Por Peter Dockrill
Publicado na ScienceAlert
Enquanto o mundo estava distraído com a disseminação desenfreada de um novo coronavírus, 2020 também testemunhou um surto de outro patógeno mortal que poderia representar uma ameaça à saúde pública global.
O H5N8, um subtipo do vírus da influenza aviária altamente patogênico (HPAIV), foi identificado décadas atrás, mas durante 2020 uma série de surtos emergentes e contínuos de H5N8 em populações aviárias em dezenas de países levaram à morte ou abate de milhões de aves em todo o mundo.
“As regiões geográficas afetadas têm se expandido continuamente, e pelo menos 46 países relataram surtos de H5N8 AIV altamente patogênicos”, escreveram os pesquisadores do vírus Weifeng Shi e George F. Gao em um artigo na revista Science, alertando sobre os perigos do H5N8 se nós não monitorarmos de perto e contermos essa tendência preocupante.
Embora os animais mais vulneráveis ao H5N8 sejam diferentes tipos de aves (incluindo galinhas e patos domésticos, mas também aves selvagens e migratórias), casos humanos do vírus também foram descobertos recentemente.
Um surto de gripe aviária na Rússia em dezembro de 2020 atingiu os avicultores, com sete pessoas em uma fazenda no sul da Rússia apresentando sinais da infecção – representando a primeira vez que o H5N8 foi encontrado em humanos.
Enquanto que foi a primeira vez que vimos isso no H5N8, certamente não foi a primeira vez para ramos e subramos relacionados ao H5N8, nem para vírus da gripe aviária em geral.
“Até o momento, houve um total de 862 casos humanos confirmados em laboratório de infecção pelo H5N1 relatados à Organização Mundial da Saúde (OMS), incluindo 455 mortes”, explicam Shi e Gao. “Esses casos vieram de 17 países, com ~76% do Egito e da Indonésia”.
Mas os riscos zoonóticos são apenas parte do problema com o H5N8 e seus semelhantes. Na maioria dos surtos recentes, um ramo do H5N8 chamado 2.3.4 tornou-se o patógeno dominante em todo o mundo, visto pela primeira vez em um wet market chinês em 2010.
“O ramo 2.3.4 do AIV H5, particularmente o subtipo H5N8, mostraram claramente uma propensão para rápida propagação global em aves migratórias”, escrevem os pesquisadores, observando que esses vírus também exibem evidências de evolução constante, reorganizando-se geneticamente com partes de outros subtipos de AIV.
Shi e Gao – respectivamente da Primeira Universidade Médica de Xantum da China e do Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças – estavam entre alguns dos primeiros cientistas a documentar o novo coronavírus no início de 2020.
Eles observam que a subsequente pandemia de COVID-19 – e as medidas de prevenção e controle que as populações mundiais promulgaram em resposta – viram uma redução acentuada na propagação dos vírus sazonais da gripe humana A e B no ano passado.
No entanto, no mesmo período, vários AIVs H5N altamente patogênicos, incluindo os subtipos H5N1, H5N2, H5N5 e H5N8, se espalharam pela China, África do Sul, Europa, Eurásia e outros lugares.
Ao mesmo tempo, a pesquisa mostrou que os vírus do ramo 2.3.4 apresentam adaptações de ligação celular específicas que podem representar riscos maiores para a transmissão humana, incluindo a transmissibilidade potencial entre humanos.
Ao todo, os pesquisadores afirmam que precisamos intensificar significativamente nossa vigilância de HPAIVs em granjas avícolas agora, antes que esses patógenos se espalhem.
“Por causa da migração de longa distância de aves selvagens, a capacidade inata de rearranjo de AIVs, o aumento da capacidade de ligação ao receptor do tipo humano e a variação antigênica constante de HPAIVs, é imperativo que a disseminação global e o risco potencial de AIVs do H5N8 à avicultura, à avifauna e à saúde pública global não sejam ignorados”, escrevem Shi e Gao.
As descobertas foram publicadas na Science.