Pular para o conteúdo

A hipnose é real?

Por Harriet Hall
Publicado na Skeptical Inquirer

A hipnose é real? As pessoas realmente entram em transe ou é apenas uma questão de imaginação e interpretação? Algumas pessoas juram que isso acontece. Um site proclama que “o poder da sua mente é ilimitado… O estado de espírito altamente focado, mas profundamente relaxado, alcançado por meio da hipnose, traz muitos benefícios, buscando a causa raiz de muitos de nossos problemas mentais, físicos e psicológicos. Usada por séculos, a popularidade da hipnose continua a crescer, à medida que a ciência moderna abraça seu potencial de transformação de vida”. Diz-se que ela faz de tudo, desde restaurar memórias de vidas passadas até fazer as pessoas pararem de fumar. Tudo isso é verdade? Eu sou cética.

História

Talvez o primeiro a descrever o estado hipnótico foi Avicena, um médico persa enquanto estudava o “transe” em 1027. A hipnose foi introduzida no mundo moderno por Franz Mesmer, um médico alemão cujos tratamentos ficaram conhecidos como mesmerismo. Trabalhando em Paris no final do século XVIII, ele afirmou que uma força invisível influenciava a saúde e a chamou de “magnetismo animal”. No início, ele usou ímãs, mas depois decidiu que ímãs não eram necessários. Ele descobriu que poderia obter os mesmos resultados simplesmente passando as mãos sobre o corpo de um paciente. Mais tarde, ele tratou grupos de pacientes que se sentavam em volta de um “baquet” [baú de madeira onde se guardavam várias substâncias químicas] e eram conectados por barras de ferro e cordas; Mesmer fazia movimentos com as mãos, mas não tocava nos pacientes. O tratamento provocou respostas marcantes, como vômitos ou convulsões.

O rei Luís XVI questionou os métodos de Mesmer. Ele nomeou uma Junta de Inquérito para investigá-lo. O Conselho, que incluía os cientistas iluministas Antoine Lavoisier e Benjamin Franklin, concluiu que os resultados de Mesmer se deviam mais à crença e à imaginação do que a qualquer energia invisível. Benjamin Franklin escreveu a opinião majoritária, chamando Mesmer de fraude. O termo hipnotismo é derivado da palavra grega para “sono”, mas não tem nada a ver com sono. A palavra foi popularizada por James Braid, um cirurgião escocês que pensava ser um mero artifício para induzir respostas que eram facilmente explicadas por princípios psicológicos e fisiológicos comuns.

Ao longo dos anos, houve muitos defensores e praticantes da hipnose, bem como muitos céticos. Muita desinformação cercou a hipnose. Alguns pensaram que poderia ser usada para forçar uma pessoa a cometer um crime. Uns que poderia estar ligada à música popular e ao uso em rituais satânicos. Alguns a viram como uma ameaça política, temendo que os franceses pudessem usá-la para subjugar a Inglaterra. As opiniões das pessoas religiosas eram diversas: alguns viam isso como obra do diabo; outros pensaram que Jesus a havia praticado; e Mary Baker Eddy afirmou que o magnetismo animal pode levar à morte moral e física.

Sigmund Freud foi treinado em hipnose. Ele praticou durante anos, usando regressão hipnótica para ajudar os pacientes a recuperar memórias reprimidas. Mas ele acabou abandonando-a em favor da psicanálise. Ele flertou com a ideia de aprimorar a psicanálise com a hipnose, pensando que isso poderia acelerar a recuperação, mas depois decidiu que poderia enfraquecer o resultado.

A hipnose foi retratada em livros e filmes, muitas vezes de forma imprecisa. O hipnotizador fictício Svengali explorou uma jovem com más intenções. No conto de Edgar Allan Poe “Os Fatos que Envolveram o Caso do Sr. Valdemar”, um homem foi hipnotizado no momento da morte e continuou a falar do além-túmulo.

