter vendidos pequenos animais e pássaros que eles podiam jogar no chão da arena para serem sacrificados, e em dias de festa, animais maiores eram sacrificados pelos sacerdotes.
“Enquanto o touro estava dentro do lago de gás com a boca e as narinas a uma altura entre 60 e 90 cm, os sacerdotes (galli), que eram mais altos, sempre ficavam de pé dentro do lago, cuidando para que seu nariz e boca estivessem muito acima do nível tóxico do sopro da morte Hadeano”, escreveu a equipe em seu estudo de 2018.
“É relatado que às vezes usavam pedras para ficarem mais altos”.
Os espectadores veriam touros grandes e fortes sucumbindo aos vapores em minutos, enquanto os sacerdotes permaneciam fortes e saudáveis - um testemunho do poder dos deuses ou dos sacerdotes, supostamente.
No entanto, os pesquisadores acreditam que os sacerdotes estavam bem cientes das propriedades da gruta e sua arena, e provavelmente realizavam grandes sacrifícios ao amanhecer ou ao anoitecer em dias calmos para o efeito máximo.
Eles também poderiam ter colocado suas cabeças ou entrado na própria caverna em cerimônias do meio-dia para demonstrar seu próprio poder, prendendo a respiração para sobreviver.
Mas a presença de lamparinas a óleo também sugere que os sacerdotes se aproximaram da caverna à noite, segundo o pesquisador que a encontrou, Francesco D’Andria.
Independentemente de como eles conduziram suas cerimônias, a descoberta pode ajudar a revelar a localização de outros Plutônios ao estudar a atividade sísmica.
A pesquisa foi publicada na revista Archaeological and Anthropological Sciences.