Em uma longa vida que tocou todos os lados da humanidade, Houdini é de longe o personagem mais curioso e intrigante que eu já encontrei.
– Arthur Conan Doyle
Este texto é uma tradução adaptada, a fonte original é citada no fim do texto.
Um dos fatos mais irônicos da vida de Arthur Conan Doyle é que o criador de Sherlock Holmes – o empirista máximo da literatura – era um fervoroso adepto do Espiritismo. O grande mágico e showman Harry Houdini foi atraído pelo espiritismo por muitas das mesmas razões de pessoas da época, tais quais Doyle. Depois que sua mãe morreu, ele ficou fascinado com a ideia de entrar em contato com ela do outro lado da vida. Apesar de saber, e muitas vezes expondo alegremente, dos truques dos chamados médiuns, Houdini tinha alguma pequena esperança de que poderia haver uma pessoa com verdadeiros poderes psíquicos lá fora.
A amizade de – ou talvez mais apropriadamente, a batalha entre – Doyle e Houdini começou quando Houdini descobriu que Doyle estava interessado nos Irmãos Davenport, um grupo de médiuns que se apresentavam em shows pelo mundo. Houdini encaminhou a Doyle uma cópia de seu livro The unmasking of Robert-Houdin, que sumariamente explicava e expunha o ato e as fraudes dos Irmãos Davenport. Doyle escreveu para agradecer Houdini sobre o livro. Ele então passou a explicar que Houdini não tinha convencido ele de qualquer fraude por parte dos médiuns e que ainda se mantinha crente diante da mediunidade deles.
A maioria das pessoas iria deixar Doyle pra lá. Mas Houdini continuou a se aproximar de Doyle com sensibilidade notável, dada a sua predileção por aparecer nas sessões e gritando: “Eu sou Houdini! E você é uma fraude! “
Em certo ponto, Houdini convidou Doyle à sua casa para uma demonstração privada. Ele realizou alguns truques espiritualistas típicos, deixando Doyle chocado e impressionado. Então Houdini ele disse a Doyle:
Dediquei muito tempo e pensamento para essa ilusão… Posso garantir-lhe que era malandragem pura. Eu fiz isso por meios perfeitamente normais. Eu criei-a para mostrar o que pode ser feito nesse sentido. Agora, eu lhe imploro, Sir Arthur, não tenha a conclusão de que certas coisas que você vê são necessariamente “sobrenaturais”, ou obra de “espíritos” só porque você não pode explicá-las.
Em vez de acreditar no amigo, Doyle deixou a casa convencido de que Houdini tinha habilidades psíquicas. Ele provavelmente teria negado para que ele pudesse manter sua carreira. Em uma carta, ele declarou: Não é perfeitamente evidente que, se ele não negar-lhes [suas habilidades psíquicas] sua ocupação teria ido embora para sempre?
Doyle realmente acreditava que Houdini realizou alguns de seus maiores feitos de fuga por transformar-se em ectoplasma.
Apesar das diferenças fundamentais de opinião, Doyle e Houdini conseguiram manter-se amigos por alguns anos. Esta relação se equilibrava em dois pontos principais: Primeiro, parece que Houdini se manteve aberto a possibilidade de comunicação com os mortos, embora ele ainda tivesse que ver isso comprovado. Em segundo lugar, Doyle continuou convencido de que o próprio Houdini era um médium talentoso.
O fim da amizade era inevitável. Mas foi anunciada, apesar de seu cuidado, por duas das mulheres queridas de ambos.
Um dia Doyle convidou Houdini para uma sessão privada, no qual a médium tentaria entrar em contato com a mãe de Houdini. A médium era a esposa de Doyle, Jean. No decorrer da noite, a mãe de Houdini escreveu (através de Jean) quase 15 páginas de mensagens para Houdini. Doyle estava exultante com a sua vitória. Houve três principais problemas observados por Houdini, no entanto:
- A mãe de Houdini era judia, então ela nunca teria começado o contato com fazendo o sinal da cruz, como Jean fez.
- A mãe de Houdini não falava Inglês, mas toda a mensagem era em Inglês fluente.
- O dia da sessão era o aniversário de sua falecida mãe. No entanto, não houve nenhuma menção a isso durante toda a sessão.
Houdini não tinha sido convencido. Mas o que dizer quando a mulher do seu amigo é uma fraude? Ele deixou-o sozinho. Até que em uma ocasião muito diferente que, ironicamente, não envolvia diretamente o autor e sua esposa, Houdini escreveu um artigo no qual ele afirmou:
… nos vinte e cinco anos de minha investigação e as centenas de sessões que eu participei, eu nunca vi ou ouvi nada que pudesse me convencer de que existe a possibilidade de comunicação com os entes queridos que foram para o além.
Depois disso Lady Doyle ficou, de acordo com o seu marido, um pouco irritada com Houdini.
A partir daí a amizade culminou em uma série de provocações públicas e desculpas semi-privadas, até que Doyle finalmente se recusou a responder a uma outra carta de Houdini na qual ele dizia:
Você vai notar que eu ainda sou um cético, antes de tudo, um buscador da Verdade. Estou disposto a acreditar que, se eu puder encontrar um meio que, como você sugere, que não recorra à ‘manipulação’ quando a energia espiritual não ‘chegar’, eu encontrarei.
Quanto a Doyle, ele visitou a América e a Austrália para palestras sobre espiritismo e para arrecadar dinheiro para a causa. Ele escreveu uma série de livros sobre o assunto. Era um crente profundo e sincero. Como poderia o criador de Sherlock Holmes ser apresentado para uma evidência contrária e, novamente, por um especialista na área, como Houdini, e ainda acreditar no espiritismo? Doyle responde a esta pergunta em uma carta a Houdini:
Quero ser abordado não no espírito de um detetive que se aproxima de um suspeito, mas sim como uma alma religiosa e humilde, ansiando por ajuda e conforto.
Texto traduzido e adaptado do blog Aldine by Rebbeca Romney. Título original do artigo: The Unlikely Friendship and Inevitable Feud of Arthur Conan Doyle and Harry Houdini. Fontes originais citadas no texto em inglês.
Fontes adicionais: