Não sei como chegaram a essa ideia e mesclaram-na com a desinformação e com a incapacidade de distinguir correlação e causa, mas ela é, com certeza, horripilante.
Isso nos volta aos tempos em que pessoas desinformadas e analfabetas cientificamente que nunca tinham ouvido falar sobre a vacina uniam-se contra as campanhas de vacinação, sugerindo desculpas como a de que o estado violava as liberdades pessoais ou a de que a igreja condenava tal ato. Uma dessas revoltas conhecemos bem: a Revolta da Vacina. Ela ocorreu em 1904 e estabeleceu um discurso contra a campanha do médico Oswaldo Cruz. Porém, há de se dar um desconto, já que a informação naquela época não atingia a todos. Conjuntura bem diferente aos dias de hoje, em que o conhecimento é acessível a quase todos, o que torna surpreendente a luta de alguns (muitas vezes, informados, mas erradamente) pela retirada das vacinas com o novo subterfúgio de que essas podem causar autismo, baseando-se em um artigo fraudulento de Andrew Wakefield e colegas contra a vacina MMR ou tríplice (que previne sarampo, rubéola e caxumba). Eles alegavam, também, que a medida poderia acarretar problemas no sistema digestivo. O paper foi divulgado no The Lancet, revista bastante conceituada e de alto fator de impacto (45,2) que, dessa vez, decepcionou.
Já dizia a divulgadora Esther Inglis-Arkell – da qual traduzi um artigo para este mesmo site -, “essa sim é uma pseudociência horrível, um monstro sugador de almas. Apenas o fato de pensar o tempo, o dinheiro, o esforço, a investigação científica honesta e, é claro, as vidas que são perdidas por essa teoria pseudocientífica já me cansam. Fazem-me querer inventar uma tecnologia de viagem ao tempo, voltar no passado, dar um monte de dinheiro para Andrew Wakefield e transformá-lo em um ‘artista conceitual’, um fotógrafo ou qualquer outra coisa. Dar-lhe-ia toda a atenção e todo o dinheiro que fosse preciso para que ele não causasse o dano que causou. Se custasse meio bilhão de dólares, ainda sim seria um bom negócio.”
Pelo parágrafo anterior, o leitor já deve estar imaginando o que Wakefield causou. Seu trabalho foi caracterizado como perigoso e como a principal fonte pelo qual o movimento antivacinação bebeu. Tal movimento foi responsável, na Irlanda, por uma epidemia de sarampo, que atingiu 1600 pessoas e matou 3 no ano de 2000. As taxas de vacinação caíram em 63% em partes de Dublin e em 72 nacionalmente.
Wakefield é, ainda, posto como culpado por outras epidemias, devido ao medo que ele e seus colegas impuseram sobre os adeptos à mídia. O medo de ter autismo ou inflamações intestinais em virtude da vacina tríplice tornou-se comum dentre britânicos. Depois do relatório publicado no The Lancet, as taxas de inoculação de sarampo no Reino Unido foi de 92% a 80% (o recomendado é 95%). Em 2008, 1 348 casos da doença foram registrados na Inglaterra e no País de Gales, em contradição com 56 de 1998. Em Londres, o Serviço Nacional de Saúde mostrou que apenas 49% das crianças haviam recebido a dose da vacina em seu quinto aniversário.
Walkefield foi acusado de manipular as evidências, agir em prol dos próprios interesses e manipular outros códigos éticos de pesquisa. O The Lancet considerou o paper como uma farsa posteriormente, o British Medical Journal publicou um artigo acusando-o como fraudulento e o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido puniu o sujeito com uma proibição de não poder mais exercer a função de médico dentro do respectivo território. Tudo isso, embora tenham sido medidas corretas, não impediram que as taxas de vacinação decaíssem consideravelmente, mesmo que os especialistas e o governo tivessem alertado que as vacinas seriam seguras.
Vários estudos foram feitos e nenhum comprovou a proposição, inclusive, um artigo recente publicado no site Vox confirma que as vacinas são totalmente seguras, efetivas e necessárias, baseando-se na seleção de 166 estudos de padrão ouro na comunidade científica a partir de outros 20.478 estudos. Concluiu-se que as taxas de autismo para as crianças que se vacinaram com a MMR foram bem similares às que não se vacinaram. Algumas das vacinas pesquisadas foram identificadas com efeitos colaterais leves, como, por exemplo, a contra a gripe, que pode provocar uma febre de curto prazo e dor no local da injeção. Outras em particular foram identificadas por efeitos mais sérios, porém, extremamente raros. A vacina MMR, por exemplo, pode causar ocasionais crises alérgicas (para crianças que são alérgicas, obviamente, a substâncias presentes na vacina) e convulsões febris (convulsões relativamente comuns provocadas por febres de alta temperatura). Mas, as reações alérgicas podem ser, geralmente, detectadas com antecedência – e, assim, devidamente controladas durante o processo de vacinação – e as comuns crises de convulsão não são nada se comparadas ao risco posterior de não se vacinar contra doenças letais.
A pesquisa é clara e a frase a seguir é bem explicitada: as vacinas não causam autismo e os efeitos colaterais delas são potencialmente menores do que aqueles que seriam identificados caso o indivíduo não se vacinasse.
Para quem quiser saber sobre o escândalo pseudocientífico e sobre a falsa correlação entre vacinas e autismo, seguem os links:
- Vaccines and Autism: A Tale of Shifting Hypotheses
- Immunization Safety Review: Vaccines and Autism
- A review of 166 independent studies confirms vaccines are safe and effective
- Thimerosal and Autism? (relacionado a outro escândalo não tão diferente)
- How to Think About the Risk of Autism
- Association of Autistic Spectrum Disorder and the Measles, Mumps, and Rubella Vaccine
- Measles Vaccination and Antibody Response in Autism Spectrum Disorders
- MMR Vaccination and Pervasive Developmental Disorders: A Case-Control Study
- No Evidence for a New Variant of Measles-Mumps-Rubella-Induced Autism
- Profile: Andrew Wakefield
- Journal Retracts 1998 Paper Linking Autism to Vaccine
- Andrew Wakefield, M.D.