Se divertindo com a hipnose

Em sua autobiografia, Mark Twain escreveu sobre sua experiência com um hipnotizador de palco que atuou em Hannibal, Missouri, nos Estados Unidos, por duas semanas. Twain tinha quinze anos na época e gostou da ideia de receber toda aquela atenção, então, depois de não ser hipnotizado por várias noites seguidas, aceitou as sugestões e fingiu estar hipnotizado. Logo Twain era o único hipnotizado pelo sujeito e era a estrela do show. Ele relata como eles enganaram a todos na cidade, exceto alguns céticos. Muitos anos depois, ele tentou esclarecer as coisas ao confessar o engano à mãe. Mas ela se recusou a acreditar nele, insistindo veementemente que ele realmente tinha sido hipnotizado!

Ouvi falar de um dermatologista local que teve um paciente com uma erupção cutânea no braço que não cicatrizava porque ele coçava o local sempre de forma inexplicável. Ele hipnotizou o paciente e sugeriu que, em vez de coçar, o paciente largasse o que estava segurando quando a coceira começasse. Funcionou lindamente. Parece que a coceira era desencadeada sempre que sua esposa o criticava ou o incomodava, geralmente à mesa de jantar. Ele não se lembrou conscientemente da sugestão, mas a seguiu fielmente, deixando cair o garfo, a comida, o copo de água ou o que quer que estivesse em sua mão na hora. Sem saber por quê, ela se tornou condicionada a parar de importuná-lo. Acho que ela se cansou de limpar a bagunça.

Minha experiência pessoal

Fui ensinada na faculdade de medicina a pensar na hipnose como um estado AS/DS: não um transe, mas um estado de atenção seletiva/desatenção seletiva produzido por forte sugestão. A atenção é focada e os sujeitos ignoram todas as outras entradas sensoriais. Os leitores podem me acusar de ser injusta, dizendo que eu não deveria criticar até tentar. Mas, sim, eu tentei. Na faculdade de medicina, participei de sessões em grupo e achei muito relaxante e agradável. Recebemos a útil sugestão pós-hipnótica de que nunca sucumbiríamos à “hipnose da estrada” e adormeceríamos ao volante. Ainda me lembro do aviso e nunca corri o risco de adormecer ao volante (mas, provavelmente, não por causa da sugestão pós-hipnótica). Eu também tive uma experiência individual durante meu treinamento de residência, quando outro médico me hipnotizou e sugeriu que eu tinha uma área não anatômica que diminuía a sensibilidade em meu braço. Um médico ortopédico me examinou e ficou intrigado até que revelamos o truque. Eu até tentei a auto-hipnose, mas rapidamente perdi o interesse. Produziu uma sensação agradável e relaxante, mas não achei que valesse o tempo e o esforço envolvidos.

A hipnose hoje

Hoje, a hipnose é amplamente usada para muitos propósitos, desde entretenimento até medicina legal, tratamento médico e autoaperfeiçoamento. Alguns pensam que é um estado alterado de consciência; outros chamam de placebo, uma interação com um terapeuta ou uma encenação de caráter imaginativo. Escalas de “hipnotizabilidade” foram inventadas e alguns terapeutas estimam que até 25% da população não pode ser hipnotizada.

