Por Alexey Dodsworth
Esta notícia é, e digo isso com muita alegria, a coisa que mais fez valer meus seis meses no Ministério da Educação, na gestão do Renato Janine Ribeiro. Fico feliz que a atual gestão tenha seguido os protocolos recomendados pelo ministro e pelo então presidente da CAPES em 2015, o cientista Carlos Nobre.
Essa história toda tem um começo bastante preciso: a astrofísica e o Facebook. Isso mesmo que você leu: a astrofísica e o Facebook.
Ano passado, por volta de agosto, fui procurado por um pós-doutorando em astrofísica que se encontrava na França, desenvolvendo importante pesquisa sobre formação planetária. A bolsa dele, financiada pela CAPES, tinha acabado e, pelo contrato, ele teria que voltar ao Brasil para cumprir um período chamado “novação” [ficar no Brasil por igual tempo que ficou na França, mantido por bolsa brasileira]. Acontece que uma Universidade francesa havia proposto a ele ficar mais um ano por lá, só mais um ano, com bolsa francesa [ou seja, sem custo algum para o Brasil], a fim de continuar a desenvolver a pesquisa.
O pesquisador escreveu para a CAPES e se deparou com a resposta burocrática, tecnicamente correta, apegada ao contrato, dada por um funcionário, e esta resposta foi “não”. Havia inclusive uma advertência: “se você não cumprir a novação e não retornar imediatamente, terá que devolver toda a bolsa que a CAPES lhe deu”. Era o que estava, afinal, no contrato que o pesquisador leu e assinou. O pesquisador argumentou, corretamente, que ele não estava querendo descumprir o contrato, e sim retardar o cumprimento da novação por um ano. Não, ele não queria fugir pra França. Ele queria aproveitar a bolsa estrangeira concedida para desenvolver ainda mais sua pesquisa. Nova resposta seca: não.
Eu entendo o burocrata. Ele seguia as normas. E, pelo visto, a norma lhe era mais importante que a ciência.
O pesquisador me procurou no Facebook, sabendo que eu era assessor do ministro. Vi o caso dele. Vi as três cartas assinadas por importantes astrofísicos, afirmando veementemente que a presença dele na França era importante. Não havia comprometimento financeiro algum para o Brasil. Por que, em nome de Atena, ele não poderia ficar mais um ano na Universidade francesa?
Só porque o contrato diz que não pode? Ora, não se tratava de quebrar o contrato, mas de fazer um acréscimo a ele, com concordância de ambas as partes.
Levei o caso ao Renato Janine Ribeiro, então ministro. E, notem, essa é a grande diferença entre ter no comando um professor universitário e não um mero burocrata. Eu nem precisei argumentar, ele entendeu na hora o que estava acontecendo e concordou sem pestanejar com a permanência do pós-graduando na França, por mais um ano, já que ele seria mantido pela universidade francesa e não geraria ônus financeiro ao Brasil. O ministro me autorizou, então, a fazer o pedido ao então presidente da CAPES, Carlos Nobre.
Eu e o professor Nobre, ele mesmo um grande cientista e o melhor nome para ocupar a presidência da CAPES, conversamos. E a resposta de Nobre não se limitou ao “sim” para o caso do pesquisador. Ele disse que a decisão deveria beneficiar todos os futuros pesquisadores brasileiros que estivessem desenvolvendo suas pesquisas no exterior. De que modo? Exatamente este: se, após o fim da bolsa da CAPES o pesquisador tivesse como se custear no exterior de modo que não gerasse ônus ao país e se ele tivesse três cartas de reputados pesquisadores da área referendando a importância da extensão, nem seria preciso bater boca com burocratas. Isso já estaria previsto em contrato.
Exatamente cinco dias depois, a gestão ministerial mudou. Mercadante assumiu e não mudou as decisões tomadas. E, agora, vejo que os protocolos recomendados tomaram forma oficial, pois a atual gestão da CAPES viu que eram decisões corretas.
[É incrível como as coisas demoram, quando se trata de burocracia.].
O pesquisador em questão inclusive já até voltou para o Brasil e concluiu lindamente sua pesquisa.
Alguns pensamentos finais:
1. Me assusta pensar que uma pesquisa científica de cooperação internacional pudesse ser bloqueada por conta do automatismo da burocracia.
2. Claro, vai ter alguém que dirá que nós demos um “jeitinho brasileiro” pra resolver o lance do pesquisador. Nada de ilegal foi feito. Adições contratuais são normais, sobretudo quando as partes envolvidas concordam. E a coisa não beneficiou só aquele pesquisador. Por causa dele, vários outros serão beneficiados.
3. Já pensaram se não houvesse uma rede social que permitisse um contato mais direto do pleiteante com alguém do alto escalão ministerial e a pessoa ficasse travada porque um funcionário deu um “não” automático? Dado o ponto 3, muito me espanta que haja quem, do governo, ache que se deva manter distância do Facebook. Claro que tem que ter limite, tinha muita gente que vinha aqui no Facebook falar comigo ou com o ministro, sendo que o canal mais adequado era outro.
4. Continuo me opondo ao atual governo, mas me oporei ao que tiver que me opor. A decisão ora tomada é totalmente acertada. Parabéns à CAPES por recriar seus contratos tendo em vista o desenvolvimento da ciência como mote.
Ganhei o dia. Não poderia estar mais feliz. Valeu a pena!