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As alegações de salvamento de vidas pela quiropraxia são meras fantasias

Traduzido por Julio Batista
Original de Edzard Ernst para o The Skeptic

Edzard Ernst é professor emérito de Medicina Complementar na Faculdade de Medicina da Península da Universidade de Exeter. Ele é autor de dez livros sobre medicina complementar e alternativa.

Os praticantes da “tão chamada medicina alternativa e complementar” (SCAM, na sigla em inglês – que é a palavra em inglês para “fraude”) são famosos por fazerem afirmações terapêuticas baseadas em pura fantasia. Na verdade, a maioria parece pensar que sua SCAM particular é uma verdadeira panaceia. Com o passar dos anos, me acostumei com esse fenômeno e hoje quase não surto quando ouço que a acupuntura é uma auxílio eficaz para emagrecer ou que a osteopatia cura a síndrome do intestino irritável (SII).

No entanto, recentemente alguém conseguiu surpreender até a mim. A ocasião foi nada menos espetacular do que um quiroprático afirmando ter salvado a vida de um paciente que sofria um ataque cardíaco.

“A quiropraxia pode salvar vidas? O que o poder de um ajuste pode fazer? Essa pessoa começou a ter um ataque cardíaco durante o voo em que estávamos hoje. Depois de usarem dois tanques de oxigênio, não tinha mais muita coisa a ser feita já que 5 médicos, 2 paramédicos, 1 enfermeiro se juntaram ao redor esperando os sintomas melhorarem. O piloto estava preparando um pouso de emergência. Depois de explicar para sua esposa que remover a interferência no sistema nervoso poderia salvar a vida dele, ela me deu permissão para ajustar o marido. Logo após isso, a respiração e a frequência cardíaca voltaram ao normal… Para todos os colegas quiropráticos por aí, honramos a obra do Criador. Nós sabemos que o potencial do corpo não tem limites. Lembrem-se que vocês não escolheram a quiropraxia. A quiropraxia escolheu vocês. Vocês foram chamados para momentos como esse.” (Postagem do charlatão no Instagram)

Gosto dessa história, até porque me lembra uma de minha própria experiência:

Eu estava em um avião para Toronto e tinha adormecido após uma boa refeição e algumas taças de vinho quando um comissário me acordou dizendo: “Você é um médico!?” “Isso mesmo, sou professor especialista em medicina alternativa”, eu disse meio sonolento. “Temos alguém a bordo que parece estar morrendo. Você poderia vir dar uma olhada? Nós o colocamos na primeira classe.”

Quando cheguei na primeira aula, ela me mostrou a paciente e orgulhosamente me apresentou um estetoscópio. O paciente estava inconsciente e com o rosto levemente azulado. Abri sua camisa e usei o estetoscópio apenas para descobrir que este dispositivo é totalmente inútil em um avião; o som do motor supera de longe qualquer outra coisa. Com a mão livre, tentei encontrar o pulso – sem sucesso! Enquanto isso, descobri uma cicatriz recente no peito do paciente com algo redondo implantado por baixo. Concluí que o paciente havia recebido recentemente um implante de marcapasso com defeito.

“O capitão precisa saber agora se deve se preparar para uma parada de emergência em Newfoundland ou continuar voando. A decisão é sua”, disse o comissário. Tive dificuldades em manter a calma. O que mais poderia fazer? O paciente estava claramente morrendo e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito. Eu respondi pedindo a ela que me desse 5 minutos, enquanto eu daria o meu melhor. Mas repito: o que eu poderia fazer? Decidi que não podia fazer nada além de segurar a mão do paciente e deixá-lo morrer em paz.

A essa altura, vários comissários estavam me observando; eles devem ter pensado que o ‘médico alternativo’ estava aplicando algum tipo de cura energética, talvez Reiki. Essa situação estranha continuou por vários minutos até que – do nada – senti um pulso regular e forte. Evidentemente, o marcapasso voltou a funcionar. Em menos de um minuto, a cor do paciente ficou rosada e ele começou a falar. Com grande alívio, instruí o piloto a continuar nosso voo para Toronto.

Depois de ter permanecido com o paciente por mais ou menos 10 minutos, os comissários vieram e anunciaram: “Colocamos suas coisas na primeira classe; assim, você pode ficar de olho nele.” O resto da viagem transcorreu sem intercorrências – exceto que os comissários vinham repetidamente me dando garrafas de champanhe e um bom vinho tinto para levar comigo para Toronto. Cada vez que me davam um presente, perguntavam educadamente se meu método de cura também funcionaria para as várias doenças de que sofriam – varizes, dor de cabeça, TPM, fadiga, dissincronose…

Depois dessa experiência dramática, sinto-me no direito de transmitir minha mensagem a todos os colegas praticantes cura energética:

Honramos a obra do Criador.
Nós sabemos que o potencial do corpo não tem limites.
Lembrem-se que vocês não escolheram a cura energética.
A cura energética escolheu vocês.
Vocês foram chamados para momentos como esse.

No caso de você estar começando a se perguntar se eu eu pirei de vez, a resposta é NÃO! Eu não sou um praticante da cura energética. Na verdade, assim como eu NÃO sou um praticante da cura energética, o quiroprático da história acima NÃO salvou a vida de seu paciente. Quiropráticos e o pessoal daquele avião, parece-me, que têm uma coisa em comum: eles não entendem muito de medicina.

Ao chegar a Toronto, o paciente foi recebido por uma equipe de médicos totalmente equipados. Expliquei o que havia acontecido e eles o levaram para um hospital. Pelo que sei, ele se recuperou totalmente depois que o marcapasso defeituoso foi substituído. Após meu retorno ao Reino Unido, a British Airways me enviou uma enorme cesta para me agradecer.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.