  • Recuperando memórias perdidas. Quando participei de um curso de investigação de acidentes de avião na Força Aérea, fomos ensinados que a hipnose pode recuperar memórias perdidas e deve ser usada em testemunhas para ajudá-las a lembrar de detalhes esquecidos, como os números nas placas dos carros. Isso simplesmente não é verdade. Não recupera memórias reais, mas incentiva os sujeitos a fantasiar e criar memórias falsas. A hipnoterapia para recuperar memórias reprimidas de abuso sexual na infância tem mais probabilidade de resultar em tragédia do que em verdade: pessoas que foram falsamente acusadas de crimes acabaram indo parar na prisão. Sob hipnose, as pessoas são mais sugestionáveis ​​e mais abertas à fantasia e à imaginação, e é impossível distinguir entre um evento verdadeiro e uma fantasia. Estudos psicológicos mostraram que a memória não é confiável. Memórias não são gravadas como em uma câmera de vídeo e elas são maleáveis. Cada vez que nos lembramos de algo, pode estar sutilmente alterado ou confundido com outra memória. Memórias falsas são fáceis de criar e podem parecer mais reais do que memórias verdadeiras.
  • Regressão de idade. Na regressão de idade, os indivíduos são solicitados a retornar a uma época anterior de suas vidas. Eles confabulam, criando falsas memórias que não podem ser confirmadas independentemente. Eles falam como imaginam que uma criança daquela idade falaria, mas não da maneira como uma criança dessa idade realmente fala.
  • Regressão a vidas passadas. A regressão a vidas passadas foi completamente desmascarada. É um método que usa a hipnose para recuperar memórias de vidas passadas, exigindo a crença na reencarnação. No caso de Bridey Murphy, uma dona de casa recordou que vivia no século XIX como uma mulher irlandesa. Sua história parecia muito convincente, mas uma investigação cuidadosa a desmascarou completamente. A checagem dos fatos provou que muitos dos detalhes eram falsos, e os que eram verdadeiros foram considerados resultado de criptomnésia. Ela havia se lembrado de coisas que tinha ouvido ou visto durante a infância, mas ela havia esquecido a fonte das memórias. Curiosamente, aqueles que relatam suas vidas passadas sempre afirmam ter sido pessoas importantes como Cleópatra ou Napoleão, nunca pastores comuns ou empregadas domésticas de cozinha. Os detalhes que relatam não podem ser corroborados e eles não conseguem falar corretamente a língua que teriam usado na vida anterior.
  • Forças Armadas. A hipnose foi investigada pelos militares. Eles não encontraram nenhuma evidência de que pudesse ser usada para aplicações militares.
  • Cirurgia. Existem relatos de pacientes submetidos a cirurgia com hipnose em vez de anestesia convencional, mas eles não estão devidamente documentados e nenhuma conclusão pode ser tirada.

As evidências científicas

Não há uma maneira objetiva de saber se uma pessoa está hipnotizada. Temos que confiar em autorrelatos e nas observações de seu comportamento. Se elas afirmam ter amnésia pelo que aconteceu durante a hipnose, não podemos descartar a possibilidade de que a memória ainda exista em algum lugar de seu cérebro. Um estudo intrigante dividiu os sujeitos em dois grupos. Um grupo foi hipnotizado e o outro grupo foi solicitado a apenas fingir que estava hipnotizado. Seus comportamentos eram idênticos. Além disso, todos os efeitos atribuídos à hipnose foram replicados sem hipnose.

A evidência científica está longe de ser convincente, e a hipnose é categorizada por muitas organizações médicas como uma forma de medicina alternativa. As aplicações médicas da hipnose foram amplamente estudadas em ensaios clínicos. Há relatos de seu sucesso para a cessação do tabagismo, mas uma revisão sistemática da Cochrane de 2019 de estudos publicados não encontrou nenhuma evidência clara de que a hipnose foi eficaz. Para perda de peso, quando a hipnose foi adicionada à terapia cognitivo-comportamental, aumentou as taxas de sucesso. Foi considerada útil para controlar a dor e reduzir a ansiedade em relação à cirurgia.

No livro de Robert Baker, They Call It Hypnosis, ele afirma que não existe hipnose. Ele diz que é uma forma de comportamento aprendido de obediência às sugestões de uma figura de autoridade.

Então, é real ou não?

Depois de revisar as evidências, não estou convencida de que o “transe hipnótico” seja uma coisa real. Os procedimentos usados ​​para induzir a hipnose são truques que focam a atenção, reduzem a consciência periférica, aumentam a resposta do paciente à sugestão e encorajam a fantasia. Vou continuar a pensar na hipnose como um estado AS/DS de atenção seletiva/desatenção seletiva. A capacidade de enfocar e direcionar os pensamentos é, sem dúvida, muito útil em diversos contextos, mas a hipnose não é a única maneira de atingir esses objetivos. A terapia cognitivo-comportamental e a meditação podem realizar algumas das mesmas coisas. Eu não me importaria de ser hipnotizada novamente para recriar o relaxamento agradável que experimentei; mas eu não confiaria nela para recuperar uma memória, para substituir a anestesia pela cirurgia ou para fazer todas as outras coisas que a hipnose supostamente faz.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.