Traduzido por Julio Batista
Original de Michael Marshall para o The Skeptic
Em 2015, como parte de minha função na Good Thinking Society, eu liderava um projeto para confrontar e acabar com os gastos do Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido com homeopatia. É algo sobre o qual escrevi muito antes de assumir o cargo de editor do The Skeptic e, como parte desse processo, em dezembro de 2015, participei de uma reunião de partes interessadas realizada pelo Grupo de Comissionamento Clínico de Liverpool, ou CGP na sigla em inglês, para avaliar a opinião do público sobre se a homeopatia deveria ser desfinanciada.
A clínica que fornecia o serviço de homeopatia trabalhou duro para tentar preservar seu contrato e contatou pacientes de todo o condado de Merseyside (incluindo muitos de fora da jurisdição do CCG de Liverpool) para defender a homeopatia a todo custo, com trinta ou quarenta pessoas presentes. Entre os participantes, estavam os diretores e proprietários da clínica, vários membros de sua equipe e familiares, homeopatas locais que foram persuadidos a tomar interesse, pacientes que estavam fazendo uma terapia à base de visco (que não era realmente homeopática, mas estranhamente os homeopatas presentes não pareciam se importar com a confusão), e um punhado de pacientes que estavam realmente usando o serviço de homeopatia.
Havia até um representante do escritório de David Tredinnick, na época o Membro do Parlmaneto de Bosworth – situado a 185 quilômetros de Liverpool. Tredinnick continuaria reclamando, sem o menor traço de ironia ou autoconsciência, que o relatório da reunião das partes interessadas deveria ser desconsiderado, porque ele acreditava que a reunião havia sido infiltrada por pessoas de fora de Liverpool.
Sentados entre essa multidão profundamente envolvida estávamos eu e dois de meus colegas da Sociedade Cética de Merseyside. A reunião foi, devo dizer, um dos lugares mais extraordinariamente hostis em que já estive.
Desde muito cedo ficou claro que as coisas não iriam seguir o roteiro traçado pelos quadros do CCG. Embora o plano fosse responder a perguntas do público antes de se dividir em grupos menores para discussões em mesas redondas, com o CCG anotando as perspectivas de diferentes participantes, em vez disso, um grupo de lobby pró-homeopatia local (liderado pelo diretor do a clínica cujo contrato com o NHS estava sob ameaça) decidiram que deveriam poder fazer algumas observações iniciais para o público. O CCG não tinha certeza, mas a multidão – tendo sido a favor da manutenção dos serviços homeopáticos – estava animada e insistente, então o clínico geral que também era proprietário e diretor da clínica de homeopatia levantou-se para dar um discurso pré-escrito.
Quando ele terminou, o CCG virou-se para os três céticos na sala, para perguntar se queríamos dizer algumas palavras – fiquei tão surpreso com a ‘oportunidade’ que o CCG estava oferecendo, e então eu mantive minhas observações breves, destacando que prefiro tentar voltar ao itinerário do CCG. A brevidade quase certamente foi sábia, dado o coro de zombarias e gritos dos participantes pró-homeopatia.
Finalmente, depois de muito caos, chegou o momento de nos dividirmos em grupos para responder a algumas das questões colocadas pelo CCG, e foi nesta conversa mais pequena que ouvimos uma paciente do serviço de homeopatia, cuja história ficou martelada em minha cabeça ao longo dos anos desde a reunião.
Ela explicou que tinha uma condição crônica, para a qual procurou tratamento com seu médico, sem sucesso. Ele experimentou dar um medicamento para ela, e quando isso não funcionou, ele trocou a medicação dela por outro tratamento, e depois outro e depois outro. Cada vez, ela explicou, sentia como se estivesse sendo deixada de lado pelo sistema – que ela era essencialmente uma cobaia, sendo usada para experimentar um medicamento após o outro, sem melhora em seus sintomas e qualidade de vida.
Então ela pediu, explicou ela, para ser encaminhada ao serviço de homeopatia, para que lhe fossem oferecidos tratamentos homeopáticos para seus sintomas. Esse processo foi muito melhor: ela sentou-se por uma hora com um homeopata que lhe perguntou sobre seus sintomas, seu estilo de vida, como ela estava dormindo, que sonhos ela tinha e assim por diante. Parecia que ela estava sendo ouvida e que cada detalhe importava. Ao final da consulta, foi-lhe prescrito um remédio homeopático que, segundo ela, foi adaptado especificamente para suas necessidades. Quando esse remédio não ajudou em nada, ela voltou ao homeopata que a orientou sobre o que poderia ter dado errado e, após outra longa conversa, vieram com um remédio diferente – que também se mostrou ineficaz. Sem recuar, os dois voltaram ao processo, e o médico decidiu dar um terceiro remédio.
Quando a conheci, ela explicou que seus sintomas estavam piores do que nunca e que estava totalmente perturbada com a ideia de que o serviço de homeopatia em que ela confiava e que lhe dera tanto conforto pudesse ser fechado. Ela chorou abertamente quando o CCG considerou a proposta de acabar com o financiamento da homeopatia. Foi genuinamente comovente sentar e conversar com ela enquanto ela explicava como precisava desesperadamente de algo que funcionasse e como estava com medo de que o serviço de homeopatia fosse tirado dela.
Eu não duvidava remotamente de sua sinceridade – os medos que ela expressava eram claramente genuínos. Mas o que também foi interessante foi que, como ela mesma disse, seus sintomas não melhoraram enquanto tomava a homeopatia. Na verdade, me impressionou como sua jornada com o homeopata tinha sido semelhante às suas experiências com o clínico geral: ela apresentava sintomas, recebia algo para tomar, quando não ajudava, dava outra coisa para tomar, quando aquilo não ajudava, ela recebia outra coisa. Em ambos os casos, ela recebeu vários tratamentos para tentar, e em nenhum dos casos ela sentiu que seus sintomas haviam melhorado. Nem a medicina convencional nem a alternativa a ajudaram objetivamente. Então, por que ela estava tão perturbada com a ideia de perder o acesso à homeopatia e tão defensiva em relação aos homeopatas que a trataram?
Acho que a resposta não está nas pílulas de açúcar, mas no ambiente em que são prescritas e administradas. Durante as consultas de homeopatia, ela se sentiu ouvida – de fato, ela realmente foi ouvida, e por longos períodos. Ela foi capaz de falar sobre como estava se sentindo, foi questionada sobre detalhes que teriam parecido insignificantes para a maioria das pessoas (porque não tinham relação com sua condição real), mas no ambiente do consultório de um homeopata eles davam a impressão de meticulosidade – não era como a curta consulta “entra-e-sai” no consultório médico que a deixou se sentindo como uma cobaia; claramente o homeopata havia dedicado algum tempo a paciente, e esse investimento de tempo mudou totalmente a experiência do processo pela paciente, mesmo que não tivesse impacto na condição da paciente ou em seus sintomas.
É muito mais fácil, claro, para um homeopata passar uma hora com um paciente – eles não têm a carga de trabalho de um clínico geral, porque ninguém no serviço de saúde depende de um homeopata para tratar ou curar alguém, já que a homeopatia é inteiramente ineficaz; um clínico geral tem uma sala cheia de pacientes doentes que precisam ser atendidos. Um homeopata pode atender em uma semana menos pacientes do que um clínico geral atende em um dia e, como tal, as demandas de tempo são muito menos intensas.
Da mesma forma, haverá ocasiões em que a resposta correta será tão simples quanto tomar o remédio certo – para algumas condições, um medicamento comum pode ser a resposta para 60% das pessoas; o que significa que 40% retornarão insatisfeitos. Desses, três quartos podem ter melhoras com um medicamento comum diferente, mas 10% de seus pacientes originais ainda precisarão retornar outra vez, sem alívio dos sintomas. Em cada estágio, o número de pacientes tratados com sucesso aumenta, mas alguns pacientes inevitavelmente ficarão à mercê da probabilidade, deixados sem tratamento pelas ferramentas prontamente disponíveis para um clínico geral. Esses pacientes explicariam razoavelmente que tiveram uma experiência profundamente negativa e, obviamente, não encontrariam conforto na noção de que estavam no lado perdedor da probabilidade e que o clínico geral resolveu com sucesso os problemas de dezenas de outros pacientes.
Conforto, no entanto, é exatamente o que o tempo gasto com um homeopata proporcionou à paciente que conheci – o conforto que veio de sentir que ela não estava sozinha, como se ela não fosse um fardo ou uma inconveniência. A atenção do homeopata à beira do leito é o que deixou a paciente tão assustada com a perspectiva de perder o acesso ao serviço de homeopatia – ela via seu homeopata como um aliado que ouvia suas preocupações de forma compreensiva.
Talvez não seja surpreendente que vários homeopatas possam desenvolver o tipo de “conduta médica” que faz com que os pacientes os vejam com tanta positividade e lealdade: quando os tratamentos que eles prescrevem não podem e não fazem nada, a única coisa que o homeopata tem é uma conduta atenciosa – se seus pacientes continuam voltando, não é porque suas pílulas de açúcar fizeram alguma coisa.
Os homeopatas costumam afirmar que a medicina convencional tem muito a aprender com a homeopatia e, como um relógio parado, eles estão certos de vez em quando. Os médicos podem aprender que, ouvindo um pouco mais os pacientes e suas preocupações, eles podem construir o tipo de confiança e lealdade que significa que seus pacientes não os culparão se eles forem um dos casos infelizes. E o sistema de saúde como um todo poderia aprender que melhores recursos poderiam permitir que os médicos passassem um pouco mais de tempo com cada paciente para aumentar esse tipo de confiança, sem sentir que precisariam trabalhar em um ritmo maior para lidar com a carga de trabalho diária.
Se um pouco mais de tempo e compreensão podem fazer com que os pacientes se sintam leais a um tratamento tão inútil e pseudocientífico quanto a homeopatia, imagine o que isso poderia fazer por tratamentos que realmente funcionam.